Bolsonaro elimina seleção independente para membros do conselho de proteção à criança
O presidente Jair Bolsonaro dispensou todos os membros do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), em um decreto publicado nesta quinta-feira (5) no Diário Oficial da União. Na mesma decisão, o presidente também promoveu o corte de vagas dentro do Conselho e a redução das reuniões feitas pelo grupo. As mudanças reduzem o poder político do órgão, que fiscaliza ações de promoção dos direitos da infância e da adolescência no país, e acontecem na mesma semana em que um adolescente foi torturado após furtar uma barra de chocolate de uma loja da rede de supermercados Ricoy, na zona Sul de São Paulo.
Criado em 1991 e hoje parte da estrutura do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, o Conanda funciona por meio de uma gestão compartilhada entre Governo e sociedade civil. Além de regulamentar o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o Conselho tem a prerrogativa de fiscalizar qualquer investimento do ministério na área da infância, cumprindo o papel de verificar e direcionar o aplique orçamentário em programas como o Disque 100, serviço de proteção de crianças e adolescentes com foco em violência sexual, e no PPCAAM, o Programa de Proteção de Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte. Ele também gere o Fundo Nacional para a Criança e o Adolescente (FNCA), valor composto por doações dedutíveis do imposto de renda, selecionando quais entidades que pleiteiam recursos receberão o aporte financeiro. Em 2018, o Centro de Excelência em Tecnologia de Software no Recife foi a organização sem fins lucrativos que mais recebeu verba do fundo, com uma ajuda de quase seis milhões de reais, seguida da Fundação de Apoio ao Desenvolvimento da Educação de Mato Grosso (quatro milhões de reais).
O decreto de Bolsonaro altera toda a estrutura do Conselho, uma vez que dispensa todos os seus membros e altera a forma como os novos serão escolhidos. Antes, metade dos 28 conselheiros era formada por representantes do Governo e a outra metade, por pessoas da sociedade civil, eleitas em assembleias. Agora, o número foi reduzido para 18, dos quais nove serão de ministérios e nove serão de entidades civis, mas escolhidos através de processo seletivo a ser organizado pelo próprio Governo. “A importância do conselho é a paridade que existe entre sociedade civil e Governo”, comenta Ariel de Castro Alves, ex-conselheiro do Conanda e integrante do Conselho Estadual de Direitos Humanos de São Paulo (Condepe). “Ele [o órgão] sempre foi organizado por entidades civis, auxiliadas estruturalmente pelo Governo. Agora, essa é a extinção do Conanda do ponto de vista democrático e independente”. Sob a alegação de reduzir custos, o decreto também transforma as reuniões mensais do colegiado em trimestrais.
No que diz respeito às reuniões, o ministério sinalizou com o corte de gastos em maio, quando parou de financiar as viagens de conselheiros de diferentes regiões do país. Foi sugerido pelo Governo que os encontros seguissem através de videoconferência, mas a estrutura não foi disponibilizada, o que atrasou a periodicidade das reuniões.
Na última semana do mês passado, a secretária-executiva do Conanda, Verena Martins de Carvalho, foi exonerada pela pasta sem consulta ao órgão. “O objetivo do ministério chefiado por Damares Alves é cercear o Conselho de forma que ele não seja um lugar de deliberação de políticas públicas ou de críticas ao Governo. Nada contrário ao viés ideológico deles vai passar”, diz Ariel Alves. Por conta do atraso nas reuniões do Conselho e a relação conturbada entre Conanda e a gestão Bolsonaro, nada dos 25 milhões de reais aprovados para o Fundo Nacional da Criança e do Adolescente em 2019 foi investido. O valor para 2020 sequer foi aprovado e a conferência nacional dos direitos da criança, agendada para outubro deste ano, também foi cancelada.
O ex-conselheiro admite preocupação com relação ao fundo porque, segundo ele, o Governo pode adotar critérios ideológicos para decidir quais entidades receberão os recursos. “Assim como farão com os representantes da sociedade civil no conselho, onde não sabemos quais critérios serão utilizados nos processos seletivos”, reclama. Os 56 conselheiros (28 titulares e 28 suplentes) que foram desligados tomaram posse em março deste ano e teriam mandatos até 2021. Alves revela que, através de redes sociais, mais de 110 ex-conselheiros do Conanda já se reuniram com a finalidade de reverter a medida de Bolsonaro. “Acionaremos o Ministério Público Federal para que o decreto seja revogado”, promete.
O decreto do presidente Bolsonaro é publicado na mesma semana em que viralizou um vídeo de um adolescente recebendo chicotadas, enquanto estava amordaçado, nas dependências de uma loja da rede de supermercados Ricoy, na zona Sul de São Paulo. Segundo Boletim de Ocorrência, o jovem de 17 anos foi acusado de furtar uma barra de chocolate da loja e acabou pego por dois seguranças, que ainda o ameaçaram de morte enquanto um terceiro, em meio a risos e intimidações, gravava o vídeo. “O decreto, bem nesta semana, prova que a pauta dos direitos da criança e do adolescente não é uma prioridade para o Governo”, conclui Ariel de Castro Alves.