Congresso da UNE de 68: quando a Lapa fica na China
No mês em que se completaram os 50 anos do golpe militar, o Portal da Contee reproduz o artigo abaixo escrito pelo ex-presidente da Confederação e atual membro da Comissão da Verdade dos Trabalhadores em Educação do Setor Privado de Ensino, Augusto César Petta, sobre o Congresso da UNE realizado em 1968, em Ibiúna, no qual foi preso juntamente com centenas de outros estudantes. O texto é o primeiro de uma série de três artigos escritos originalmente em 2008 e que agora serão republicados pelo Portal da Contee.
Por Augusto César Petta *
Neste momento em que o golpe militar faz 50 anos, a ditadura (1964 a 1985) está sendo amplamente debatida. Progressistas e reacionários digladiam-se buscando as causas de um fenômeno tão cruel que se abateu sobre o povo brasileiro. Os mais reacionários procuram amenizar as consequências do golpe militar, questionando inclusive se, no período 1964 a 1968 , houve realmente ditadura no Brasil. Por isso, resolvi reproduzir os três artigos que escrevi em 2008, a respeito do Congresso da UNE realizado em Ibiúna, em outubro de 1968.
Nesse primeiro artigo destacarei mais especificamente detalhes de como chegamos ao local do evento, que são reveladores da repressão instalada no país. Naquele momento, a União Nacional dos Estudantes estava atuando na ilegalidade em função de determinação extremamente autoritária da ditadura militar implantada em 1964.
A Diretoria da UNE – cujo presidente era Luís Travassos – teria que tomar todas as medidas possíveis para que os participantes do Congresso não fossem presos. E o nível de organização tinha que ser muito aprimorado. Nesse momento, eu cursava Ciências Sociais na PUC-Campinas e presidia o Diretório Acadêmico da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. Alguns meses antes, recebemos a informação proveniente da Diretoria da UNE de que o Congresso seria realizado, ainda em 68, porém sem data e local definidos. Caberia às diretorias de Diretórios e Centros Acadêmicos a tarefa de promover eleição dos delegados e aguardar o comunicado da data e local do Congresso para que os eleitos pudessem participar.
As entidades estudantis, em todo o país, arregaçaram as mangas para executar, com muito cuidado, as determinações da Diretoria da UNE. Ao mesmo tempo, procuramos nos preparar para o debate dos temas referentes à conjuntura política nacional e internacional, à educação, ao movimento estudantil.
Cada um dos delegados recebeu uma orientação para se deslocar e chegar ao Congresso. Saímos de nossas residências, sem saber o local. No meu caso, a orientação que recebi foi a de estar, na data estabelecida, 10 de outubro, exatamente às 10 horas, numa determinada esquina da Avenida Angélica, em São Paulo. E foi o que fiz. Ao chegar, seguindo a orientação, me dirigi a uma fila de ônibus, na frente de uma padaria, onde encontrei um jovem vestido com “roupa de padre”, lendo um exemplar da Revista Realidade.
Imediatamente perguntei, ainda conforme a orientação: “Onde fica a Lapa?” E ele respondeu: “A Lapa fica na China”. Só assim, eu tive a tranquilidade de dizer: “Eu estou aqui para ir ao Congresso”. Ele solicitou que, junto com ele, nos dirigíssemos ao Campus da USP. Chegando lá, me disse que eu deveria ficar no Campus e que, à noite, voltaria para que pudéssemos nos dirigir ao local do Congresso. No horário estabelecido ele voltou e juntamente com outros três jovens, de carro, fomos por uma estrada, até um determinado ponto. Aí ele nos orientou a descer do carro e caminhar na mata até encontrar um caminhão, já com um contingente de estudantes. Foi o que fizemos e na carroceria desse caminhão fomos transportados para o local do evento, que era um sítio situado no município de Ibiúna. Havia uma espécie de arquibancada de campo de futebol e lá nos alojamos todos.
Eram mais de setecentos estudantes oriundos de todos os estados brasileiros. A alimentação evidentemente era muito precária, alguns panelaços de arroz e caldo de feijão, pão e café. Aliás, em função da necessidade de comprar pães é que surgiu a história de que essa compra poderia explicar a prisão de todos nós. A história é a seguinte: alguns colegas encarregados de providenciar a alimentação teriam ido a uma padaria na pequena cidade de Ibiúna (na época com aproximadamente 6 mil habitantes) e solicitado ao proprietário da mesma que providenciasse 2 mil pãezinhos; o proprietário, assustado com o pedido, teria avisado a Polícia e esta teria tomado as providências para nos prender. Essa história é sempre lembrada quando se escreve sobre o referido Congresso, mas a verdade parece estar relacionada a um processo dos órgãos de repressão que infiltravam elementos que delatavam as ações de estudantes comprometidos com a luta pela libertação do nosso povo.
No primeiro dia discutimos quem eram efetivamente os delegados que teriam direito a votar. Essa discussão foi ríspida, em determinados momentos, em função da eleição da nova Diretoria da UNE, que aconteceria no último dia do Congresso. Duas chapas estavam em condições, pelo número de delegados que tinham, de disputar a direção da UNE: uma liderada por Jean Marc Van de Weid, ligada à AP-PCdoB e outras forças e a outra liderada por José Dirceu, da dissidência do PCB e outras forças. Além dos dois encabeçadores da chapa, estavam presentes muitos outros líderes importantes, destacando-se o presidente da UNE, Luís Travassos, o presidente da União Metropolitana dos Estudantes do Rio, Wladimir Palmeira, além de Antonio Ribas, da Ubes, representando os estudantes secundaristas.
Num próximo artigo, pretendo continuar contando como se deu a prisão e como conseguimos realizar todos os principais debates do Congresso, no Presídio Tiradentes, em São Paulo.
*Augusto César Petta é professor, sociólogo, coordenador-técnico do Centro Nacional de Estudos Sindicais e do Trabalho – CES, membro da Comissão da Verdade dos Trabalhadores em Educação do Setor Privado de Ensino instaurada pela Contee e ex- presidente do Sinpro Campinas e da Contee