Curso de formação discute educação a distância e trabalho remoto na era do capitalismo informacional
A segunda aula do curso remoto de formação “Educação do Brasil na atualidade”, ministrada na manhã deste sábado (19) pelo sociólogo Sérgio Amadeu e mediada pelo coordenador da Secretaria de Saúde dos Trabalhadores em Educação da Contee, Celso Woyciechowski, discutiu educação a distância e trabalho remoto. E, com educação como tema, o debate não poderia ter começado senão com uma homenagem aos 99 anos do nascimento de Paulo Freire, completados hoje. Assim, a mística de abertura foi a leitura de um trecho do livro Pedagogia da Autonomia: “Ensinar exige a convicção de que a mudança é possível”.
Autonomia, infelizmente, não é o que temos tido na era da economia informacional. “No liberalismo, a unidade básica da sociedade era o indivíduo. No neoliberalismo, a unidade básica da sociedade — sociedade que para muitos neoliberais nem existe — é a empresa; o indivíduo é importante apenas como consumidor”, iniciou Sérgio Amadeu. “A partir da primeira década do século XXI, o modelo de negócios que se estruturou é o capitalismo informacional. Os produtos de maior valor agregado são os produtos da tecnologia da informação. O mercado de dados passou a ser o principal mercado da economia informacional, que é a mais forte e pujante de todo o capitalismo.”
Segundo ele, o capital financeiro apostou nesse mercado de dados e construiu uma economia baseada em redes sociais e plataformas digitais. “E as escolas no Brasil, neste momento de pandemia, resolveram, de modo acrítico, ampliar os poderes dessas plataformas”, criticou. “No mundo da pandemia, 70% das instituições de ensino passaram a utilizá-las acriticamente e entregaram dados das relações entre professores e alunos, técnicos, pesquisadores… Deram de graça informações para empresas cujo modelo de negócio é obter dados para aprimorar seu processo de extração de padrões e determinar qual será o próximo passo de cada um. Alguém pode argumentar: ‘ah, mas eu já utilizava o Google, o meu aluno já utilizava o Google…’. Sim, essas plataformas já podiam ter seus dados e metadados aqui, os dados e metadados dos seus alunos lá. Mas, na hora em que você põe a plataforma dentro da escola, você entrega os dados logísticos da escola, as relações que você tem com cada aluno. Nosso sistema de ensino vai ter uma nova intermediação: as plataformas.”
Sérgio Amadeu denunciou que, antes que o ex-ministro Abraham Weintraub deixasse o MEC e fugisse do Brasil, o site do ministério compartilhou um release segundo o qual a “Microsoft destaca Sisu em nuvem como case de sucesso”. “O Ministério da Educação entregou milhões de dados de nossos alunos para a ‘nuvem’ da Microsoft. Dados que foram levados para o datacenter nos EUA porque, segundo o release, a empresa ‘garantiu a estabilidade e escalabilidade na capacidade de processamento para atender à demanda crescente de estudantes’. O que era feito pelo MEC agora é feito pela Microsoft. Esse é sempre o argumento do neoliberalismo: é mais prático, é mais barato. Vocês acham que o Congresso Nacional dos EUA permitiriam que dados de seus alunos fossem armazenados no Brasil? Na China? Na Rússia?”, questionou.
Sobre a uberização da educação no Brasil, por meio dessas plataformas, e o uso delas nesse tempo de pandemia e ensino remoto, o sociólogo lembrou que 52% dos brasileiros acessam a internet exclusivamente pelo celular. “Como fazer exercícios em que se precisa de vários links e navegação por várias telas? A qualidade do hardware interfere. As condições de moradia interferem. Há alunos meus, da Universidade Federal do ABC, que não têm mesa em casa, a não ser a mesa de jantar. Não há condições adequadas de silêncio, não há condições físicas e psíquicas. Não estamos em home office, estamos num trabalho precário. E, enquanto estamos precarizados, estamos jogando dados do nosso comportamento para essas plataformas, essas empresas”, alertou.
“A tecnologia da informação nunca foi neutra, como quase nenhuma tecnologia no uso social. E, mais do que isso, é uma tecnologia que serve aos interesses das grandes corporações”, afirmou Sérgio. “Estamos fazendo isso num ensino precarizado. Já temos escolas achando que vão continuar fazendo parte de suas atividades de forma on-line, porque ‘deu certo’. Se tem uma coisa que não deu certo na pandemia, foi isso.” Mas, retomando Paulo Freire e a convicção de que a autonomia e mudança são possíveis, Sérgio Amadeu, grande defensor e divulgador do software livre e da inclusão digital no Brasil (acesse seu blog Tecnopolítica), cobrou posicionamento e ação dos sindicatos nesse sentido. “Tecnologia é algo que podemos e devemos incluir na nossa pauta política. Temos que disputar com eles, criar nossas próprias alternativas. Se não fizermos isso, vamos cada vez mais aprofundar a dependência e a colonização.”
O curso remoto de formação “Educação do Brasil na atualidade” está sendo realizado pela Contee em parceria com o Centro Nacional de Estudos Sindicais e do Trabalho (CES) e com a Secretaria Nacional de Formação da Central Única dos Trabalhadores (CUT). O curso de encerra nos próximos dias 25 e 26 de setembro, com as aulas sobre “Educação presencial: aspectos psicológicos, relações sociais de alunos(as), professores(as), técnicos(as), família”, com a professora Nereide Saviani, e sobre “Novos desafios colocados aos(às) trabalhadores(as) em instituições privadas de ensino relacionados aos direitos trabalhistas e à organização sindical”, com José Geraldo de Santana Oliveira e Ricardo Gebrim.
Táscia Souza