Estudo questiona lógica empresarial sobre legislação rígida e custos altos
São Paulo – Embora não tenha sido o objetivo do trabalho, um livro lançado ontem (5) pelo Dieese questiona diretamente dois quase dogmas empresariais no país, o da legislação rígida/engessada e o do alto custo de demissão. O estudo, que trata da rotatividade da mão de obra em seis setores de atividade, mostra, por exemplo, que o tempo médio de permanência no emprego em 2012 foi de cinco anos – ou três, se excluídos os funcionários públicos. Bem abaixo de países europeus (13 anos na Itália e em Portugal, 12 na Alemanha e na França), e equivalente aos Estados Unidos, conhecido pela legislação trabalhista flexível.
Também em 2012 o número de vínculos formais no Brasil, entre contratações e demissões, superou os 76 milhões, diz o coordenador de Relações Sindicais do Dieese, José Silvestre, organizador do livro. “Acho que isso é uma demonstração da flexibilidade do nosso mercado de trabalho. E mostra, em certa medida, que o custo para demitir não é alto. Você tem setores que rodam 40%, 50%, 60% da força de trabalho (por ano). E tem um percentual expressivo de trabalhadores (45%) que são dispensados antes de completar seis meses”, acrescenta. “Não vejo como a legislação cria enrijecimento.” O estudo mostra que a rotatividade está concentrada em uma parcela minoritária das empresas.
Naquele mesmo ano, aproximadamente 25% das dispensas no Brasil foram feitas a pedido do trabalhador, ante 17% em 2006. Para Silvestre, isso mostra um cenário mais favorável do mercado de trabalho nos últimos anos, com aumento das oportunidades, mas revela, por outro lado, a “precariedade” dos postos de trabalho, com salários baixos. Casos de demissão sem justa causa, a pedido do trabalhador e por término de contrato correspondem a 85% dos casos.
Descontados desligamentos por transferência, aposentadorias, mortes e a pedido do trabalhador, a taxa média de rotatividade em 2012 foi de 37%, ou seja, quatro em cada dez trabalhadores. A taxa total atingiu 55%, mas com variações que vão desde 21% no setor bancário até 114% na construção civil, ficando na faixa de 40% nos setores metalúrgico (45%) e químico (47%) e chegando a 64% no comércio e 78% nas atividades de alojamento e alimentação, na área de serviços.
Negociação
“Não temos nenhum mecanismo que iniba a rotatividade”, observa Silvestre, para quem a questão passa, principalmente, pelo Legislativo. Outra alternativa apontada pelos sindicalistas é tentar estabelecer algum tipo de controle por meio de negociação coletiva.
Elaborado com apoio da Fundação Friedrich Ebert (FES), o livro é resultado de uma série de seminários e discussões entre diversas entidades dos ramos bancário, metalúrgico, químico, da construção, do comércio e de alojamento e alimentação. Tem como base dados da Relações Anual de Informações Sociais (Rais), do Ministério do Trabalho e Emprego. O Dieese elaborou uma espécie de ranking com 20 funções mais atingidas pela rotatividade nesses diversos setores. Figuram ali atendentes de lanchonete, cozinheiro, garçons, gerente de contas ou administrativo, serventes de obras, pedreiros, alimentadores de linha de produção, montadores de equipamentos eletroeletrônicos e trabalhadores no setor da cana-de-açúcar.
O perfil diversificado das funções mostra a complexidade da questão, conforme assinala o Dieese. Além disso, a rotatividade traz “custos perversos” para todas as partes. “Para as empresas, representa uma despesa para selecionar e treinar outra pessoa naquele posto de trabalho e geralmente esse custo não é absorvido pela empresa, mas é repassado ao preço final. O trabalhador não só está afeito ao desemprego como ainda passa a ter, como consumidor, produtos e serviços mais caros. Para o governo federal, os impactos sobre o programa do seguro-desemprego são também mais elevados. Portanto, a sociedade brasileira como um todo tem muito a perder com esse fenômeno estrutural no mercado laboral”, diz o instituto.
“É inegável que a gente teve avanços enormes nos últimos anos, mas ainda temos um déficit grande de trabalho decente na sociedade”, afirma a diretora da FES Waldeli Melleiro. “Temos de combater isso para melhorar a qualidade nos empregos. Isso passa por um efetivo processo de diálogo social. Na prática, tem de haver muita pressão.”
Os sindicalistas veem a modalidade também como uma estratégia empresarial. “Essa rotatividade perversa é um dos grandes males que afetam a nossa categoria”, diz o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT), Carlos Cordeiro. “A rotatividade faz parte do negócio.” Segundo ele, a diferença salarial, para menos, entre quem entra e quem sai do setor impede o crescimento médio dos salários, apesar dos aumentos reais (acima da inflação) obtidos nas negociações.
A rotatividade atinge principalmente o setor privado. Cordeiro citou como exemplo o banco Itaú, que anunciou hoje lucro de R$ 4,9 bilhões no segundo trimestre. “De 2011 para cá, os bancos cortaram 37 mil postos de trabalho e o Itaú, sozinho, cortou 14 mil.”
Benefícios
Para o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores no Ramo Químico (CNTQ, ligada à Força Sindical), Antonio Silvan Oliveira, parte dos pedidos de demissão feitos pelo empregado deve-se à falta de perspectivas no emprego, com fatores como baixa remuneração e mau ambiente. “Essa turma não perde tempo”, afirma. O dirigente critica a Previdência Social, “que não responsabiliza o autor do problema”, e o próprio governo, que dá benefícios fiscais sem contrapartidas.
“Falta uma legislação mais restritiva à demissão”, acrescenta o presidente da Confederação Nacional dos Sindicatos de Trabalhadores da Construção e da Madeira (Conticom-CUT), Claudio da Silva Gomes. Em certos casos, ele afirma que o próprio Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) pode ser um estímulo para o desligamento, à medida que o valor acumulado vá superando o do salário. A redução do tempo médio das obras também contribui – segundo o dirigente, o período para construção de um shopping, por exemplo, caiu de três anos para seis meses. “A rotatividade é da natureza da construção civil.”
Os dirigentes defenderam a adoção, pelo Brasil, da Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que trata da proteção contra demissão imotivada. É justamente um dos tópicos mais criticados pela Confederação Nacional da Indústria e outras entidades empresariais, justamente por, segundo a CNI, provocar maior “rigidez” nas regras de contratação e demissão.
Da Rede Brasil Atual