Impressões sobre XXII Congresso Brasileiro de Economistas
Por Fernando Nogueira da Costa[1]
Estive em Belo Horizonte durante o XXII Congresso Brasileiro de Economistas (CBE). Assisti e participei do debate com os palestrantes em três mesas: Ensino de Economia e Futuro da Ciência Econômica, A Economia Brasileira na Perspectiva do Jornalismo Econômico, Economia Brasileira e Internacional: Cenários e Perspectivas. Fui palestrante e debatedor na mesa final sobre Política Macroeconômica e a Retomada do Crescimento. Além desses debates, assisti as apresentações em comemoração aos 200 anos da publicação da obra Princípios de Economia Política e Tributação de autoria de David Ricardo e 150 Anos da Publicação do Volume 1 de O Capital por Karl Marx.
Elogiado pelos participantes pela programação e qualidade dos debates promovidos, o CBE também se destacou pela presença expressiva de estudantes. Ao todo, quase 1.200 pessoas de 26 estados estiveram no Minas Centro, em Belo Horizonte, prestigiando a programação do evento.
Um estudo de autoria do professor Roberto Macedo (ex-FEA-USP), publicado na revista Economistas do COFECON em março de 2016, analisa os microdados do Censo de 2010. Considerando o maior nível de instrução, identifica 234.287 graduados em Economia, 18.341 mestres e 5.410 doutores na área de Economia. Destaca algumas características importantes do perfil dos economistas, como o envelhecimento dos graduados, com maior participação nas faixas de idade mais elevada, além do indício de grande número de aposentados. Entre os graduados, 59.346 são presumivelmente aposentados ou desempregados. Em contrapartida, a participação dos mestres e doutores é maior e crescente nas faixas etárias mais jovens.
Segundo os dados da DataViva sobre o Ensino Superior de Economia no Brasil, o curso de Economia é o 37º em número de matrículas no Brasil. A universidade que possui mais alunos é Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, com 1,64 mil estudantes. No total, o curso de Economia possui 49,4 mil alunos matriculados em todo o país. Nos últimos seis anos (2010 a 2015), foram 36,6 mil concluintes, ou seja, a média de 6,1 mil / ano. Se essa fosse a média nos últimos 35 anos (e todos os concluintes exercessem a profissão), estariam na vida profissional ativa cerca de 213,4 mil economistas. Em 2015, número de alunos matriculados atingiu 50,4 mil, o número de ingressantes, 12,6 mil, e o número de concluintes, 6,23 mil. Para comparação, nesse ano, o IE-UNICAMP tinha 547 matriculados e teve 91 concluintes com idade média de 22 anos.
O estudo do prof. Macedo constata, para o período de 1980 a 2010, uma redução da aderência nas ocupações “típicas”, com o surgimento de novas ocupações e o aparecimento de oportunidades de atuação em ocupações “atípicas”. Mostra grande dispersão ocupacional dos economistas graduados, “com cerca de 70% deles se distribuindo por 30 ocupações”, além de observar grande disputa por ocupações comuns entre os graduados em Economia, Administração e Contabilidade. Cada vez é mais complicado identificar ocupações típicas exclusivas de cada profissão. Conclui que a maioria das ocupações dos economistas graduados não pode ser considerada atípica de sua profissão, indicando a ampliação do campo de atuação do economista em atividades não exclusivas da profissão.
Essas constatações do estudo reforçam a necessidade de atualização da legislação da profissão e, principalmente, sua evolução, de forma a incorporar os mestres e doutores nos registros dos Conselhos, reconhecendo sua competência específica para atuar em atividades da área da economia, relacionadas com a sua formação stricto sensu. O prof. Macedo defendeu, em síntese, uma formação generalista para os economistas.
A ele se contrapôs o prof. Rubens Rogério Sawaya (Diretor da ANGE e Professor da PUC-SP), dizendo que a formação do pensamento dos economistas não deve ser dirigida pelo mercado de trabalho. Não se trata apenas de ocupar espaços profissionais, mas sim dos economistas demonstrarem a importância de seu conhecimento específico e especializado à sociedade. Daí se desenvolveu um debate em torno da crise de identidade dos economistas.
Minha contribuição ao debate tanto nessa quanto na mesa da manhã seguinte – A Economia Brasileira na Perspectiva do Jornalismo Econômico – com Cláudio Roberto Gomes Conceição (Revista Conjuntura Econômica), João Borges (Globonews), Luís Nassif (Jornal GGN) e Fernando Brito (Blog Tijolaço), foi defender que esse conhecimento específico permite uma visão holística e multidisciplinar que as demais profissões não possuem. Implica em entender e apresentar a Economia como um sistema complexo que emerge de interações entre diversos componentes, tanto econômicos, quanto extra econômicos. A evolução criativa da sociedade econômica configura um todo cuja escala de análise é maior do que a mera agregação de suas partes. Esse sistema econômico possui características não dedutíveis das experiências individuais.
Daí sugeri diretamente para o representante da Globonews levar duas mensagens dos economistas para seus pares que fazem uma cobertura unilateral. Primeira, não entrevistar dona-de-casa e/ou empresário para ditar receita sobre macroeconomia, pois eles só sabem cortar gastos, na medida que não podem determinar seus ganhos. Mas o Estado não pode se comportar desse jeito, cortando gastos, em uma vã tentativa de fazer ajuste fiscal em plena Grande Depressão. Pelo contrário, seu gasto em razão de política pública substitui a carência de gasto privado em investimento, desestimulado por expectativas negativas quanto às vendas. Se os expectadores (e leitores) entenderem o multiplicador de rendas, eles aprenderão essa lição keynesiana básica.
Por isso mesmo, a outra mensagem é que, “para cada economista, existe um igual e contrário”; mesmo que “ambos estejam errados”, como afirma a piada corporativa, a mídia impressa e televisa deve entrevistar os dois lados, tanto o neoliberal e neoclássico, quanto o desenvolvimentista, keynesiano ou marxista. Um debate plural ilumina as mentes e permite melhores escolhas por parte de cidadãos bem informados. Se o jornalismo econômico brasileiro continuar com o viés de confirmação, permanecerá com a auto validação ilusória. Só pergunta a quem vai dar a resposta esperada – e errada. Sem debate entre economistas antagônicos não há contraponto de ideias diversas para questionar falsas hipóteses.
A ausência de um pensamento plural foi o que observei na mesa “Economia Brasileira e Internacional: Cenários e Perspectivas” com Luís Paulo Rosenberg (Rosenberg Associados), Luiz Carlos Mendonça de Barros (Ex-Presidente do BNDES e Ex-Ministro das Comunicações), Roberto Castello Branco (FGV), Roberto Macedo (Professor da USP e ex-Presidente do IPEA), Milton Luiz de Melo Santos (Diretor Presidente da Desenvolve SP – Agência de Desenvolvimento Paulista). Todos são da elite paulistana ou “minoria branca” como classificou um ex-governador de São Paulo que sabia de quem falava.
Preocuparam-se em fazer a louvação da atual política econômica! Isto porque a economia brasileira já teria batido no fundo-do-poço e estaria repicando! Entre os muitos indicadores apresentados – e até panfletagem em favor de candidato –, nenhum apresentava a taxa de desemprego e a concentração de riqueza ocorrida recentemente.
No debate, questionei essa ausência, afirmando a partir de evidência empírica que houve má-fé interesseira pelo retardo da queda da taxa de juro Selic, ocorrida só a partir de outubro de 2016, muito após queda da taxa de inflação em fevereiro de 2016. Com isso, houve a elevação da taxa de juro real de menos do que 4% aa para quase 8% aa. Defendi que a diretoria do Banco Central do Brasil deveria se declarar eticamente impedida de elevar os juros por conflito de interesses, isto é, “legislar em causa própria”.
Esse conflito distributivo não é “neutro”, pois resulta em maior concentração de riqueza financeira. Por exemplo, com a Selic acumulada de 14% no ano de 2016, o varejo tradicional (6,5 milhões de contas FIFs e TVMs) elevou em R$ 2.804 sua riqueza per capita (para R$ 49.213); o varejo de alta renda (3,5 milhões de contas) elevou em R$ 10.652 sua riqueza per capita (para R$ 174.445). Essa classe média desconhece que o Private Banking (112 mil CPFs), enquanto isso, elevou em R$ 939 mil (quase um milhão de reais) sua riqueza per capita, atingindo R$ 7,422 milhões per capita. Isto em um ano de queda de -4,4% na renda per capita. A elevação percentual da riqueza financeira dos ricaços foi exatamente 14%, enquanto a da classe média baixa foi 6% e a da alta, 7%.
Antes, eu já tinha gritado da plateia, solicitando respeito, quando um deles soltou uma piada misógina. A misoginia revela repulsa, desprezo ou ódio contra as mulheres, no caso, à Presidenta Dilma. Esta forma de aversão mórbida e patológica ao sexo feminino está diretamente relacionada com a violência que é praticada contra a mulher.
Depois, reagi de imediato contra um ex-professor do IE-UNICAMP que, levianamente, afirmou que “o problema do Brasil é o pensamento da Escola de Campinas”. Disse-lhe que “ele dizia isso por rancor já que foi ‘expulso’ pelos alunos dessa Escola, pois não preparava suas aulas”. Ele levou um susto com meu comentário intempestivo e não ficou para o debate. Talvez tenha percebido que eu iria lhe questionar mais, pois fui seu professor assistente e sabia com quem eu estava falando.
Meu debate com a Sílvia Maria Matos (Coordenadora do Boletim Macro IBRE na FGV) foi acirrado, mas respeitoso, pois nos conhecemos quando fui convidado por duas vezes a palestrar no IBRE. Este é um ambiente aberto ao debate, ao contrário da EPGE. Ela defendeu bem seu ponto-de-vista, assim como eu defendi o meu, esclarecendo didaticamente à plateia nossas diferenças. O debate público no Brasil deveria ser assim e não uma demonstração de ódios mútuos e intolerância com a discordância pessoal.
O conteúdo deste artigo reflete a opinião pessoal do autor
[1] Professor Titular do IE-UNICAMP. http://