Lula e o Estado Democrático de Direito
Por José Geraldo de Santana Oliveira*
“Agora sou cativo. O meu corpo está algemado numa cela, o meu espírito está preso numa idéia. Uma horrível, uma sangrenta, uma implacável idéia!
Eu só tenho um único pensamento, uma única convicção, uma única certeza: condenado à morte!”
Estas fúnebres palavras da epígrafe são do romance de Victor Hugo, “O último dia de um condenado”, escrito em 1825. Todavia, sem dúvida alguma, podem ser esposadas por Lula e, sobretudo, pelo Estado Democrático de Direito.
2 Por Lula, porque o seu corpo, a partir das 17 horas do dia 6 de abril de 2018, por determinação do inquisidor Sergio Moro, estará preso em uma cela; por quanto tempo, não se sabe.
Ainda por Lula, porque o que se busca, sofregamente, com a sua prisão, nada mais é do que a sua humilhação, a sua espetacular execração pública, a redução, ao rés do chão, de sua honra — o bem mais valioso de todos os seres humanos — de sua inesgotável popularidade e de sua inapagável liderança política; nada importando aos seus algozes se, de tudo isso, decorrer a sua morte física, o que, por certo, seria recebido com regozijo.
Parece induvidoso que a intransigente recusa da presidente do STF de atender aos incessantes apelos do ministro Marco Aurélio para pautar o julgamento das Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADC) Ns. 43 e 44 — que tratam da constitucionalidade do Art. 283 do Código Penal, que reproduz, na integralidade, a garantia de presunção de inocência inserta no Art. 5º, inciso LVII, da CF — é peça chave no nefasto concerto político-jurídico de execração de Lula, tendo o STF como maestro e Sérgio Moro como algoz. O que, sem maior esforço, pode ser extraído do emblemático comentário do ministro Marco Aurélio, segundo o qual “a estratégia deu certo”.
A comentada decisão do STF, em certa medida, resgata o Título LVIII do Livro V das Ordenações Filipinas — aplicadas ao Brasil de 1603 a 1830 —, que assim dispunha, em redação original:
“Título LVIII – Dos que medem, ou pesão, com medidas, ou pezos falsos
Toda pessoa, que medir, ou pesar com medidas, ou pezos falsos, se a falsidade, que nisso se fizer, valer hum marco de prata, morra por isso.
E se fôr de valia de menos do dito marco, seja degredado para sempre para o Brazil.”
Como os crimes imputados a Lula não justificam a pena de morte física, ele foi degredado para Curitiba — que representa hoje o que o Brasil representava no século XVII: terra de degredados —, para cumprir a pena de degredo e de morte moral.
3 Pela sociedade brasileira, porque a prisão de Lula representa tão somente mais uma estação da via sacra — e, ao que parece, não será a última — a que se acha submetido o Estado Democrático de Direito — consagrado pela Constituição Federal de 1988 — desde o golpe institucional do impeachment, em 2016, com o beneplácito e a valiosa colaboração do Supremo Tribunal Federal, a quem tragicamente a CF erige como sendo o seu guardião (Art. 102) e, por conseguinte, do Estado Democrático de Direito.
Se, no processo de impeachment, o STF foi partícipe, na reafirmação da morte da garantia constitucional de presunção de inocência (Art. 5º, inciso LVII, da CF) — já decretada, por ele, em 2016 — agora, levada a efeito no julgamento do habeas corpus impetrado por Lula, foi o próprio autor.
Portanto, o que se almeja, como razão primeira e maior, com a teratológica já citada via sacra é a dizimação do Estado Democrático de Direito, tendo o STF como o seu ordenador.
Por tudo que a decisão do STF representa, há incontrolável tentação de se concluir que a estranha e não definida figura da colegialidade, invocada pela ministra Rosa Weber, para denegar a ordem de habeas corpus pretendida por Lula, deva ser entendida como representativa do conjunto dos atores e promotores do golpe institucional do impeachment, ponto de partida para a dizimação do Estado Democrático de Direito, e não como simples respeito à maioria formada na turma julgadora, no STF, da qual ela participa, mesmo que não seja isso que se pretendia a ministra, como tudo indica, não o era.
Aliás, os frágeis argumentos expendidos pela destacada ministra e o seu voto, a toda evidência, reabilitam Pôncio Pilatos, 20 séculos depois do ato de covardia que lhe é imputado, para possibilitar a crucificação de Jesus.
A título de conclusão, calham bem as sábias e contundentes palavras de Voltaire, proferidas na sua sempre atual obra “Tratado Sobre a Tolerância”, “Capítulo I — História abreviada da morte de Jean Calas”: “[…] se os árbitros de sua vida nada têm a arriscar ao degolarem senão o fato de se enganarem; se podem matar impunemente por uma sentença, então o grito do público se levanta, cada um passa a temer por si próprio, vê-se que ninguém está seguro de sua vida diante de um tribunal erigido para vigiar pela vida dos cidadãos e todas as vozes se reúnem para pedir vingança”.
*José Geraldo de Santana Oliveira é consultor jurídico da Contee




