Mesmo com vitória trabalhista, Reino Unido deve se manter submisso aos EUA, afirma historiador
Retorno do partido ao poder é menos relevante que declínio dos conservadores, segundo Valério
A vitória do Partido Trabalhista nas eleições desta quinta-feira (04/07) no Reino Unido pode não ser a notícia mais importante para entender o cenário político que surge das urnas britânicas a partir desta semana.
Para o historiador Valério Arcary, a alternância de poder no país trará poucas mudanças na prática, já que o Reino Unido deverá continuar sendo um país “fortemente alinhado com os Estados Unidos e com dificuldades de lidar com as fraturas sociais que se aprofundam desde antes do Brexit”.
“A vitória do Partido Trabalhista sob a liderança de Keir Starmer representa uma alternância, em um contexto de grande incerteza sobre qual é a dinâmica do capitalismo. Ainda assim, a expectativa a respeito deste Reino Unido sob nova liderança é a de um país alinhado mais do que nunca com os Estados Unidos e com a preservação da supremacia de Washington no mercado mundial e no sistema internacional, seja qual for o resultado das eleições norte-americanas em novembro”, afirmou o acadêmico, em entrevista a Opera Mundi.
O historiador observa que a dinâmica eleitoral britânica tem uma similaridade com o que vemos na norte-americana, “pois acontece no seio de sociedades profundamente fraturadas”.
“Há fraturas tão profundas no Reino Unidos atual que a própria classe dominante está dividida entre diferentes projetos protecionistas, que abraçam um discurso nacionalista exaltado, e isso foi chave para a aprovação do Brexit, a partir da potencialização de um sentimento de repúdio aos imigrantes”, disse Arcary.
No entanto, o acadêmico ressalta que o mais relevante dessas fraturas é o “desgaste” que se impôs sobre as camadas médias, que “sentem uma forte deterioração dos seu status e dos seus privilégios”. Ele apontou ainda que essa danificação também foi sobre a classe trabalhadora, “que vê na população imigrante uma ameaça ao seu trabalho, algo que também estamos vendo nas eleições da França, onde 10% da força de trabalho é constituída de imigrantes”.
“E isso é algo inevitável, o capitalismo britânico não tem condições de manter o patamar que ostenta nos dias de hoje sem a mão de obra dos imigrantes, tanto nas fábricas quanto em muitos setores de serviços”, afirmou a Opera Mundi.
Trabalhismo sem esquerda
Sobre o futuro do Reino Unidos sob a administração de Keir Starmer, Arcary acredita que será parecido com o modelo que a sigla manteve durante a liderança de Tony Blair e Gordon Brown, entre os anos 90 e 2000, “baseado na depuração da ala esquerda do partido, que tinha como referência a figura de Jeremy Corbyn, que foi expulso da sigla”.
Ele comparou essa “depuração” da ala esquerda do Partido Trabalhista britânico ao que ocorre no Partido Democrata dos Estados Unidos, “onde há uma ala esquerda que tem como referência a figura de Bernie Sanders, com a diferença de que Sanders não foi expulso, porque não é necessário, pois essa ala está completamente apartada do núcleo de poder do partido”.
“A vitória desse Partido Trabalhista tão mais ao centro, obedecendo à dinâmica pós-Brexit de hegemonia do discurso da burguesia no Reino Unido, não tende a trazer novidades na condução política, pode gerar algumas pequenas mudanças na condução econômica, mas nada muito relevante. E do ponto de vista da política internacional, continuará apoiando fortemente a Ucrânia de [Volodymy] Zelensky e evitando qualquer conflito com o governo sionista de Israel”, comentou o historiador.
Para Arcary, a grande notícia destas eleições é a “decadência” do Partido Conservador, que se torna segunda força no país depois de 14 anos no poder.
Victor Farinelli
São Vicente