‘Nada é impossível de mudar’: Reflexões, lições e conselhos sobre processo do trabalho
O texto abaixo, de autoria do consultor jurídico da Contee, José Geraldo de Santana Oliveira, propõe um produtivo debate sobre o processo do trabalho, a fim de fortalecer nossa luta sindical. Confira!
Por José Geraldo de Santana Oliveira*
“Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo.
E examinai, sobretudo, o que parece habitual.
Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural nada deve parecer impossível de mudar.”
(Bertolt Brecht)
Esta epígrafe representa uma inesquecível lição de vida que nos foi legada pelo poeta e romancista alemão Bertolt Brecht, profundo conhecedor da alma humana e das mazelas da luta ferrenha e sem trégua do capital contra o trabalho.
Os ensinamentos nela contidos tinham, para o poeta que os teceu, o significado de esperança, de possibilidade de construção de uma nova realidade social, da qual ele era um grande entusiasta e um defensor incansável; mas, também, de alerta, para a enganosa aparência dos atos e fatos, que, muitas vezes, se nos apresentam como singelos, nas próprias palavras dele, mas que, na realidade, são por demais complexos, ou vice-versa. O certo é que o poeta nos orientava a estarmos sempre alertas e vigilantes e a não subestimar ou superestimar nenhum ato ou fato; e, muito menos, nos esmorecermos ante as dificuldades, pois, como ensinou o grande romancista mineiro Guimarães Rosa, o que a vida quer de nós é coragem, uma vez que viver é muito perigoso.
Na minha militância sindical, prestes a completar oito lustros, aprendi e aprendo, a cada dia, quão valiosos são os ensinamentos de Brecht e de Guimarães Rosa, sobretudo quanto aos processos trabalhistas, que, segundo a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), primam pela simplicidade e até pela informalidade, podendo, inclusive, ser iniciados verbalmente (Arts. 839 e seguintes), por meio do que se convencionou chamar de atermação, neologismo que significa reduzir a termo.
Quem se deixa levar por essa enganosa aparência de informalidade e de que basta pedir para conseguir o direito postulado tem, pelo menos, meio caminho andado rumo ao fracasso.
É fato que o processo trabalhista não se sujeita à quase sacralização da formalidade que rege o processo civil; aliás, para ele, esta é nociva e rechaçada. No entanto, o(a) advogado(a) zeloso e cioso de suas responsabilidades não embarca na onda da aparente informalidade e de que tudo é válido e aproveitável, pois a realidade é bem distinta da aparência.
Refletindo sobre isto, ao longo das últimas décadas, e constantemente me deparando com sérias e, não raras vezes, intransponíveis dificuldades processuais, minhas, de colegas e até de pessoas que não conheço, que me procuram para discutir o que fazer, e que decorrem de falta de fundamentação adequada, de cuidados e de providências elementares, foi que resolvi fazer estas anotações, com intuito de mais bem me preparar e compartilhar com colegas que porventura sofram as mesmas agruras que eu.
Antes de mais nada, chamo a minha atenção e a de todos quantos se derem ao trabalho de ler estas anotações para a dura e inquestionável certeza de que o fazer da e na Justiça é um aprendizado cotidiano; quem se descuidar dele perderá o bonde da história; e quem se arvorar da condição de profundo conhecedor dele correrá o risco de ver-se superado em curto período de tempo.
Aqui, vale, com toda a sua sabedoria e dimensão, a emblemática lição do jagunço Riobaldo, personagem principal do magistral romance de Guimarães Rosa, “Grande Sertão: Veredas”, segundo a qual mestre não é quem sempre ensina, mas quem, de repente, aprende.
Pois, para o nosso bem e das entidades sindicais que nos confiam as suas justas e sentidas demandas judiciais e administrativas, sejamos todos mestres, sob a ótica de Riobaldo, ou seja, vamos aprender a fazer.
Segunda tarefa: cada ação, cada processo, por simples que se aparente, deve ser objeto prévio de reflexão, estudo e, principalmente, compartilhamento com outros(as) colegas e com as respectivas diretorias sindicais. Não nos esqueçamos, jamais: o direito não tolera a solidão. Ao contrário, exige debate; não sem razão, já se dizia, na Grécia antiga: a guerra (palavra masculina, em grego) – que significa debate – é o pai de tudo.
Terceira tarefa: nunca devemos dizer àqueles(as) que confiam em nosso trabalho que a sua vitória judicial é certa, pois quem julga é a Justiça, não somos nós; devemos, sim, mostrar-lhes as perspectivas de êxito, com todos os seus porquês. Ao reverso, a não ser nos casos prescritos ou flagrantemente impossíveis, também não devemos dizer-lhes que não há perspectivas de êxito, mesmo se tratando de matéria nova e/ou de alta indagação, como se costuma falar, em linguagem jurídica, sobre causas complexas.
Quarta tarefa: temos o dever de abraçar as causas que aceitarmos, com todo afinco, zelo e crença no seu sucesso, pois, do contrário, seremos meros despachantes, a quem pouco importa o desfecho e o destino da encomenda. Advogado(a) que não abraça a causa que patrocina como sua, que não age como parte, sob o pretexto de que o seu trabalho é técnico, não acredita no que faz e não tem compromisso social. Devemos sempre agir como agiam os samurais, que davam a vida por quem os contratava para defendê-lo. Afinal, na vida, não há neutralidade; nela, cada um tem o seu lado; advogado(a), igualmente.
Quinta tarefa: probidade, boa-fé, lhaneza no trato com a parte adversária, com os juízes e com quem se envolva no processo são obrigações inarredáveis. Em tempo algum podemos compactuar com a litigância de má-fé, com lides temerárias (sem fundamentos), com as chamadas chicanas jurídicas (trapaças processuais) e com a incivilidade, consubstanciada em atos grosseiros, sorrateiros, de desrespeito e de desqualificação da parte adversa. Somos respeitados, ou não, pelo nosso cotidiano, marcado pela honestidade e civilidade e não por bravatas e/ou destemperos verbais, que só nos apequenam. A vida me ensinou que toda arrogância tem como causa a insegurança e a falta de razão.
Aqui, transcrevo uma preciosa lição que nos é dada pelo falecido juiz carioca Eliézer Rosa – de quem gosto muito – no seu livro “A voz da toga: “Em processo, ninguém improvisa; ou sabe, ou não sabe… As palavras vestem pensamentos. Escolha-as como escolhe a roupa que há de se apresentar no seu gabinete de trabalho.
O processo: passo a passo
Por primeiro, devemos analisar com cuidados as matérias que se nos apresentam, para definirmos o que e como fazer.
As ações de iniciativa do sindicato, que podem ser coletivas ou mesmo de interesse de um só trabalhador, devem sempre se constituir em prioridades. As ações individuais devem ser exceções, para casos especialíssimos.
As ações de iniciativa do sindicato não comportam nenhum inconveniente, apenas convenientes: podem ser ajuizadas preventivamente ou no momento em que a lesão ao direito acontece, e/ou toda vez que o sindicato pretender abraçar tese nova, enquanto a individual, via de regra, não é ajuizada durante a vigência do contrato; por isso é que se diz que a Justiça do Trabalho é dos desempregados, ou, na melhor das hipóteses, dos ex-empregados; o sindicato não sofre pressão capaz de sujeitá-lo a acordos vis, o que é regra nas ações individuais; não há risco de decisões díspares para casos idênticos, o que é comum nas individuais.
Frise-se que, nos termos do Art. 8º, inciso III, da Constituição Federal (CF), a ação de iniciativa do sindicato não é uma prerrogativa, mas, sim, uma atribuição inarredável.
Definida a ação a ser proposta, dando-se sempre prioridade às de iniciativa do sindicato, passa-se à elaboração da petição inicial, que é a essência de todos os processos judiciais.
Todo construtor sabe que qualquer edifício ou mesmo casa só se sustenta e tem durabilidade se se assentar em fundação, alicerces, vigas e colunas sólidas e devidamente estruturadas, para resistir às arrumações do terreno e a toda sorte de intempéries. Com o processo trabalhista não é diferente; aquele que almejar processo sólido e capaz de resistir a todos os ataques que normalmente o fustigam, bem como navegar calma e serenamente por todas as instâncias da Justiça, tem de construir a sua estrutura na petição inicial; esta está para o processo como a fundação, os alicerces, as vigas e as colunas estão para um edifício.
O processo trabalhista, já na petição inicial, deve ser preparado para chegar ao Supremo Tribunal Federal (STF), o que lhe é possível, desde que discuta matéria de natureza constitucional. Se, na construção civil, um edifício comporta escora e colunas paralelas, o processo do trabalho, não; a sua sorte, ao longo de toda a sua trajetória, é lançada com o protocolo da petição inicial, após ele, reforço algum lhe será possível.
Dada a sua importância determinante, como se deve estruturar a petição inicial? Esta é a grande questão, ou, em outras palavras, é a pedra de toque de qualquer processo.
A petição inicial deve primar pela densidade e pertinência de sua fundamentação, clareza da narrativa sobre os fatos e os pedidos, pela objetividade e pela prevalência de verbos e substantivos, só se deve usar adjetivos quando estes forem imprescindíveis. A petição prolixa, deselegante e desprovida de fundamentação e de clareza, além de correr o risco de ser declarada inepta e de causar, de plano, a antipatia do julgador, quase sempre interfere negativamente no desfecho do processo.
A espinha dorsal de toda petição processual, que discuta o mérito da matéria em litigio, obrigatoriamente, tem de ser a CF, pois é nela que encontramos os fundamentos, os princípios e as garantias para o êxito de nossos pleitos. A CF está para todo processo judicial como a Bíblia está para o cristão, a Torá para o judeu, e o Corão para muçulmano: é fundamento basilar.
As leis, os decretos, as súmulas e/ou portarias, instruções normativas são instrumentos que utilizamos para dar o acabamento às nossas peças processuais. Porém, muitas vezes, não encontramos nessas normas o direito que buscamos, por se tratar de matéria ainda não discutida judicialmente, sem previsão legal, ou até vedada legalmente, como a desaposentação, por exemplo; em casos tais, ficamos com a CF, e nada mais. O certo que se pode faltar tudo, menos a CF.
Os dispositivos constitucionais obrigatórios nos processos judiciais trabalhistas são, além do direito, dentre os 34 elencados no Art. 7º: a cidadania (Art. 1º, inciso II), a dignidade da pessoa humana (Art. 1º, inciso III), os valores sociais do trabalho (Art. 1º, inciso IV, e 170, caput), a função social da propriedade (Art. 170, inciso III), o primado do trabalho (Art. 193). Se buscamos isonomia salarial, são igualmente obrigatórios: Art. 5º, caput e inciso I); se previdência social, Arts. 193 e seguintes, até o 201.
Devemos sempre nos guiar pelos ensinamentos do saudoso jurista uruguaio Eduardo Couturé, que, nos mandamentos do advogado, afirma, no quarto deles, que o nosso dever é o de lutar pelo Direito. Porém, se encontrarmos este em conflito com a Justiça, devemos ficar com ela e desprezar aquele. Com isso nos deparamos com repetida frequência, posto que o Direito, muitas vezes, agride a justiça, que nos é assegurada pela CF.
O arcabouço da petição inicial, a meu juízo, deve ser o seguinte:
- O juiz a quem ação é endereçada; o preâmbulo, que contém a qualificação das partes e dos procuradores do reclamante; a natureza da ação; e o anúncio do pedido liminar, quando for o caso.
- A legitimidade do sindicato para agir como substituto processual, se for dele a iniciativa da ação.
- Os fatos, descrevendo-se as datas de admissão e demissão e condições de trabalho, quando for o caso; os direitos inobservados e os fundamentos para cobrá-los; a matéria nova para debate, quando for o caso.
- Jurisprudência do Tribunal do Trabalho, ao qual se vincula a vara que receber a ação; de outro regional, ou da SDI1, do TST, para fundamentar possível divergência jurisprudencial, ensejadora de eventual recurso de revista (RR); jurisprudência de uma das oito turmas do TST, para fundamentar, se necessário for, a oposição de embargos para a SDI1; jurisprudência do STF, para futuro recurso extraordinário, se for necessário.
- O rito da ação, ordinário ou sumaríssimo, que envolve as causas com valor de até quarenta salários mínimos (Art. 852-A), que tem audiência única (Art.852-C, da CLT), e somente comporta recurso de revista, quando contrariar a CF, súmula do TST ou do STF (Art. 896, § 6º).
- Os pedidos, que devem ser objetivos e precisos, todos calçados pela fundamentação; ficando claro que pedido sem fundamentação é considerado inexistente.
- O pedido de honorários assistenciais, com base na Súmula 219, do TST.
- O valor da causa, que define o rito processual, o valor das custas e multa por litigância de má-fé ou por protelação; e, agora, a nova moda, que consiste na condenação do reclamante em honorários de sucumbência, quando os pedidos são julgados improcedentes.
Faço um alerta a todos: a atribuição de alto valor à causa pode nos trazer prejuízos de grande monta, pois que se os nossos pedidos forem julgados improcedentes, além da condenação em honorários de sucumbência, citada no item anterior, poderá haver a das custas processuais.
Para demonstrar o risco que o valor da causa oferece, conto-lhes o drama de um colega que me procurou em 2014 com um problema insolúvel, consistente no seguinte: ação coletiva, com pedido de dano moral de 30.000.000,00; o juiz sentenciante alterou o valor que ele deu à causa, fixando este montante, condenando o sindicato às custas processuais de R$ 600.000,00, mas dispensando do seu pagamento, o que é usual.
Porém, a Turma do TRT, num ato inusitado e sem fundamento algum, liminarmente, ou seja, antes de apreciar o mérito, reformou a sentença, no tocante à isenção das custas, para determinar que o valor de R$ 600.000,00 fosse recolhido de imediato, sob pena de o recurso não ser apreciado e de sua execução forçada.
Em resumo, a Justiça decretou a insolvência do sindicato, cujo patrimônio não atinge o montante da condenação.
Por isso, todo o cuidado com o valor da causa é imprescindível. Por um lado, se for inferior a 40 salários mínimos, o rito pode ser sumaríssimo, com as restrições que já mencionei; se for alto, há o risco, para não dizer certeza, de condenação em honorários de sucumbência e de custas se os pedidos forem julgados improcedentes.
A petição inicial deve ser instruída, além do instrumento de mandato e da declaração de assistência sindical (quando se tratar de ação individual), de todas as provas possíveis; com pedido de requisição dos documentos de que dispõe a reclamada, fazendo-o com base no princípio da aptidão da prova.
O instrumento de mandato (procuração) deve ser objetivo, contendo, sempre, os poderes específicos para a propositura da ação, com destaque do objeto, e para que sejam praticados todos os atos processuais até o trâmite final da lide, inclusive, em todos os tribunais e em execução de sentença. As costumeiras ladainhas que engrossam procurações, além de dispensáveis, somente lhes criam embaraços e a falsa crença de que todos poderes necessários estão nelas contidos.
Chamo a atenção dos(as) colegas para o uso de expressões latinas, que não é recomendável, a não ser que o peticionante conheça essa língua, infelizmente, morta, e que as traduza; para a impropriedade contida no requerimento de procedência da ação, que é direito constitucional público subjetivo, Art. 5º, inciso XXXIV, alínea ‘a’, o correto é requerer a procedência dos pedidos e não da ação; e, por último, chamo-lhes atenção para a impropriedade, que soa como desconhecimento de normas processuais, do requerimento de autorização de todas as provas em direito admitido; em minhas petições, requeiro autorização para que sejam produzidas as provas que se fizerem necessárias no curso da instrução.
Tenho por hábito submeter as minhas petições ao conhecimento prévio e à leitura analítica dos titulares da ação, bem como de pedir-lhes que as assinem comigo; só não faço esse pedido quando se tratam de petições interlocutórias, que não discutam mérito.
Quando as ações demandam prova oral, oriento os reclamantes ou os prepostos (quando a ação é por substituição processual) sempre a dizerem a verdade, nada mais que ela; bem assim, a responderem somente ao que lhes for perguntado, e, ainda, a pautarem as suas respostas pelo uso de verbo e substantivos, não usando adjetivos, exceto quando forem imprescindíveis.
Uma ação que dependa de prova oral pode ter os seus pedidos julgados improcedentes com base em depoimentos mal feitos, marcados pela falta de informações necessárias e/ou porque a testemunha falou demais.
Somente faço questão de tomar o depoimento de preposto de empresa quando isso for absolutamente necessário; normalmente, os prepostos são assíduos frequentadores da Justiça e sabedores do que pode embaraçá-los ou fazer prova contrária a quem representam. Por isso, toda cautela é pouca.
Não gosto de concordar com o encerramento de instrução processual sem antes conhecer a contestação e os documentos que a instruem, mesmo que as matérias discutidas sejam simples e/ou em tese, dispensem a produção de oral ou requerimentos de apresentação de outros documentos. Assim ajo porque, uma vez encerrada a instrução, somente documento novo pode ser levado aos autos, conforme os Arts. 396 e 397 do Código de Processo Civil (CPC), supletivamente aplicados ao processo do trabalho por força do 769 da CLT.
Havendo instrução processual, com a produção de prova oral, que considero o momento mais tenso, conturbado e enigmático, recomendo aos(às) colegas que se preocupem em provar aquilo que efetivamente for ponto controvertido da lide, que só pode ser aclarado por este meio desta prova. E mais: que optem pelas testemunhas que tenham conhecimento próprio do(s) fato(s) a ser provado, dispensando as demais; bem assim, que ouçam apenas o número necessário, sob pena de uma pôr a perder o que outra confirmou.
Igual comportamento recomendo quanto às testemunhas do(a) reclamado(a), acrescendo a recomendação que a elas não devam ser formuladas perguntas óbvias, passíveis de serem decoradas nos treinamentos que, via de regra, os advogados das empresas fazem. As perguntas devem ser objetivas e limitadas ao núcleo da controvérsia.
Nos casos em que forem dadas vistas para a manifestação sobre contestação e documentos que a instruem, recomendo aos(às) colegas que não as deixem passar em branco. Porém, a manifestação quanto à contestação tem de se cingir ao rebate das controvérsias que ela suscita, e nada mais. No entanto, sem deixar nenhum sem rebate.
No tocante aos documentos, recomendo-lhes que, se for o caso, impugnem um a um, de maneira específica, não se contentando jamais com impugnação genérica, que representa uma roleta russa no processo.
Publicada a sentença, recomendo-lhes que ela seja analisada em cotejo com a fundamentação e os pedidos da petição inicial, um por um; opondo-lhe embargos apenas e tão somente se forem imperiosos, ou seja, quando efetivamente haja nela omissão, contradição e obscuridade, nos estritos limites do Art. 535 do CPC, e 897-A da CLT.
O pedido, devidamente fundamentado na petição inicial, que não for objeto de pronunciamento da sentença, necessariamente, tem de ser embargado, sob pena de preclusão temporal e consumativa, ou seja, não sendo embargado, dele não conhecerá o tribunal.
Os embargos devem ser objetivos e sucintos, sem ataque algum à sentença embargada, limitando-se aos pontos que os ensejam; a impugnação de mérito tem de ser feita em recurso próprio: ordinário de que trata o Art. 895 da CLT.
Recomendo aos(às) colegas que as peças recursais sejam sempre impessoais, voltadas somente para as decisões impugnadas, com referências aos órgãos julgadores, nunca aos magistrados que as proferem. Igualmente, que sejam dispensadas as manifestações de bajulações, que, normalmente, são subliminarmente agressivas, como por exemplo: em que pesem o brilho e o saber jurídico do julgador, a decisão é isto aquilo ou aquilo outro.
Recomendo-lhes, ainda, que em tempo algum chamem o juízo de douto, pois que douto é o juiz, quando o é, nunca o órgão julgador. Prefiro usar as expressões, se necessárias se fizerem, ilustrado juízo e ilustre magistrado.
O recurso ordinário (RO), autorizado pelo Art. 895 da CLT, obrigatoriamente, assenta-se nas bases da petição inicial, não havendo nenhuma possibilidade processual de se alterá-las, sob pena de qualquer alteração que lhe for introduzida ser considerada como inovação à lide. Esse recurso representa o segundo piso da estrutura já construída, que é a petição inicial. Daí a impossibilidade de ele alterá-la.
O RO deve atacar apenas os pontos da sentença de mérito, e de embargos, se for o caso, que reclamar reformas. Além disto, deve ser recheado de jurisprudências divergentes, sobre cada ponto específico, sempre que for possível.
O recomendável é que o RO contenha jurisprudência do tribunal que tiver competência para dele conhecer, para demonstrar que a matéria não lhe é nova e que sobre ela posicionou-se no mesmo sentido ora postulado de outro tribunal, sobre o mesmo tema, para fundamentar eventual divergência jurisprudencial, que autoriza o conhecimento de recurso de revista (RR), conforme o Art. 896, alínea ‘a’; da SDI1 ou SDI2, com igual finalidade; de turmas do tribunal superior, para embasar o recurso de embargos para uma das seções do TST; e do STF, para estruturar futuro recurso extraordinário (RE), caso haja matéria constitucional em discussão.
Há imperiosa necessidade de atentarmos para os casos de condenação de nosso constituinte, em custas e/ou honorários sucumbenciais; caso haja, obrigatoriamente, têm de ser recolhidos, antes do aviamento do recurso.
Ao ensejo, chamo a atenção dos(as) colegas para o chamado depósito recursal, que só é exigível da parte sucumbente; da vencedora, por óbvio, não.
Vez por outra, deparo-me com mensagem eletrônica de colegas aos seus constituintes, sobre os quais não recai condenação alguma, informando-lhes que tem de promover o depósito recursal para recorrer do pedido que foi julgado improcedente. Isso não faz sentido nem possui base jurídica. A finalidade de depósito recursal, consoante à jurisprudência do TST, visa a garantir a execução das decisões de todas as instâncias da Justiça do Trabalho quanto às verbas de natureza alimentar.
Recomendo aos(às) colegas que, um dia antes do julgamento dos recursos que patrocinem, apresentem memoriais ao processo e aos gabinetes de todos os integrantes da turma ou seção que os julgarão.
Os memoriais não se prestam a repetir o que está no recurso, mas, sim, a uma breve síntese dos pontos controvertidos, inclusive, com alguma jurisprudência nova, que sirva de paradigma para as teses nele defendidas; caso haja, é claro.
A sustentação oral, no âmbito da Justiça do Trabalho, quase nunca possui efeito prático, pois que os julgadores, quando chegam à seção de julgamento, já discutiram o voto proferido, em cada processo. Tanto isso é verdadeiro que a palavra, muito embora seja franqueada aos advogados das duas partes, efetivamente, é concedida ao que representa a parte vencida, posto que, em todos os tribunais, a decisão é previamente anunciada, cabendo ao advogado decidir se sustenta a sua tese ou não.
A sustentação oral, a rigor, só é válida, para eventual esclarecimento processual; quando há divergência de entendimento entre os julgadores; para que os advogados e suas teses sejam conhecidos por aqueles; ou, ainda, para que se suscite incidente de uniformização de jurisprudência (IUJ), que é cabível quando há divergência de entendimento sobre a mesma matéria, entre as turmas que compõem o tribunal.
Frise-se, desde logo, que o IUJ pode, também, ser suscitado, como preliminar de RR, no âmbito dos tribunais regionais, e, por meio de embargos, à SDI1 ou SDI2, conforme o caso.
Chamo a atenção dos(as) colegas para o conteúdo da sustentação oral, que deve ser sintética e objetiva, com enfoque nos pontos controvertidos, de preferência, se for possível, com a comparação jurisprudencial. Sustentação oral não é palco para discursos, mas, tão somente, para sintética defesa de tese.
A terceira fase do processo trabalhista e mais tormentosa é a do RR para o TST. Primeiro, porque esse tribunal não é a terceira instância da Justiça do Trabalho, no sentido que comumente se imagina, ou seja, a quem cabe reexaminar o que foi decidido por uma vara do trabalho e, posteriormente, por um tribunal regional, dentre os 24 existentes.
O TST, consoante dispõe o Art. 896 da CLT, com a redação dada pela Lei N. 13015/2014, é, isto sim, a instância uniformizadora da jurisprudência trabalhista, a quem compete uniformizar as decisões divergentes dos 24 regionais e/ou daquelas que contrariem a sua própria jurisprudência, notadamente a que se expressa em súmulas e orientações jurisprudenciais (OJ); bem assim, primeiro guardião da lei e da CF, dando aos processos que as violam interpretações conforme os seus ditames.
A Súmula N. 126 do TST, baixada com fundamento no Art. 896, proíbe o reexame de fatos e provas. Decorre daí a imensa dificuldade de se fazer subir a esse tribunal qualquer RR.
Como preparar RR:
Nos termos da Súmula N. 297 do TST, toda matéria discutida em RR tem de ser pré-questionada. Isto é, sobre ela, o tribunal regional tem de se manifestar ou, expressamente, recusar-se a fazê-lo, sob pena de esee recurso não ser sequer recebido. Por isso, a importância e a relevância de se dar à petição inicial todos os contornos processuais cabíveis e necessários para o presente e o futuro.
Se o TRT se omitir sobre a matéria pré-questionada, para dar esperança ao RR, temos de opor embargos de declaração com essa finalidade. No entanto, correndo o necessário risco de condenação por ‘protelação’ do andamento do feito, como se isso interessasse a qualquer reclamante. Mas, por mais absurda que seja tal condenação, e, indiscutivelmente, o é, ela está tarifada em todas as instâncias da Justiça do Trabalho.
Garantido o pré-questionamento, precisamos pesquisar na jurisprudência do TRT que atuamos para sabermos se há decisões diferentes, em suas turmas, sobre a matéria que será objeto de RR. Caso haja em preliminar desse, temos de requerer o IUG, ou seja, que a sua jurisprudência seja uniformizada. Se não o fizermos, desde logo, a parte reclamada poderá fazê-lo, bem como o TST, o que representará, isto sim, protelação do feito.
Caracterizado o IUG, o TRT, antes de encaminhar o processo ao TST, terá de uniformizar a sua jurisprudência, o que poderá mudar radicalmente os rumos da lide: o que fora julgado procedente poderá se tornar improcedente e vice-versa. Em outras palavras: tanto poderá nos ser benéfico como maléfico, depende da decisão. Todavia, insisto, esse risco é inafastável.
Quanto ao mérito do RR, temos de demonstrar, de maneira cabal, que a decisão recorrida viola a CF ou a lei; ou está em desacordo com a jurisprudência do TST, ou com súmula vinculante do STF; ou, que outro TRT decidiu a mesma matéria de modo divergente. Sem isso, de nada nos adiantarão robustos arrazoados, o RR não será sequer admitido.
Na petição de RR, temos de fazer o cotejo (comparação) específico entre a decisão recorrida com a CF ou a lei; com a jurisprudência do TST ou do STF, quando for o caso; ou, com a decisão regional que caracteriza a divergência jurisprudencial, se for esse o fundamento.
O referido cotejo específico deve ser entendido como a comparação linha por linha, que necessariamente devem ser confrontadas na petição de RR. Como bem diz um juiz do Trabalho do TRT da 18ª Região, com quem fiz curso de RR, este é, a toda evidência, recurso de retalhos. A petição de RR que não observar essa característica, corre sério risco, para não dizer absoluto, de não ser admitida.
Além desse cuidado, o chamado repositório da jurisprudência divergente (fonte de publicação), obrigatoriamente, tem de ser citada, com detalhes, na petição de RR, sob pena de não conhecimento dele.
Mais dois alertas importantes: a) a divergência jurisprudencial tem de ser atual e não superada pelo TST, sob pena de ser inservível; b) divergência com decisão de uma das oito turmas do TST não se presta para fundamentar RR; para esse mister, tem de ser da SDI1, ou então, como já dito, de outro TRT.
Se o RR for trancado, ou seja, o TRT negar-lhe seguimento, o que é quase regra, o remédio para destrancá-lo, sabemos, é o agravo de instrumento (AI). Mas, para que este obtenha êxito, não basta renovarmos os argumentos já expendidos no RR. Para além e antes disto, temos de demonstrar, com fundamentos sólidos, que o despacho que trancou o RR não pode prosperar. Sem isso, o AI será indeferido, de plano, pelo ministro relator.
Vale ressaltar que os argumentos expendidos no RR devem ser repetidos no AI, após a demonstração de que o despacho que o trancou não pode prosperar. Assim o é porque, se o AI cumprir o seu desígnio, isto é, destrancar o RR, o ministro relator passará, ato contínuo, à análise do mérito deste.
Se o AI for rejeitado pelo ministro relator, em despacho monocrático, o recurso cabível é o agravo regimental, para a respectiva turma, no prazo de cinco dias. Se for esta, o único recurso possível é o RE, se o processo contiver matéria constitucional.
Se a turma conhecer do RR, mas lhe negar provimento, o recurso cabível é o de embargos, para a SDI1, no prazo de oito dias. Mas, para tanto, temos de demonstrar divergência jurisprudencial sobre a matéria em debate entre a turma julgadora e uma das outras sete. Caso contrário, nada feito, restando-nos somente, se cabível for, o RE.
Quero finalizar essas singelas palavras, dizendo aos(às) colegas que, com elas, tenho como única pretensão convidá-los(as) para amplo debate sobre o processo do trabalho, fazendo-o de forma compartilhada, no âmbito da Contee; pois que, como afirmei ao início delas, Direito não comporta solidão; sem diálogo largo e profícuo, morre asfixiado.
*José Geraldo de Santana Oliveira é consultor jurídico da Contee