O legado de Vladimir Herzog reafirma o compromisso com a democracia e a justiça
Cinco décadas após o assassinato do jornalista Vladimir Herzog, a Catedral da Sé, em São Paulo, voltou a ser o centro de um ato inter-religioso histórico neste sábado (25), reunindo centenas de pessoas em defesa da democracia e da verdade histórica. O evento, organizado pela Comissão Arns e pelo Instituto Vladimir Herzog (IVH), recriou a cerimônia de 1975, conduzida por Dom Paulo Evaristo Arns, Henry Sobel e Jaime Wright, que marcou o início da resistência pública ao regime militar.
Entre religiosos, familiares, artistas, jornalistas e autoridades, o ato reafirmou a importância da memória e da justiça de transição. A cerimônia contou com a presença do presidente em exercício, Geraldo Alckmin, que ressaltou: “A morte de Vladimir Herzog foi o resultado do extremismo do Estado, que, em vez de proteger os cidadãos, os perseguia e matava. Por isso, é essencial fortalecer a democracia, a justiça e a liberdade.”
Em seu discurso, Ivo Herzog, filho do jornalista e presidente do IVH, destacou a importância simbólica da presença do Estado brasileiro no ato:
“Há 50 anos, quando mais de 8 mil pessoas vieram a essa catedral demonstrar sua indignação contra a barbárie cometida contra o meu pai, havia muito medo. Havia dezenas de atiradores de prontidão aguardando qualquer desordem para justificar um massacre. Hoje, na pessoa do presidente Geraldo Alckmin, nós temos o Estado de mãos dadas conosco, reafirmando o compromisso com a democracia, com a justiça e com os direitos humanos.”
Ivo também criticou o uso político da Lei da Anistia pela extrema-direita e sua tentativa de aplicá-la aos acusados de coordenar os atos golpistas de 8 de janeiro de 2023.
“Anistia é perdão. A de 1979 já foi uma aberração, pois o regime nunca reconheceu que cometeu crimes. E agora tentam repetir o mesmo com os golpistas que não admitem culpa”, declarou.
O filho de Herzog voltou a cobrar o julgamento da ADPF 320, ação que questiona a interpretação da Lei da Anistia pelo Supremo Tribunal Federal. Segundo ele, “a abstenção em pautar o tema é cumplicidade com a impunidade.”
Um ponto marcante do ato veio com o pronunciamento da ministra Maria Elizabeth Rocha, presidente do Superior Tribunal Militar (STM). Em um gesto inédito, ela pediu perdão em nome da Justiça Militar da União pelas omissões e erros cometidos durante a ditadura. “Eu peço perdão a Vladimir Herzog e sua família. A Paulo Ribeiro Bastos e a minha família. A Rubens Paiva e à Miriam Leitão e seus filhos. A José Dirceu. A Aldo Arantes. A José Genoino e Paulo Vannuchi. A João Vicente Goulart e a tantos outros homens e mulheres que sofreram com as torturas, as mortes, os desaparecimentos forçados e o exílio. Eu peço, enfim, perdão à sociedade brasileira e à história do país”, afirmou a ministra, defendendo que crimes de tortura e desaparecimento forçado são de lesa-humanidade, imprescritíveis e não passíveis de anistia.

O jornalista Juca Kfouri, presente no ato, chamou atenção para a importância de preservar o legado de Vladimir Herzog e transmiti-lo às novas gerações. “É fundamental que o jovem jornalista saiba quem foi o Vlado, conheça sua luta não apenas pela democracia, mas pela excelência da profissão. Os jornalistas precisam abraçar essa causa e não deixar o verdadeiro jornalismo morrer”, afirmou.
Antes do ato, jornalistas caminharam do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de São Paulo (SJPSP) até a Sé, refazendo o percurso simbólico de 1975. O presidente do sindicato, Thiago Tanji, ressaltou que aquele foi “o primeiro grande protesto público contra a ditadura após o AI-5” e lembrou que “as pessoas que torturaram, assassinaram o Vladimir Herzog, não foram condenadas, não foram investigadas, então a nossa luta contra impunidade é sobre o passado, mas também no presente, contra os golpistas do passado e do presente.”
A cerimônia foi conduzida por Dom Odilo Pedro Scherer, pela reverenda Anita Wright, filha do pastor Jaime Wright, e pelo rabino Uri Lam. O Coro Luther King abriu o ato e encerrou a noite com a canção “Cálice”, de Chico Buarque e Gilberto Gil.
A atriz Fernanda Montenegro deu voz à carta de Zora Herzog, mãe de Vladimir, lida originalmente em 1978, em homenagem ao juiz Márcio José de Moraes, que reconheceu oficialmente a responsabilidade do Estado pela morte do jornalista.
O ato na Catedral da Sé reafirmou um compromisso histórico: o de não permitir que o esquecimento se sobreponha à verdade. Meio século depois, a memória de Vladimir Herzog permanece como símbolo de resistência, coragem e responsabilidade coletiva diante de qualquer forma de autoritarismo.
Por Antônia Rangel





