Por uma educação verdadeiramente democrática: Lutas e bandeiras dos trabalhadores em educação do setor privado
“Não há como pensar num projeto democrático de educação sem ter a garantia de dois pontos primordiais: de um lado, o fortalecimento da educação pública, democrática e de qualidade e, de outro, a regulamentação da educação privada, com a exigência do cumprimento do papel do Estado no controle, regulação, credenciamento e avaliação da educação, com as devidas referências sociais.” Essa é a consideração enviada pela Contee para a Internacional da Educação na América Latina (Ieal) no texto-contribuição da Confederação para o “II Encuentro: Hacia un Movimiento Pedagógico Latinoamericano”, que acontece na próxima semana, entre os dias 19 e 21 de setembro, em Recife (PE).
No documento, a Contee faz uma reflexão sobre essas duas vias, cuja integração é que pode assegurar de fato a construção da educação como direito e bem público, de responsabilidade do Estado. Para isso, a entidade elaborou uma análise de alguns aspectos da atual conjuntura educacional brasileira sob quatro óticas: o PNE e a defesa da escola pública; o SNE, o Insaes e a regulamentação da educação privada; a valorização profissional dos trabalhadores em educação do setor privado; e a concepção de escola e de educação.
Além de ter sido enviado, em espanhol, para a Ieal nesta semana, o documento será apresentado do encontro em Recife, do qual participarão os diretores da Contee Adércia Bezerra Hostin (Secretaria de Assuntos Educacionais), Cássio Galvão Bessa (Secretaria-Geral), Maria Clotilde Lemos Petta (Secretaria de Políticas Internacionais), Nara Teixeira de Souza (Secretaria de Assuntos Institucionais) e Rita Fraga (Secretaria de Gênero e Etnia). Antes do encontro, Rita Fraga ainda participará de reunião da “Red de Mujeres”.
Leia abaixo o texto-contribuição enviado pela Contee:
Por uma educação verdadeiramente democrática: Lutas e bandeiras dos trabalhadores em educação do setor privado
Não há como pensar num projeto democrático de educação sem ter a garantia de dois pontos primordiais: de um lado, o fortalecimento da educação pública, democrática e de qualidade e, de outro, a regulamentação da educação privada, com a exigência do cumprimento do papel do Estado no controle, regulação, credenciamento e avaliação da educação, com as devidas referências sociais. Só por essas duas vias, integradas, pode-se assegurar de fato a construção da educação como direito e bem público, de responsabilidade do Estado (uma das principais bandeiras da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino – Contee e de todos os professores e técnicos administrativos de sua base, que atuam no setor privado). Portanto, só há como falar em projeto democrático de educação, no Brasil, se houver a garantia desses dois aspectos, o que hoje, infelizmente, ainda não acontece. Isso só se dará com o estabelecimento de um Sistema Nacional de Educação (SNE).
No Brasil, a educação privada nunca representou de fato uma opção democrática, uma vez que, na realidade, o setor privado disputa – espaço e verbas – com o projeto de fortalecimento da educação pública e gratuita. A universalização da educação pública e gratuita de qualidade sempre enfrentou – e continua enfrentando – obstáculos para se desenvolver, tanto em função de uma burguesia que não assumiu um projeto público e universal de educação gratuita quanto pela ação e força política que as instituições e interesses privados mantiveram durante a história da educação brasileira.
Na medida em que há demanda pelo ensino superior e na medida em que o sistema público não atende a procura, abre-se o campo para ser ocupado pela iniciativa privada. Nesse sentido, boa parte da expansão do ensino privado no Brasil se deu por omissão do Estado, seja na esfera federal, seja na estadual, o que é visível, sobretudo, na educação superior, que sofre, desde 2005, com a abertura do capital de empresas de educação na bolsa de valores, num crescente processo de financeirização e desnacionalização.
É nessas duas vertentes – defesa da escola pública e regulamentação do ensino privado – que nossa categoria tem atuado, de maneira integrada. No Congresso Nacional, vários desafios têm sido enfrentados, a começar pelo novo Plano Nacional de Educação (PNE) cujo texto original enviado ao Legislativo não contemplou questões concernentes à regulamentação da educação privada ou à criação do Sistema Nacional de Educação, que haviam sido definidas e deliberadas na primeira Conferência Nacional de Educação (Conae), realizada em 2010.
A despeito de o texto do PNE não ter incorporado todas as deliberações da Conae 2010, a segunda Conferência Nacional, que será realizada em 2014 com o tema “O PNE na articulação do Sistema Nacional de Educação: participação popular, cooperação federativa e regime de colaboração”, será um espaço primordial para que se possa avançar nesses temas de interesse dos trabalhadores do ensino privado. Nas etapas preparatórias da Conferência, que têm acontecido no âmbito dos estados e municípios, representantes dos trabalhadores da educação privada estão apresentando e defendendo as emendas da categoria em defesa da regulamentação da educação privado e dos direitos de seus trabalhadores.
Esse debate é fundamental para o avanço da luta por uma educação verdadeiramente democrática, inclusive no combate à financeirização e desnacionalização do ensino. É preciso desmantelar a formação de oligopólios cuja lógica é contrária às funções que devem ser preenchidas pelos estabelecimentos de ensino. Assim, passa pelo Sistema Nacional de Educação a saída para que os estabelecimentos privados de ensino sejam – como deveriam ser – uma opção democrática de escola, e não a alternativa oferecida e custeada pelo Estado que não cumpre o direito assegurado na Constituição.
O PNE e a defesa da escola pública
Em relação à primeira vertente aqui mencionada – a defesa da escola pública –, é necessário ressaltar o papel fundamental da luta pelo Plano Nacional de Educação. Embora, ao ser enviado para o Congresso Nacional, em dezembro de 2010, o projeto do novo PNE brasileiro já não atendesse demandas e discussões fundamentais feitas pela primeira Conae, realizada no mesmo ano, após trabalho político intenso e determinado feito pelas entidades que defendem a educação, entre as quais a Contee, o projeto aprovado pela Câmara dos Deputados no ano passado se aproximou mais das deliberações e preocupações expressas na Conferência no que tange à defesa da educação pública, gratuita e de qualidade socialmente referenciada.
Um exemplo disso foi a exigência de ampliação do investimento público em educação pública de forma a atingir, no mínimo, o patamar de 7% do Produto Interno Bruto (PIB) do país no quinto ano de vigência do plano e, no mínimo, o equivalente a 10% ao final do decênio. Esse percentual de investimento foi calculado com base no que foi aplicado em países que superaram ou estão superando atrasos educacionais históricos. Para chegar a esse valor, foi levado em consideração o percentual de 25% a 30% da renda per capita produzida no país para manter um aluno da rede básica e 60% no caso do ensino superior.
No entanto, em sua primeira prova de fogo no Senado, na votação da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), ainda que o relatório inicial do senador José Pimentel (PT-CE), o qual trazia enormes prejuízos, tenha sofrido algumas alterações, o PNE continuou sendo desfigurado em sua função primeira de assegurar investimentos na qualidade da educação pública e manteve problemas muito significativos que visam exclusivamente a beneficiar os interesses do setor privado.
A despeito de restabelecer a meta intermediária de investimentos no prazo de cinco anos – o que teria sido catastrófico por eliminar as possibilidades de investimento imediato e os mecanismos de controle social das aplicações de recursos –, o projeto substitutivo final que segue para as comissões de Constituição e Justiça e de Educação manteve a supressão da exigência de que os investimentos públicos sejam feitos exclusivamente em educação pública, o que oficializa as portas abertas para o repasse de verba pública para a iniciativa privada.
O mesmo acontece com as modificações aprovadas nas metas 11 e 12 do PNE, cujo texto final do substitutivo manteve a troca da ampliação da oferta de vagas públicas por vagas gratuitas, o que, longe de ser meramente uma questão semântica, representa uma opção deliberada pela expansão do ensino superior e do ensino técnico e profissionalizante via setor privado, por meio de programas como o Universidade para Todos (ProUni), o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) e o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies). Tais programas deveriam ser políticas de governo emergenciais e transitórias, e não políticas de Estado oficializadas no Plano Nacional de Educação. Contudo, programas como ProUni, Fies e Pronatec somente serão transitórios se tivermos empenho político e verbas suficientes para ampliar a oferta dos ensinos superior, técnico e profissionalizante públicos, o que não é verificado no projeto substitutivo do PNE. Pelo contrário, as alterações implicam um plano de educação que abre mão da responsabilidade da União e concentra-se em apoiar o avanço mercantil/privatista. Medidas emergenciais e transitórias podem ser – e são – justificáveis, mas não podem ser transformadas em políticas de Estado substitutas da expansão e do investimento na qualidade da educação pública.
Realizar a expansão do acesso ao ensino pela via privada corresponde inclusive a um desrespeito à sociedade, representada na Conae/2010, a qual expressou “a garantia do direito à educação e, particularmente, à educação superior certamente implicará a ação permanente do Estado, diante das evidências concretas dos limites ao crescimento do número de estudantes no setor privado impostos pela renda per capita brasileira e pela enorme desigualdade social em nosso país, já que pouco mais de 10% da população possuem cerca de 50% da riqueza nacional, enquanto 50% dos/das mais pobres detêm, apenas, 10% dessa riqueza”. Ainda conforme o documento final da Conae, “o elevado percentual de vagas não preenchidas e, também, as altas taxas de inadimplência evidenciam o esgotamento da expansão pela via do setor privado”.
Outro prejuízo, ainda que o substitutivo do PNE tenha tentado amenizá-lo estabelecendo um prazo de vigência até 2016, é a manutenção, na meta 4 do PNE, do repasse de verbas do Fundeb para instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos, conveniadas com o poder público, que prestem atendimento escolar aos estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação. É preciso frisar que, no Brasil, existem apenas dois segmentos na educação: o público e o privado. Instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas não são instituições públicas e não podem, portanto, ser tratadas, de forma absurda, como tal. Precisam, antes sim, ser regulamentadas sob exigências idênticas às aplicadas à educação pública, incluindo plano de carreira para os trabalhadores e gestão democrática e transparente.
Pelas alterações aprovadas, fica evidente que as negociações foram feitas de modo a fortalecer o setor privado. A correlação de forças é desfavorável ao fortalecimento da educação pública e os acordos que estão sendo costurados somente prejudicam a luta para colocar a educação pública como estratégica para o desenvolvimento da nação.
Além disso, como já demonstraram reportagens veiculadas na imprensa nacional, recursos públicos têm servido ao fortalecimento de empresas de capital aberto para a obtenção de lucros com o oferecimento de cursos superiores de curta duração e de péssima qualidade. O mesmo ocorre com a formação profissional, na qual, inclusive, professores são chamados de “instrutores” como forma de o setor privado driblar a legislação trabalhista e precarizar o trabalho.
Garantir a qualidade da educação pública e gratuita não passa apenas pelo seu financiamento nem tampouco o PNE versa sobre essa questão somente. No entanto, é fundamental que os investimentos públicos sejam aplicados exclusivamente na educação pública e que a expansão de vagas, que traga consigo um projeto pedagógico e ideológico de soberania nacional, também seja feita prioritariamente via escola pública. Nesse sentido, a aprovação, pela Câmara dos Deputados em agosto deste ano, da destinação de 75% dos royalties do petróleo para a educação pública e de 50% do Fundo Social do pré-sal – pela qual a Contee batalhou juntamente com as demais entidades ligadas à educação no Brasil – já representou um avanço, uma vez que assegurou que a verba oriunda da exploração da riqueza natural seja necessariamente aplicada no fortalecimento da educação pública.
Apesar disso, é imprescindível assegurar essa questão também no PNE, revertendo, nas demais comissões do Senado e no plenário da Casa, as desfigurações na proposta feitas pelos senadores da Comissão de Assuntos Econômicos. A Contee, enquanto representante de quase 1 milhão de professores e técnicos administrativos que atuam no setor privado, defende a necessidade de um PNE que assegure uma educação pública e gratuita com as devidas referências sociais. Esta, inclusive, não é uma luta apenas da categoria de professores e técnicos administrativos, mas de todos os trabalhadores, porque visa o fim das desigualdades socioeconômicas e a universalização e democratização do direito à educação.
O SNE, o Insaes e a regulamentação da educação privada
A outra vertente para a concretização de um projeto democrático de educação, aqui mencionada, é a regulamentação do setor privado, com a exigência do cumprimento do papel do Estado no controle, regulação, credenciamento e avaliação da educação, com as devidas referências sociais.
Durante o período da Constituinte brasileira, que culminou com a Constituição de 1988, sindicalistas representantes dos trabalhadores do setor privado atuaram no Fórum em Defesa da Escola Pública, propondo a inserção de normas de regulação da educação privada na Constituição. Não tiveram êxito, mas a Constituição estabeleceu que a educação é “direito de todos e dever do Estado e da família” e que “o ensino é livre à iniciativa privada, desde que sejam cumpridas as normas gerais da educação nacional e o seu funcionamento seja autorizado e avaliado pelo poder público”, constituindo papel da União organizar o sistema federal de ensino, de modo a garantir iguais oportunidades educacionais e o padrão de qualidade do ensino”. Portanto, com base na Constituição, no que se refere à educação privada, o entendimento é que não se trata de concessão do Poder Público, mas de autorização, com a obrigatoriedade de as instituições privadas cumprirem as normas gerais da educação, de obter autorização de funcionamento do Poder Público e de ser avaliada por ele.
O neoliberalismo, que atingiu seu auge na década de 1990, com o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, provocou a desnacionalização da economia, o desmonte de muitos direitos trabalhistas e a desregulamentação do mercado. Na educação, recrudesceu a mercantilização do ensino, acompanhada do sucateamento da educação pública. O Brasil avançou muito nas questões sociais e trabalhistas desde 2003, com o início do governo do presidente Lula e, agora, com o governo da presidenta Dilma Rousseff. A educação, no entanto, ainda sofre consequências da nefasta política neoliberal implementada na década de 90, que sucateou a educação pública na lógica perversa de que caberia à iniciativa privada desenvolver atividades de responsabilidade do Estado. Atribuindo-se de forma oportunista à participação do Estado em políticas sociais a fonte de todos os males da situação econômica e social, abriram-se as comportas, como já dito, para a expansão da educação superior através de privilégios concedidos ao setor privado da educação, em detrimento de maior investimento do setor público.
A Contee tem denunciado sistematicamente o processo de financeirização pelo qual passa o ensino superior privado brasileiro, incluindo os casos de desnacionalização das empresas educacionais. A financeirização se configura não só na abertura de capital das instituições de ensino superior na Bolsa de Valores, mas também na introdução da gestão corporativa nas instituições transformadas em empresas, na qual o que está em jogo são os resultados expressos em planilhas financeiras, e não a qualidade do ensino e a valorização dos trabalhadores. Isso porque o que rege as instituições de ensino superior privado é o imperativo de valorizar suas ações para atender ao interesse dos acionistas e obter lucro. A educação é vista como qualquer outra mercadoria, o que leva à “otimização” dos gastos, seja com docentes, pesquisa, extensão etc. Isso afeta a qualidade da educação oferecida.
Só neste ano, dois golpes profundos foram desferidos contra a educação brasileira. Em abril, a notícia da fusão de dois grandes grupos educacionais de capital aberto na Bolsa de Valores – as empresas Kroton Educacional S/A e Anhanguera Educacional Participações S/A – que se transformaram no maior “monstro” mundial do setor. Segundo a repercussão na imprensa brasileira, a companhia resultante da fusão teria faturamento bruto de R$ 4,3 bilhões, mais de um milhão de alunos e valor de mercado próximo a R$ 12 bilhões, grande parte dos quais à custa de dinheiro público, através de programas de bolsas, financiamento estudantil e renegociação de dívidas tributárias das empresas de educação implantados pelo governo brasileiro. A Contee denunciou a formação de oligopólio ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica, ao Ministério Público Federal e ao Ministério da Educação e os trabalhadores em educação do setor privada estão mobilizados para impedir a concretização desse absurdo, que acarreta prejuízos na qualidade da educação, desrespeito aos trabalhadores e precarização das condições de trabalho.
Como se não bastasse, agora em agosto, foi a vez de o grupo americano de ensino Laureate fechar por R$ 1 bilhão a compra de 100% do capital das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU), um dos maiores grupos educacionais de São Paulo, com 68 mil estudantes. Foi o segundo maior acordo fechado no setor, só atrás da compra da Unopar pela Kroton, por R$ 1,3 bilhão, em 2011.
Nessa frente de batalha, no fim de julho, a Confederação garantiu a aprovação, no Fórum Nacional de Educação (FNE) de uma nota pública convocando o Congresso Nacional, o MEC e o Conselho Nacional de Educação para, em conjunto com o Fórum e suas entidades, abrirem um amplo debate sobre o processo de fusão de instituições privadas de ensino. A 15ª Nota Pública do FNE é bastante significativa, sobretudo porque, num ato inédito, estudantes, trabalhadores em educação e representantes do patronato da educação privada se uniram contra a formação de oligopólio no ensino superior brasileiro, visto que, entre as 25 entidades que assinam o documento, estão a Contee, a UNE e a Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (Confenen). Em agosto, a Contee solicitou ainda ao FNE e suas entidades a inclusão de uma mesa de interesse na Conae/2014 sobre as fusões no ensino superior.
A Contee também tem atuado na defesa da aprovação do projeto de lei que cria o Instituto Nacional de Supervisão e Avaliação do Ensino Superior (Insaes), em tramitação na Câmara dos Deputados. Uma das prerrogativas do Insaes, estabelecida no projeto, é a determinação de que as fusões e incorporações de instituições só possam se dar mediante aprovação prévia do Ministério da Educação, além da exigência, para credenciamento e recredenciamento, de que estejam em regularidade perante as fazendas federal, estadual e municipal, a seguridade social, o fundo de garantia e a Justiça do Trabalho. Tal medida é imprescindível para combater a incorporação desmedida de instituições brasileiras de educação superior por grupos financeiros nacionais e internacionais que, depois de adquiri-las, promovem mudanças internas cuja finalidade é reduzir despesas e maximizar lucros. Isso acarreta modificações em projetos pedagógicos de cursos que já passaram por avaliação, demissão de mestres e doutores e rebaixamento da formação dos estudantes e profissionais, em total despreocupação com um projeto de desenvolvimento para o país ou compromisso com uma educação de qualidade, pública e gratuita. Também é total o desprezo pelos estudantes e trabalhadores do setor privado, uma vez que a grande maioria desses estabelecimentos não permite a participação de professores e estudantes na elaboração do projeto pedagógico nem a livre organização, seja estudantil ou trabalhista, garantida pela Constituição. Prejuízo para estudantes, para trabalhadores e para a educação.
Contudo, o Insaes, por si só, não basta sem a regulamentação da educação privada e a criação do Sistema Nacional de Educação. O professor Dermeval Saviani, da Unicamp, tem definido bem a importância da implantação do SNE. Para ele, na medida em que o Estado passou a ter legitimidade para legislar e impor normas comuns a toda coletividade educacional, coloca-se o problema da organização dos respectivos sistemas nacionais de educação. Conceituando sistema como um “conjunto coerente e operante intencionalmente reunido”, Saviani considera que “só se pode falar em sistema, em sentido próprio na esfera pública”. O que significa ser o setor privado de ensino integrante do sistema público de ensino, subordinando-se, em consequência, às normas comuns que lhe são próprias. Em outras palavras, a iniciativa privada não é um sistema, mas um setor pertencente ao sistema público cuja autonomia, como tal, é relativa aos padrões de autorização e de qualidade fixados pelo poder público.
Entretanto, como o Brasil foi retardando a instituição de um SNE, seja na Constituição seja na Lei de Diretrizes e Bases (LDB), frente ao avanço dos setores privatistas contrários à instituição de um Sistema Nacional de Educação, o país acumula uma dívida histórica quanto à democratização do acesso e a qualidade da educação. Por essa razão a Conae/2014 representa um espaço tão importante, no qual a Contee e suas entidades filiadas têm apresentado e defendido propostas que garantam o avanço em direção ao SNE e à regulamentação da educação privada.
Valorização profissional dos trabalhadores em educação do setor privado
Outro ponto a ser abordado, também referente ao SNE, é a valorização dos trabalhadores em educação do setor privado. Além de esse tema também estar inserido nas discussões feitas nas etapas preparatórias para a Conae/2014, a Contee está lançando, para o mês de outubro, uma campanha nacional de valorização profissional desses trabalhadores.
A campanha tem duas frentes de trabalho: técnicos administrativos e docentes. Para os técnicos administrativos, o combate à terceirização nas escolas, discussão que se insere na ampla mobilização dos trabalhadores brasileiros contra o projeto de lei que pretende regulamentar a terceirização no país, permitindo-a, inclusive e absurdamente, para as atividades-fim das empresas. Por si só, a terceirização tem, como efeitos, a precarização das condições de trabalho e a supressão dos direitos dos trabalhadores, que têm salários rebaixados, perda de benefícios sociais e redução da representação sindical. E, na educação, a situação tem um agravante, que prejudica não apenas os trabalhadores, mas a própria qualidade do ensino. Nas escolas, o projeto pedagógico necessita de ligação direta e forte com os trabalhadores das instituições. Os estudantes e seus pais e responsáveis precisam conhecer quem trabalha na escola e, nesse sentido, a rotatividade representa a exclusão da possibilidade de integração, o que acarreta inúmeros prejuízos educacionais.
Para os docentes, a campanha será voltada para o combate ao excesso de trabalho extraclasse, sem regulamentação e/ou remuneração, e pelo direito ao descanso. Na rede privada de ensino, os docentes, sobrecarregados de trabalho, carecem de um debate sobre questões fundamentais, como plano de carreira, jornada de trabalho, tempo de dedicação às atividades extraclasse e outros direitos dos professores que de fato assegurem a qualidade da educação. Garantias que são discutidas para o setor público, e não para o setor privado.
A concepção de escola e de educação
Sem todas essas questões, não há projeto democrático de educação, assim como não haverá desenvolvimento democrático da educação no Brasil sem passar por uma reforma da educação em todos os níveis, tornando a escola democrática, de qualidade e inclusiva. Um local de desenvolvimento da cultura e do saber, atrativo para crianças, jovens e adultos.
A Contee se preocupa com o debate no âmbito da concepção de escola e de educação. A educação brasileira vive uma crise não somente porque ainda não possui um sistema público de educação ou porque o neoliberalismo construiu uma realidade de desvalorização dos profissionais da educação e do conhecimento, mas também porque a escola brasileira não tem se transformado no sentido de acompanhar o desenvolvimento no campo do saber e das novas exigências e comportamentos vividos pelos nossos jovens e crianças.
Os ensinos fundamental e médio no Brasil estão desfocados no que diz respeito a uma nova pedagogia e uma nova concepção de escola. A escola fundamental é encarada como um local de acúmulo quantitativo de conhecimento e o ensino médio como um mero espaço de preparação para o vestibular ou para outras provas similares.
A educação superior foi desvalorizada com o advento da privatização mercantil, com a criação de cursos de curta duração que em nada ajudam o desenvolvimento de uma cultura universitária nem tampouco formam o profissional. Uma educação superior sem pesquisa, cuja finalidade máxima é a certificação e não o saber. Nesse sentido, o movimento de luta pelo fortalecimento da educação no Brasil não pode prescindir de um debate e posicionamento no campo da concepção de escola, de educação e de currículo.
Além disso, o movimento educacional necessita também mostrar que o desenvolvimento da educação não se dá apenas no âmbito da luta educacional. A sociedade brasileira se desenvolveu como uma sociedade de consumo típica de um país periférico, ou seja, o desenvolvimento no Brasil se deu aumentando todo tipo de exclusão. Assim, a escola no Brasil se estabelece dentro de uma sociedade cheia de contradições, de riqueza extremamente concentrada e de disparidades regionais e sociais enormes. A educação, portanto, recebe a interferência do meio em que se desenvolve, o qual apresenta problemas sociais graves que necessitam de ações políticas e sociais articuladas. Isso no Brasil ainda é um sonho, mas nossa luta visa transformar a realidade realizando esse objetivo no mais curto espaço de tempo possível. A educação é ação transformadora e precisa assim ser conduzida e implementada.
Da redação