Pós-graduação chega aos 45 anos de seu Plano Nacional sob risco de colapso

O I Plano Nacional de Pós-Graduação (PNPG) completará 45 anos no início de 2020. Ele é fruto do decreto 73.411/74, que instituiu o Conselho Nacional de Pós-Graduação com a atribuição de criar uma política estruturante para o setor. Ao longo do tempo, o país conseguiu consolidar um sistema robusto que já está encerrando sua quinta edição (V PNPG), o que nos impõe desafios de avaliação desse ciclo e de projeção de novos desafios.

É um fato incontestável que muito foi construído de lá até aqui, como a expansão da base de mestres e doutores, os órgãos de fomento em âmbito nacional e as fundações de amparo, que cumprem papel fundamental para a pesquisa nos estados. Por outro lado, é também verdade que o momento atual traz riscos de graves retrocessos para a pesquisa científica brasileira, seja por ameaças de tutela ideológica por parte de autoridades do atual governo, seja pelo brutal corte orçamentário que ameaça fazer seu sistema de financiamento entrar em colapso.

Breve histórico

Concebido na ditadura militar, sob a presidência de Ernesto Geisel, o I PNPG trouxe as diretrizes a serem aplicadas no quinquênio de 1975-1979, período imediatamente posterior ao chamado “Milagre Econômico”, quando o país cresceu a taxas elevadas por anos consecutivos, e em meio à crise internacional resultante do “choque do petróleo”.

O I PNPG é contemporâneo ao II Plano Nacional de Desenvolvimento, plano econômico que pretendia, entre outras coisas, dominar todo o ciclo produtivo industrial e desenvolver pesquisas sobre outras matrizes energéticas que tornassem o Brasil menos dependente da importação de petróleo do Oriente Médio.

Como se vê, o projeto se inscreveu nos marcos de um ciclo politicamente autoritário, mas que ambicionava para o governo o papel de indutor do crescimento econômico, de fortalecimento do Estado e seus instrumentos.

Segundo a professora Regina Célia Linhares Hostins, no artigo “Os Planos Nacionais de Pós-Graduação e suas repercussões na pós-graduação brasileira”, o nacionalismo da ditadura militar, embora seu caráter autoritário, produziu por aqui um projeto distinto do aplicado em outros países latino-americanos. “O ideal nacionalista de construção de um “Brasil-potência” conduziu o governo à articulação com dirigentes e representantes da comunidade científica e universitária com vistas à modernização da universidade e da ciência e tecnologia resultando na definição de políticas que produziram efeitos transformadores”, afirma.

Expansão e financiamento

De fato, algumas das metas centrais do I PNPG foram a institucionalização do sistema, garantia de estabilidade no financiamento e planejamento de sua expansão, a unificação da pós-graduação e a universidade, entre outras.

À época o Brasil tinha números de um país ainda incipiente na formação de mestres e doutores. De acordo com o diagnóstico do próprio plano, “em 1973, foram preenchidas cerca de 7.000 vagas nestes cursos, havendo, em suas várias fases, cerca de 13.500 alunos, assim distribuídos: 5.000 nas instituições federais, 5.800 nas estaduais e municipais e 2.700 nas particulares”. Para efeitos de comparação, hoje o país conta cerca de 364 mil estudantes na modalidade stricto sensu. Apenas a Capes financia atualmente 201 mil bolsistas.

Os moldes de financiamento por bolsas e a exigência de dedicação integral do pesquisador são orientações contidas já naquele programa. “Como os alunos de pós-graduação são profissionais formados, têm sempre a alternativa de escolha entre a continuação dos estudos e o mercado de trabalho. Sendo assim, as alternativas do mestrado e do doutorado devem colocar melhores condições de trabalho, e conceder bolsas em um regime de manutenção estável e em nível suficiente”, apontava.

Cortes e contingenciamentos

Quase meio século depois, as bolsas de estudo “estáveis e em nível suficiente” estão longe de ser realidade. Os valores pagos para as bolsas são da ordem de R$ 1.500 para o mestrado e R$ 2.200 para doutorado, bastante aquém do necessário diante do custo de vida nas grandes cidades do país. Ressalte-se ainda que os benefícios não foram reajustados nos últimos seis anos, o que acarreta perdas inflacionárias de 36%.

Mas está errado quem diz que pior do que está não fica. Os cortes orçamentários anunciados pelo governo para este ano atingiram de maneira tão brutal os ministérios de Ciência e Tecnologia e da Educação que o risco real é paralisia e colapso do sistema de financiamento da pesquisa brasileira.

Diante do corte de 42% dos recursos destinados ao MCTIC, o CNPq, por exemplo, já anunciou que só tem condições de pagar seus bolsistas até o mês de setembro e a suspensão das bolsas do edital Universal 2019. O MEC sofreu cortes de cerca de R$ 6 bilhões, o que poderá trazer consequências para a Capes e seus mais de 200 mil estudantes financiados. Não é exagero afirmar que, caso essa decisão não seja revista, as próprias metas do V Plano Nacional de Pós-Graduação, bem como as do PNE, provavelmente serão comprometidas. Isso sem contar o abalo para o futuro da pós-graduação e a construção das metas para o próximo quinquênio.

Para completar a tempestade perfeita que se abate sobre a ciência brasileira, a crise fiscal que acomete as contas públicas de diversos estados tem repercutido no estrangulamento das fundações de amparo, cujas receitas, em geral, são vinculadas a repasses constitucionais das receitas dos respectivos governos.

Exemplo emblemático é o da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), que em fevereiro anunciou cortes nos programas BIC (Bolsa de Iniciação Científica) e BIC Junior e a suspensão de novos editais. Em audiência pública realizada pela Assembleia Legislativa, no último dia 3 de abril, a professora Sandra Almeida, reitora da UFMG, afirmou que o impacto dos cortes da Fapemig chega a 15 milhões só naquela universidade.

Voltar a investir

Por todo o exposto, a comunidade científica se mobiliza para ocupar Brasília nos próximos dias 8 e 9 de maio para exigir a reversão dos irresponsáveis cortes que podem representar o golpe fatal em todo o sistema em que se alicerça a produção científica brasileira.

A ANPG se soma a esse movimento levantando também as bandeiras de imediato reajuste das bolsas de mestrado e doutorado fornecidas e de destinação de parte dos recursos do fundo social do pré-sal para a ciência e tecnologia. Investir em ciência, tecnologia e inovação, valorizar a pesquisa e os pesquisadores proporcionando-lhes condições adequadas de vida e horizonte profissional são condições indispensáveis para o desenvolvimento soberano do país.

Às vésperas de completar 45 anos, o I Plano Nacional de Pós-Graduação deve ser celebrado como símbolo de que é possível e necessário investir e planejar estrategicamente, com instrumentos do Estado nacional, para construir um país mais desenvolvido. Mas, sobretudo, o momento exige travar a disputa política sobre os rumos da Nação. Da luta do presente resultará o Brasil que legaremos para as próximas gerações.

FLÁVIA CALÉ DA SILVA é presidenta da Associação Nacional de Pós-graduandos (ANPG)

VINICIUS SOARES é diretor de Comunicação da ANPG.
Direto da Ciência

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