Sinpro Minas: As contradições da Política de Segurança Pública no Brasil
O governo brasileiro investe a fortuna de R$80 bilhões, por ano, em segurança pública. Mas isso é o mesmo que aparar a água da chuva com balde furado, pois não ataca o problema da violência na sua raiz. Por isso, de acordo com o Mapa da Violência, somos o 6º país mais violento do mundo e temos o terceiro maior sistema prisional, segundo o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen) de 2017. São 726 mil presos no país.
Estes dados nos mostram que nada mudará enquanto o país não fizer profundas reformas. Além da desigualdade social e racial, convivemos com a realidade de um aparato estatal repressor; sistema de justiça moroso; legislações que protegem alguns segmentos sociais em detrimentos de outros; polícias violentas e sistema prisional que não se preocupa com a recuperação do encarcerado. Sobre este tema o portal do Sinpro Minas conversa com o professor e filósofo Robson Sávio que é também doutor em Ciências Sociais; mestre em Administração Pública (Gestão de Políticas Sociais) e especialista em Estudos de Criminalidade e Segurança Pública. Robson fala sobre os principais problemas da segurança pública no Brasil, o mercado lucrativo da segurança privada, os riscos da liberação do uso de armas e de uma intervenção militar nas comunidade de periferia e sobre como combater as violências estrutural, cultural, da exclusão, do racismo, da xenofobia, do preconceito, do autoritarismo, misoginia e da LGBTfobia.
1- O que é Segurança Pública, com podemos percebê-la em nossa sociedade?
A segurança pública se tornou um direito social como educação, saúde e assistência social, a partir da Constituição Federal de 1988. Ela inclusive garante que os outros direitos sejam exercidos, porque sem segurança, as pessoas têm dificuldades para acessar as outras políticas públicas. É importante sabermos que segurança pública tem a ver também com tranquilidade e paz, ou seja, não é apenas ausência de crime e nem sinônimo de polícias. Estas até são responsáveis pela garantia da segurança pública, pela prevenção e repressão dos crimes, mas, na verdade, as polícias são agências que trabalham apenas numa parte do problema, porque segurança pública tem também uma relação com a expectativa das pessoas sobre a sua inserção na comunidade, no local onde vive, trabalha etc.
2- Se a Constituição de 1988 nos garante o direito de ir e vir com segurança, o que faltou na prática para que a lei fosse realmente cumprida?
Temos que fazer uma distinção com muita clareza. O direito de ir e vir e outros direitos civis e políticos estão plenamente garantidos para alguns extratos da sociedade brasileira – as classes médias e os ricos, determinados segmentos sociais, grupos étnicos, brancos etc. O problema é que o Estado garante alguns direitos para uma parcela da sociedade privilegiada e não garante este mesmo direito para boa parte das pessoas como os pobres e trabalhadores, principalmente os negros. Isso tem a ver com escolhas políticas; de como Estado é tradicionalmente seletivo no tratamento e na implementação de políticas públicas, e também com a política de segurança. Ou seja, temos um modelo de segurança pública que privilegia a defesa dos interesses das classes médias e altas, a questão patrimonial em detrimento dos direitos dos pobres e trabalhadores e em detrimento, inclusive, do valor da própria vida. Em relação a alguns segmentos sociais, pobres e pretos, grupos vulneráveis, temos indicadores terríveis de crimes contra a vida sem que o Estado reverta esta situação.
3- O Brasil voltou para o mapa da fome da ONU e o desemprego atinge quase 30 milhões de brasileiros. É possível falar em segurança pública sem pensar nesta realidade e em políticas públicas que reduzam a desigualdade social?
Não é possível. Quando as pessoas pensam em segurança pública, normalmente, a associam ao fenômeno criminal, sejam crimes contra o patrimônio (assalto, roubo) ou contra a vida (estupro, homicídio etc.). Mas o problema da segurança e da violência não está associado apenas aos crimes. É fundamental compreendermos que há, primeiro, uma violência estrutural – uma ordem social, política, econômica, geradora de exclusão, de desigualdade, que impede as pessoas de terem acesso aos direitos, que faz com que tenhamos um sistema judiciário dos mais seletivos e caros do mundo, que produz uma das polícias mais violentas e que gera uma incapacidade das pessoas de acessarem as políticas públicas e a própria justiça. Isso é violência estrutural e precisa ser enfrentada, urgentemente. Além dela, temos ainda a violência cultural que justifica a violência seletiva contra os pobres, os pretos e os grupos vulneráveis, que justifica a violência policial, a exclusão e a violência contra a mulher, que reforça todo tipo de preconceito e discriminação. Esta violência tem a ver com nosso sistema da educação que é autoritário, com a mídia autoritária e seletiva em relação à divulgação de uma cultura mais ampla. Tem a ver com as nossas instituições do Estado que são violentas – elas justificam esta ordem social altamente violenta, discriminatória, esta cultura branca, machista, homofóbica, xenófoba, racista etc. Tem a ver inclusive com nossas outras instituições como a Igreja. As religiões muitas das vezes ajudam nesta cultura de uma passividade em relação à violência estrutural, de aceitar a vida como ela é, como algo divino. Se não houver um enfrentamento da violência estrutural e cultural não tem como resolver o fenômeno da violência, da criminalidade no país. Por isso, no Brasil os crimes continuam. Nunca se fez reformas estruturais que poderiam enfrentar o problema da desigualdade, do patrimonialismo, do machismo. É preciso combater também a naturalização, por setores privilegiados, das várias formas de violências, assim como a invisibilidade das lutas sociais, feitas para mudar esta ordem social.
4- Como é o investimento em políticas públicas na área da segurança pública no Brasil?
Historicamente, o Estado brasileiro sempre investiu muito na repressão, no aparato policial, num sistema de justiça seletivo e em leis draconianas, feitas para reprimir grupos e movimentos sociais, pobres, trabalhadores etc. Este é o modelo histórico de ação da Justiça, do aparato legal, do sistema policial e do próprio Estado de lidar com as questões da segurança. Por isso, apesar do Brasil investir muito em segurança pública, são mais de R$80 bilhões por ano, continuamos com graves problemas.
5- O Brasil é o sexto país mais violento do mundo, com uma média de 60 mil homicídios por ano. Onde está o maior fator que alimenta esta realidade?
É um conjunto de fatores. As questões sociais e políticas têm causas multi-fatoriais. Temos que combinar as questões da violência estrutural, violência cultural com aparato estatal historicamente repressor, sistema de justiça seletivo, moroso e violento, legislações que protegem alguns segmentos sociais em detrimentos doutros, aparato de estado que oprime classes trabalhadoras e defende interesses das elites, polícias violentas e sistema prisional voltado para exclusão, punição e não para recuperação da pessoa que cometeu um crime. Para mudar isso, precisamos de legislações que entendem a isonomia, a igualdade ente os cidadãos, um aparato de justiça menos seletivo e mais célere. Precisamos de polícias democráticas e cidadãs. E, obviamente, que precisamos enfrentar a violência estrutural e mudar a nossa cultura majoritária que aceita este estado de coisas.
6- Com o crescimento da violência, cresceu também o medo entre as pessoas, principalmente nos centros urbanos. Por outro lado, a violência e o medo podem ser estimulados se pensarmos que são lucrativos para o mercado. Como acreditar no interesse ao combate à violência, já que traz lucros para tantas empresas, inclusive internacionais?
A insegurança pública, a violência e o medo são fatores importantes para que o Estado, que sempre foi apropriado pelas elites, imprima políticas de recrudescimento do Estado Penal, de mais violência policial e de encarceramento em massa. E, com certeza, o medo e a insegurança são um imenso estímulo à segurança privada. No Brasil, é uma das áreas que mais cresce, em consequência da incapacidade do Estado de atuar de forma efetiva, garantindo segurança pública de qualidade para todos. Isso faz com que uma parte da sociedade, das classes médias e altas, tentem resolver o problema da segurança de forma privada, comprando carros blindados, seguros, armamentos, etc. Claro que isso não resolve, porque a segurança é um bem público e, assim, enquanto não for resolvido o problema público, não se resolve a questão individual. Neste sentido, a omissão do Estado em relação à questão da segurança, além de vitimizar os pobres, os trabalhadores, ainda ajuda as empresas de segurança a terem cada vez mais lucro e se darem bem. No Brasil, uma parte de empresa de segurança privada tem como sócios os operadores de sistema de segurança pública. Isso é uma questão grave, pois agentes públicos que deveriam melhorar a qualidade da segurança pública, muitas vezes, estão associados a empresas de segurança pública que lucram com o medo e a violência extremada. Claro que existe uma relação profunda entre a indústria da insegurança, do medo, à tentativa de uma sociedade capitalista que quer vender uma segurança que só é possível se a pessoa comprar, investir em tudo quanto é tipo de seguro, para que ela tenha uma falsa sensação de segurança. Isso tem a ver com as omissões e com as ações seletivas o Estado e com a sua complacência em relação a muitas formas de violência.
7 – Violência e o medo podem ser as razões para o povo brasileiro eleger um presidente que promete colocar “ordem” no país, mesmo que usando um discurso violento também?
Entre as várias análises que se faz da eleição do Jair Bolsonaro, uma delas tem a ver com isso. Ele atende uma certa expectativa de classes médias e altas que sempre foram protegidas, principalmente na área de segurança pública. Querem mais, aumentar seus privilégios. Mas também responde a uma expectativa de segmentos da base social do povo que tem uma ideia que tem a ver com a cultura da violência – a que se combate violência com mais armamento, com mais prisões, com mais polícia. Há no imaginário dessa cultura, que o tempo todo glamoriza a violência (e a mídia é muito responsável por isso) uma ideia que se combate a violência com mais violência. É um tiro no pé. Quanto mais temos um Estado Penal e violento – promotores, juízes e policiais e agentes prisionais – mais os segmentos vulneráveis serão vítimas deste Estado Penal, seletivo e violador de direitos. Mas as pessoas, até por problemas na nossa educação e pela cultura violenta, acreditam naqueles que afirmam e prometem que o recrudescimento penal e mais violência policial e institucional é que vão resolver o problema. Parte dos eleitores da classe média e alta, que são privilegiados, inclusive com segurança pública e querem mais privilégios, votou em Bolsonaro por este motivo. E parte dos trabalhadores, das classes empobrecidas, votaram porque creem nesta cultura que se combate a violência e criminalidade com mais violência estatal.
8 – O presidente eleito defende a liberação do acesso a armas. Andar armado é garantia de proteção?
Não, arma é fator de risco. Eu já fiz uma pesquisa para o Ministério da Justiça, há uns 3 anos, que foi um estudo sobre a questão do Estatuto do Desarmamento. Tem também uma tese de doutorado do Daniel Cerqueira, do IPEA, sobre desarmamento. Ele fez um estudo comparativo em cerca de 130 países e a conclusão é sempre a mesma – mais arma, mais crimes; menos armas, menos crimes. É uma ilusão pensar que arma é fator de proteção. Ela é sim fator de mais violência e de risco – mais pessoas armadas significa mais possibilidade de vitimização. No Brasil, cerca d e 40% dos homicídios são provocados por motivações fúteis, discussões, desavenças. Uma pessoa que está armada, num conflito, acaba matando a outra. Como temos uma Justiça seletiva, somente 10% dos homicidas estão com a sentença transitada em julgado. Com certeza, com a liberação das armas, teremos muito mais crimes por questões passionais e fúteis, porque algumas pessoas matarão e confiarão num sistema de justiça criminal seletivo e moroso. É uma grande ilusão as pessoas trazerem para o âmbito privado o que é um problema público, achando que estando armadas elas vão se proteger. Na verdade, elas vão se colocar em situação de risco, vão colocar sua família, seus filhos. Inclusive, no Brasil, há um aumento grande do índice de suicídio nos últimos anos e parte deste aumento tem a ver com acesso muito fácil às armas de fogo. Apesar do Estatuto do Desarmamento em vigor, há um mercado clandestino intenso de armas e as pessoas, assim, têm acesso muito fácil a armamentos.
9 – Com a democracia ainda engatinhando, apenas 33 anos do fim da ditadura militar, o país vive um retrocesso que nenhum de nós que gritamos “Diretas já” poderia imaginar. Nestas eleições, foram 1.636 candidatos militares (na ativa ou reserva), com 104 eleitos, que representam 4,3 pontos percentuais a mais que nas eleições de 2014. Desde a época da ditadura, o Congresso não tem seus cargos ocupados por tantos militares em uma eleição: foram eleitos 79. E o país elegeu como presidente um capitão reformado, Jair Bolsonaro (PSL), e como seu vice, general Hamilton Mourão. Qual a leitura podemos fazer deste fenômeno – o povo esqueceu o que foi a ditadura militar ou não aprendeu a entender e valorizar a democracia?
O processo democrático no Brasil foi muito bom para as classes médias. Para grande parte dos brasileiros, a abertura democrática que aconteceu na década de 80, incluindo a Constituição Federal, tem caminhado a passos de tartaruga. O acesso a ampliação dos direitos, especialmente, no campo da Justiça, ainda é limitado para a maioria do povo. Há uma experiência cotidiana da violência, nas regiões periféricas, em primeiro lugar porque o Estado só se faz presente de forma violenta e em segundo, porque o Estado, propositadamente, faz com que estes locais sejam locais de muito conflito. Isso fez com que a experiência democrática não fosse vivida por grande parte da população. Por outro lado, nosso sistema educacional não trabalha a questão da democracia. Temos um modelo educacional que é positivista, cientificista. Ele não está preocupado em trabalhar com valores democráticos e cultura cidadã. Nosso modelo educacional tem grande responsabilidade pelo povo brasileiro não ter uma cultura cívica, por não valorizar a democracia, por não conhecer e por não lutar pelos direitos. Isso ainda é uma atividade muito restrita às classes médias – conhecer os direitos, reivindicar e lutar; e movimentos sociais organizados. Então é por um conjunto de fatores que a democracia não é valorizada por uma parcela da população. As pessoas não são culpadas por isso, mas não foram preparadas pra viver uma democracia. Sempre tivemos uma democracia de baixa intensidade. As classes médias acessando as políticas públicas, melhorando sua qualidade de vida e as classes trabalhadoras sendo penalizadas, direitos sendo ampliados de forma lenta, sistema de justiça não acessível, polícias violentas, violência estrutural e o modelo de educação que não trabalha valores cidadãos, a ideia de democracia. Ora, as pessoas não veem na democracia um valor. Por isso, que num momento de crise, de desemprego, se aposta em qualquer coisa.
10 – Muita gente defende a intervenção militar em comunidades onde a violência é grande. O exemplo da intervenção das Forças Armadas nas comunidades do Rio de Janeiro não tem sido suficiente para demonstrar que não funciona ou a ideia é mesmo eliminar pobres e negros?
Fica claro que ações pontuais na área da segurança pública não resolvem os problemas estruturais da segurança. Todas as vezes que se tem uma força tarefa ou uma intervenção pode até dar um resultado pontual, mas como não resolve as causas estruturais geradoras da violência e da criminalidade. Quando esta força ou intervenção deixar de existir, todos aqueles problemas que geram a violência real voltarão. Então, no RJ, a questão é que o tráfico de drogas é um grande comércio e funciona, porque há muita demanda, muitos consumidores. Parte dele é a classe média que não é atingida pelo sistema de justiça e pelas polícias que estão preocupadas apenas com o varejão do tráfico – as pequenas gangues, o comércio, pequenos traficantes e o aprisionamento em massa desses atores. É para isso que este tipo de ação serve, reforçar uma ação seletiva em relação às drogas. Mas os grandes produtores e distribuidores de drogas tem a ver com grandes empresários, políticos, promotores, juízes, com gente muito poderosa.
Se o país não enfrentar os grandes produtores e os grandes distribuidores de drogas, se não enfrentar a relação do comércio das drogas com o comércio de armas, evasão de divisas, corrupção ativa e passiva, tráfico de pessoas – ou seja, uma rede bem maior; não adianta ficar no varejão prendendo pequenos traficantes, fazendo disputas de tiros, fazendo intervenções etc. Isso é uma grande ação diversionista do sistema de justiça criminal, das polícias e, agora, das forças armadas para desviar o grande problema que é mostrar, em primeiro lugar, que em uma sociedade desigual e violenta como a nossa, o uso das drogas e medicamentos tende a ser uma forma de escapar da realidade; que drogas é uma questão fundamentalmente comercial, que o usuário de droga e o dependente têm que ser tratado com políticas de saúde e não com repressão. E que sob o ponto de vista de repressão, enquanto não se desestruturar as grandes redes de produção e distribuição, não se investir em políticas de inteligência para desvendar os esquemas que envolvem tráfico de armas, de drogas, corrupção, evasão de divisas e lavagem de dinheiro, não vai resolver nada. Só que para chegar nisso, terá que chegar em gente poderosa, nos homens de “bens”. Aliás, no Rio de Janeiro, mesmo que de forma parcial, fica claro que o grande esquema não é relacionado só às drogas, mas à corrupção que é a relação espúria entre agentes públicos dos três poderes do Estado com agentes privados de empresas de ônibus, construtoras, petrolíferas, mineradoras etc.
Aí está o grande problema que, na verdade, tem a ver com este esquema violento de um Estado em que a corrupção é generalizada no espaço público, no privado e campeia-se nas instituições policias etc.
11 – Como deve ser tratado o problema das drogas: combater com eficiência o tráfico ou descriminalizar o uso de drogas?
Temos que ter ações diferentes. Atuar na produção e na distribuição e também na relação que há entre tráfico de armas, de droga, corrupção ativa, lavagem de dinheiro. Este esquema que precisa ser desmontado tem a ver com inteligência policial, com movimentar toda uma estrutura que está atrás deste grande comércio. Outra ponta de atuação necessária é o tratamento dos usuários. Tem vários tipos, deste os pontuais até o que tem vício permanente – que já causa danos à saúde, que só se resolve com políticas de redução de danos. São políticas de saúde sociais inclusive dirigidas às famílias. Obviamente tem que se combater corrupção policial, no sistema de justiça – juízes e promotores envolvidos com tráfico de drogas – e tem que ter investimento fundamental no sistema prisional, porque em grande medida o tráfico é coordenado por lideranças que estão presas. Neste sentido, é preciso que tenhamos outra política de encarceramento. Não encarceramento em massa do usuário e do pequeno traficante (este problema deve ser enfrentando com outras políticas), mas dos grandes traficantes. Claro que é preciso ter prisões em que o Estado tenha controle sobre elas, mas não é o que não acontece hoje. As prisões no Brasil são um antro de corrupção, de violência e inclusive de controle do crime de dentro da prisão pelos próprios presos com a conivência dos agentes públicos.
12- E como combater a violência da exclusão, do racismo, da xenofobia, do preconceito, do autoritarismo, misoginia e da LGBTfobia?
Tudo isso tem a ver com a exclusão da violência estrutural e também com a violência cultural que, por exemplo, precisa de ter ações na área do sistema educacional. Temos educação que não educa para a cidadania, que não compromete o cidadão com as coisas públicas. Nós precisamos de reformas estruturais no âmbito do sistema de justiça, na questão da política econômica, de impostos, em relação à divida pública. São questões que precisam de medidas legislativas, de reformas estruturais, institucionais. Uma série de reformas que o Brasil não fez, inclusive durante os governos chamados progressistas e de esquerda. Preferiram trabalhar com políticas incrementais no momento em que a economia mundial estava muito boa. O Brasil estava bem por causa da comodites e não enfrentou a violência estrutural e a violência cultural da nossa sociedade. Por isso, que talvez, estamos num período de marcha ré…Tem a ver com política de governo e com a própria sociedade. Nossa cultura, por exemplo religiosa está cada vez mais uma religião voltada para o individualismo, não está preocupada com as questões comunitárias, com a exclusão do outro, com miséria do outro. Até no campo religioso, temos tendência de religiões (cristãs) elitistas, criminalizadoras, violentas, excludentes.
13 – Quais são as principais falhas do sistema prisional no Brasil?
Nosso sistema prisional não funciona, é altamente caro, oneroso, com altíssimas taxas de reincidência. Não cumpre sua função nem constitucional e nem social. Existem modelos alternativos que não resolvem o problema como o modelo APAC, porque trabalha na mesma lógica de encarceramento. Apesar de ser um modelo que ajuda na recuperação daqueles que estão lá, ele colabora para o adensamento de todo o modelo mais amplo que continua punindo e prendendo. Então, não é com medidas pontuais que vamos resolver o problema prisional. Ele precisa ser reformado. Em todo mundo, prisão, que é algo muito caro e cujas taxas de reincidência também são altas, é restrita para quem oferece risco social. Para todos os demais, deve-se trabalhar com penas e medidas alternativas, com políticas de prevenção que são mais baratas e são muito mais efetivas.
14 – Liberar o uso de armas para a população pode aumentar a violência e com isso o número de pessoas presas. Ainda existe o interesse em privatizar o sistema prisional?
Numa tendência de um Estado autoritário e penal, a indústria do preso tende a aumentar. Como o Estado não dá conta de manter o sistema prisional que é caro, a melhor forma é privatizá-lo porque aí você transfere para iniciativa privada um custo que o Estado teria que fazer de imediato – construir prisão, selecionar agente prisional etc. Uma das formas de controle social é aumentar as penas e as prisões. Isso vai ser feito num governo mais autoritário em relação a movimentos sociais. Como o sistema prisional brasileiro é o terceiro maior do mundo e está superlotado, não cabe mais gente, a tendência é transferir para a iniciativa privada, que não tem ônus nenhum só bônus. A verdadeira indústria do preso.
Robson Sávio – Professor, filósofo, doutor em Ciências Sociais; mestre em Administração Pública e especialista em Estudos de Criminalidade e Segurança Pública.