Sinpro/RS: Educação e democracia: direitos e valores inegociáveis

Por Gabriel Grabowski 

“É por isso que a educação é um campo perigoso na visão de conservadores
e liberais e tem que ser acompanhada de perto, sempre que possível colocada
fora do controle do Estado e nas mãos de agentes seguros ideologicamente,
como os empresários e os sacerdotes” (Luiz Carlos de Freitas – Unicamp)

O processo eleitoral que vivenciamos em 2022, que alguns segmentos perdedores ainda não reconhecem, evidenciou, entre tantas outras, três agendas estruturantes em disputa pela elite junto a sociedade: a democracia, a educação e a insegurança do tal “mercado”.

Algumas indagações precisam ser feitas para pensarmos juntos: qual é a relação e os interesses em disputa? Por que temos esta radicalização? Porque a democracia liberal, depois de seus 200 anos, ainda lida mal com assegurar direitos?

Quais os interesses em disputa que mobiliza técnicos e especialistas das fundações empresariais que dominarem os GTs de transição, inclusive o da Educação atacada quatro anos pelo atual governo?

Qual educação e qual democracia efetivamente queremos para no Brasil? Ou, ainda, que nação e sociedade queremos construir?

Estas questões, complexas, diz o Professor Luiz Cardos de Freitas (Unicamp), não podem ser respondidas reduzindo-se sua complexidade a uma questão de “troca de governo”, liberais ou conservadores, esquerda ou direita.

Mas é preciso ir além. Para isto, é necessário refletir e buscar compreender o que efetivamente está em jogo com a tal “insegurança dos mercados”, com os acampamentos pedindo intervenção militar e com o não reconhecimento do resultado das eleições.

O Brasil está, efetivamente, ameaçado pela esquerda comunista (fantasmas imaginários) ou trata-se da manutenção do projeto do capital, especialmente da elite financeira, que somente em 2021, abocanhou R$ 1,96 trilhão (50,78%) do orçamento federal executado em amortizações de dívidas e juros?

Para o pesquisador da Unicamp, há um grande reconhecimento, hoje, da existência de uma crise da democracia liberal que também nos remete a uma crise do estado de direito que a sustenta.

Esta crise tem origem, por um lado, na própria lógica existencial do capital que, como advertia Schumpeter nos idos da década de 40, terá problemas não pelo seu fracasso, mas pelo seu próprio “sucesso”.

Esta lógica direciona a humanidade para o objetivo de ganhar dinheiro para ganhar mais dinheiro, indefinidamente, e nenhum sistema social pode operar por acumulação permanente sem destruir os seres humanos e o ambiente.

É um sistema voltado para o lucro infinito em detrimento de direitos e, inclusive, de democracias.

Mas qual a relação desta análise com a educação e a democracia, particularmente esta educação que prima pela competição meritocrática como fundamento de um empreendedorismo individualista, ao invés de se falar em “assegurar direitos” e a inclusão das crianças e jovens nas escolas e universidades?

O filósofo liberal americano John Dewey (1859-1952) dizia que “na hierarquia dos problemas de uma nação, nenhum sobreleva em importância, ao da educação”.

A escola participará da mudança social democrática somente “se ela se aliar a algum movimento das forças sociais existentes”. Não nascemos democráticos nem antidemocráticos.

A “democracia tem que nascer de novo a cada geração, e a educação é a sua parteira”, afirmava Dewey.

Educação e democracia

Sobre esta relação entre a educação e a democracia, o pensador americano é diretivo ao afirmar: “democracia é liberdade”.

A educação para a democracia requer que a escola se converta em “uma instituição que seja, provisoriamente, um lugar de vida para as crianças, em que ela seja um membro da sociedade, tenha consciência de seu pertencimento e para a qual contribua”.

Para tanto, diz o filósofo, têm de corar um entorno social em que os estudantes assumam, por si mesmos, as responsabilidades de uma vida moral democrática. Porém, advertia o educador, o que aborrece é que a maioria das escolas não foi concebida para transformar a sociedade, mas para reproduzi-la, tanto que “o sistema escolar sempre esteve em função do tipo de organização da vida social dominante” (Dewey, 1896).

As escolas, queiramos ou não, veiculam finalidades educativas. Estamos formando a juventude agora. Tais finalidades educativas que orientam todo o currículo são expectativas extraídas de uma determinada forma de concebermos a sociedade que temos ou que desejamos.

Quando pensamos, portanto, na formação dos seres humanos, é importante indagar, antes, que tipo de sociedade queremos construir e, consequente, que tipo de escola precisamos para isso, pois são estas decisões que orientam a própria formação do magistério.

Aliás, para entender estes atos antidemocráticos, de maioria branca e bem nutridos,  bem diferente das 62,5 milhões de brasileiros na linha da pobreza, e destes 17,9 milhões –  ou 8,4% da população – que estão na extrema pobreza (com fome), é preciso reler Dewey e fazermos a autocrítica da necessidade de fortalecer a formação para a cidadania, para a democracia e respeito a pluralidade humana.

Esta educação sobre nossa formação histórica, social, econômica e política se dá, principalmente, por meio das ciências humanas que estão sendo drasticamente reduzidas e/ou excluídas dos currículos escolares e das universidades, tanto mundo afora bem como por meio das reformas educacionais em curso no Brasil: BNCC, reforma do novo ensino médio e currículos mínimos de natureza profissionalizante tecnicista.

Por outro lado, as manifestações preconceituosas de estudantes em algumas instituições de ensino, logo após o segundo turno das eleições, evidenciam que estes espaços formativos por excelência não educam para a convivência democrática em sociedades plurais, diversificadas e desiguais como a brasileira, ou seja, não conhecemos o país que vivemos ao acusar nordestinos, pretos e a população LGBTQI+.

Nesta perspectiva, alerta António Nóvoa (Universidade Lisboa), é a diferença que nos educa. A educação não serve para nos fecharmos no que já somos. Precisa servir para aprendermos a começar o que ainda não somos: seres potencialmente sociais, racionais, éticos e políticos.

A vida, acima de tudo, é coletiva (condominial). Se a vida é o lugar onde vivemos juntos, o nosso planeta, o nosso país, a nossa cidade e a nossa escola é onde devemos exercitar e aprender a viver juntos.

Escola, enquanto espaço comum, é um espaço de educação, de convivência e de formação ética.  Aprender não é um ato individual ou privado, precisa dos outros. É na relação e na interdependência que se constrói a educação. Isolados somente na nossa bolha não aprendemos que nossa potencialidade e riqueza está na pluralidade e diversidade social.

Enquanto muitos segmentos da elite brasileira permanecem contestando a eleição com manifestações antidemocráticas em frentes a quartéis, bloqueando estradas e avenidas urbanas, atentando contra o direito de ir e vir, contra o estado democrático de direito, outros setores, se movimentam e já ocupam os GTs de transição do novo governo, disputando a direção política, intelectual e ideológica da futura gestão federal.

Enquanto o mercado financeiro pressiona e disputa a direção na economia, os futuros gastos e investimentos do país, as Fundações e Institutos Empresariais ocupam espaços nos diversos GTs da transição para prosseguirem com suas políticas educacionais aprovadas a partir de 2016.

O professor Fernando Cássio, pesquisador da UFABC, adverte que o GT da Educação é composto majoritariamente por pessoas que trabalharam na burocracia do MEC nos governos petistas e, por representantes de elites interessadas em ditar as políticas públicas para a educação dos pobres.

Nos interstícios do grupo principal situam-se algumas pessoas historicamente vinculadas às agendas educacionais do campo popular e outras ao debate educacional interno do PT.

A ausência de sindicatos, entidades representativas estudantis e associações científicas da educação é patente.

Articulação

Entusiasta maior da reforma do ensino médio, a coalizão empresarial conhecida como Movimento pela Base está presente no GT através de diversos membros de seu conselho consultivo e de suas organizações mantenedoras e parceiras: Fundação Lemann, Instituto Natura, Instituto Unibanco, Itaú Educação e Trabalho, Cenpec, D3e, FGV Ceipe, Instituto Singularidades, Instituto Sonho Grande e Todos pela Educação. Dos 48 participantes identificados na lista inicial de participantes da reunião, 18 (37,5%) são vinculados de maneira direta a dez organizações privadas associadas ao Movimento pela Base.

A grande agenda educacional das elites nacionais é prosseguir exatamente de onde pararam no governo de Michel Temer, uma vez que o governo Bolsonaro lhes bateu com a porta na cara, pontua Cássio.

Para Henrique Paim, que coordena o GT de transição na área da educação, o princípio é que a política educacional brasileira tem de estar associada ao que chamamos de visão sistêmica.

Precisamos pensar da creche até a pós-graduação. Porque, quando falamos em educação básica, existe um elemento muito importante que é a formação de professores, que se dá no ensino superior. É importante uma ação do ministério que envolva todos esses níveis educacionais e, obviamente, cuidando de cada etapa da educação básica e do ensino superior.

O ex-ministro da educação pontua que tivemos um problema muito sério nesses últimos anos que tem a ver com a pandemia, mas também com a ausência de políticas que gerem oportunidade para os jovens. Isso, de certo modo, acabou levando o país a uma distopia.

Temos uma redução enorme de participação dos jovens, daqueles que concluíram o ensino médio, no Enem. Isso é reflexo da desesperança dessas pessoas com a educação. É também reflexo da necessidade de muitos jovens de trabalhar.

O que temos hoje é um quadro de pessoas com mais recursos enfrentando problemas psicossociais, porque tiveram de ficar em casa no período da pandemia, o que gera uma série de dificuldades, e de outro lado, jovens de famílias pobres que tiveram de sair para trabalhar e não estão voltando para a escola.

Temos de ter uma política de oportunidades no ensino médio, na educação de jovens e adultos, no Ensino Superior e na educação profissional para que esse jovem tenha, quando voltar para a escola, ou quando trabalharmos a permanência dele na escola, uma perspectiva junto ao mundo do trabalho, ao setor produtivo.

Já Eliezer Pacheco, um dos coordenadores do Conselho e membro da equipe de transição, afirma que “os brasileiros serão surpreendidos com políticas ousadas na área da educação. Sabemos que temos muito que avançar para ter uma educação de acordo com as necessidades do país e do povo brasileiro”.

Sinalizou, também, que o PNE é uma referência fundamental para a retomada da discussão educacional com a sociedade, numa visão sistêmica da educação e que, programas como Fies, ProUni e Ciências Sem Fronteiras, devem ser retomados para a inclusão de jovens no ensino superior. valores, valores, valores, valores

Para Dewey a “democracia é liberdade” e para Marilena Chauí a “democracia é a única sociedade e o único regime político que considera o conflito legítimo”.

A filósofa lembra que numa democracia o “direito” difere da necessidade, da carência ou de um interesse. Mas se distingue fundamentalmente do privilégio, que é sempre particular. Os privilégios se opõem aos direitos.

A democracia não pode se confinar a um setor específico. Ela determina a forma das relações sociais e de todas as instituições, ela é o único regime político que é a forma social da sociedade coletiva. Uma sociedade não é um simples regime de governo porque há eleições, respeito à vontade da maioria e das minorias.

A democracia é uma criação social de tal maneira que determina, dirige e controla o poder dos governantes.

Do ponto de vista político, todos os cidadãos têm competência para opinar e decidir. A política não é uma questão técnica nem científica, mas é a ação coletiva, a decisão coletiva quanto aos interesses da própria sociedade.

Portanto, a cultura e o valores da democracia e da cidadania começam na escola, estendem-se por todas as instituições sociais e educacionais, configurando-se em responsabilidade de todas as gerações e de cada um de nós.

Defender a democracia é defender sua liberdade de educar compartilhando inteligências de nossa condição humana. Direitos fundamentais como educação, liberdade, igualdade e democracia são inegociáveis em qualquer transição ou situação. Quem quer faz a hora, não espera acontecer. valores, valores, valores, valores, valores, valores

Gabriel Grabowski é professor e pesquisador. Escreve mensalmente para o jornal Extra Classe.

Do jornal Extra Classe, do Sinpro/RS

Artigos relacionados

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Leia também
Fechar
Botão Voltar ao topo