Sinpro/RS: Novo Ensino Médio — construção pedagógica sem protagonismo docente
O debate e a implantação ocorrem com pouca participação dos professores do ensino privado, aprofundando uma prática recorrente de ausência docente nas construções pedagógicas das escolas particulares do RS
Um dos impactos mais preocupantes do Novo Ensino Médio na vida do professor da rede privada é a possível redução de carga horária de algumas disciplinas em função da mudança curricular prevista com a reforma. Por conta da inserção dos itinerários formativos, que passam a representar 1,2 mil horas, o currículo da formação geral fica mais enxuto, reduzindo das antigas 2,4 mil horas para 1,8 mil. Para a diretora do Sinpro/RS Cecília Farias, os professores não foram adequadamente incluídos no debate sobre o Novo Ensino Médio, o que aprofunda a recorrente ausência docente nas construções pedagógicas das escolas privadas. “Os professores não foram envolvidos nas novas propostas com antecedência. Isso já aconteceu na implantação do ensino fundamental de 9 anos e agora com o ensino médio está acontecendo de novo”, destaca.
O fato de os professores não serem envolvidos no planejamento tem consequências muito sérias, avalia a dirigente, porque é o professor que desenvolverá as ações de planejamento da implantação do Novo Ensino Médio. Ainda que algumas escolas privadas estejam contratando assessorias, Cecília argumenta que o fazem mais no sentido de explicar o que é a reforma, mas que deixa muito a desejar quanto à operacionalização das novas estratégias, uma vez que é o professor que está na ponta desse processo.
Redução de salários
No início de 2022, muitos professores que estavam estáveis economicamente poderão ter seus salários reduzidos em consequência da diminuição da oferta de horas de sua disciplina. “Esse é um grande problema do professor que só aumenta o salário aumentando a carga horária, se diminui a carga horária, diminui o salário. A gente nunca tem estabilidade nesse sentido”, argumenta Margot Andras, diretora de Educação, Formação e Cultura do Sinpro/RS.
A redução de salários é restrita ao ensino privado, não tem risco de ocorrer nas escolas públicas, em que os professores são concursados, com regimes de 20 e 40 horas, acrescenta.
Bruno Eizerik, presidente do Sindicato das Instituições de Ensino Privadas (Sinepe/RS), relativiza o diagnóstico.
Ele afirma que é necessário “tranquilizar os professores”. “Vamos pensar um professor de Sociologia. Acabou a Sociologia? Não, a Sociologia vai estar ali. Talvez não tenha uma disciplina com esse nome, mas quando vou trabalhar conceitos importantes como ética ou cidadania, vou precisar daquele professor que ministrava Sociologia – o fato de não existir mais a disciplina não quer dizer que não vou precisar do professor, ou que vai diminuir a carga horária. Não, nós devemos, inclusive, ter aumento de carga horária para alguns professores”, argumenta.
Educação para o mercado
Margot também alerta sobre os itinerários formadores e os equívocos que podem vir a ser praticados nas instituições de ensino privado, na tentativa de adaptar a escola conforme o desejo das famílias. Um diretor de escola, exemplifica ela, comemorou que um dos itinerários que sua escola irá oferecer será a formação de condutores para que o aluno tire a carteira de motorista no terceiro ano do ensino médio.
Como consequência desses possíveis equívocos relacionados aos itinerários formativos, Margot prevê a perda de espaço reflexivo na escola. Ao buscar atender a uma demanda voltada para o mercado, fruto do anseio das famílias de classe média, e média-alta, a escola irá acabar regredindo na oferta de um ensino que valoriza diferentes pontos de vista, para promover uma educação com a qual “os alunos vão ficar cada vez mais bitolados, cada vez mais engessados em cima de um único ponto de vista”, projeta.
A professora destaca, ainda, a falta de protagonismo do professor nessa discussão. No momento em que os professores fossem chamados a participar das discussões a respeito da construção e implantação do Novo Ensino Médio, especialmente na rede privada de ensino, seria mais fácil a elaboração de propostas de itinerários formativos aproveitando esses professores e seus potenciais dentro de suas áreas de conhecimento, avalia.
Para além dessa disputa de espaço na carga horária, Cecília Farias alerta para o fato de que os profissionais responsáveis por esses itinerários poderão ser profissionais de notório saber. “Isso é uma preocupação muito grande porque não é só a oferta de novos componentes curriculares, mas uma questão de saber como tratar pedagogicamente esses novos componentes curriculares, para que eles sejam inseridos no processo de conhecimento, de aprendizagem”, afirma.
Embora reconheça a necessidade de novos ares no ensino médio, a fim de que haja maior interesse do aluno, “é fundamental que a escola siga como um espaço pedagógico de aprendizagem”, ressalta.