‘Mesmo considerando a relevância social do ProUni, o poder público deve estabelecer mecanismos que possam inverter a lógica do caráter privado da educação superior’

Fabiana Costa é doutora em Educação pela PUC/SP, título conquistado, em 2012, com a defesa da tese “O ProUni e seus egressos: uma articulação entre educação, trabalho e juventude”. Nesta entrevista exclusiva concedida ao Portal da Contee, a ex-vice-presidente da UNE (gestão 2003-2005) e autora do livro “ProUni: O olhar dos estudantes beneficiários” fala sobre as novas perspectivas profissionais e socioeconômicas concedidas pelo Programa aos seus egressos, mas também sobre a necessidade de controle para garantir a qualidade das IES e de expansão das vagas públicas.

Contee – Como foi realizada sua pesquisa e qual o impacto do ProUni detectado pelo levantamento na vida de seus egressos?

Fabiana – A pesquisa foi realizada em 2012 na capital de São Paulo com 150 egressos do Programa de diversos cursos e Instituições. Tivemos por objetivo identificar se o ProUni, enquanto Política Pública de Acesso à Educação Superior, possibilitou melhores condições de inserção no mercado de trabalho, assim como melhorias na condição socioeconômica dos seus egressos.

O acesso à universidade para os egressos do ProUni representou uma nova perspectiva de ampliar o conhecimento, as relações sociais, as possibilidades de formação profissional, acesso ao mercado de trabalho e mobilidade social. Além de todos esses fatores, também aparece como aspecto de grande relevância a conquista de um direito negado até então a esses jovens – o acesso à educação superior.

A maioria dos egressos (85%) trabalhava antes de ingressar na universidade, e se manteve inserida no mercado de trabalho. Desses, temos um número considerável com carteira de trabalho assinada (64,4%), o que corresponde a um aspecto relevante no que se refere ao acesso desses jovens ao mercado formal.

A renda mensal individual dos egressos se concentra nas faixas entre um a cinco salários mínimos, e identificamos que, após a conclusão da graduação, a maioria obteve elevação da renda (72%). Os egressos reconhecem a contribuição da educação superior para a alteração e melhoria da sua condição socioeconômica, através do aumento da renda e mobilidade social.

– Quais outras políticas públicas são necessárias, na sua opinião, para, aliadas ao ProUni, garantir boa formação e boas perspectivas profissionais aos egressos?

– Mesmo reconhecendo a importância do Programa, ações como a melhoria da qualidade dos cursos e auxílio financeiro através de bolsas permanências contribuiriam muito para ampliar essas perspectivas.

No que se refere ao mercado de trabalho, ainda persiste a lógica da valorização da educação numa perspectiva instrumental de formação de mão de obra para atender as demandas do setor produtivo. Além disso, temos a pressão individual de qualificação profissional dos egressos, que são desafiados a estarem cada vez mais preparados para as “disputas” no mercado de trabalho. Nesse cenário, verificamos uma adequação da educação superior, em especial das IES privadas, no sentido de oferecer cursos e formações direcionados para dar conta de atender às novas demandas profissionais.

Os bolsistas do ProUni são levados a disputar os cursos disponíveis nessas IES privadas. Tais cursos nem sempre correspondem às áreas de interesse desses jovens. Os cursos mais concorridos, ou chamados cursos de ponta, geralmente são muito disputados e, dentre as vagas disponíveis, a maioria estão nas IES públicas. Nesse sentido, cabe uma reflexão sobre o mecanismo de uma política pública educacional como o ProUni, que, por um lado, atende à demanda de acesso à educação superior e, por outro lado, não consegue dar conta ainda de enfrentar e superar a questão da qualidade do ensino oferecido por algumas IES privadas.

– O ProUni foi pensado e defendido como uma política transitória, que não poderia substituir a ampliação de vagas e o investimento na educação pública. Como você avalia o ProUni hoje em relação à sua necessidade e execução?

– O Estado deve responder às demandas sociais apresentadas pela sociedade através da implementação de políticas sociais de caráter público em áreas importantes para o conjunto da população, tais como: educação, saúde, transporte, moradia, entre outros.

O ProUni é uma política pública conjuntural. Sendo assim, é permeada por uma série de contradições, no que se refere ao contexto de expansão da educação superior a partir da lógica do setor privado da educação, em detrimento de maior investimento do setor público, em especial à partir da década de 1990.

No caso específico da educação superior, a iniciativa do poder público com a implementação do ProUni surge numa perspectiva de responder de forma imediata à pressão social de acesso, em especial, do público jovem. No entanto, cabe uma reflexão sobre o prazo de validade de uma política como o ProUni: mesmo considerando sua relevância social, o poder público deve estabelecer mecanismos que possam inverter a lógica do caráter privado da educação superior atualmente no Brasil e garantir a expansão de vagas na universidade pública.

– Uma das críticas feitas na época da criação do ProUni, quando se abriu espaço para todas as instituições privadas oferecerem bolsas (e não apenas as filantrópicas, como antes era o objetivo), foi o financiamento de instituições particulares com dinheiro público. Qual sua opinião sobre essa questão?

– A relação do Estado com o setor privado da educação é alvo de críticas por parte dos segmentos educacionais, em especial, pela ausência de um controle maior no funcionamento e na qualidade das IES particulares. Em se tratando do ProUni, um dos principais questionamentos se refere à isenção fiscal concedida às IES que aderiram ao Programa.

Segundo dados do Ministério da Educação de 2005 (ano de criação do ProUni), 85% do setor privado da Educação Superior no Brasil já possuía isenção de tributos totais, no caso das universidades filantrópicas, ou parciais, no caso das instituições sem fins lucrativos. Somente 15% das instituições com fins lucrativos pagavam os impostos. Para estas, o Governo concedeu a isenção de impostos às que aderiram ao programa. Para as demais, a isenção já existia, ou seja, elas só aderiram ao Programa e ofereceram as bolsas.

Neste sentido, o argumento de que houve uma transferência de recursos públicos para o setor privado é relativo, se considerarmos que grande parte das instituições no país (85%) já possuía algum tipo de isenção fiscal.

Mesmo considerando as opiniões divergentes sobre a isenção fiscal, não podemos ignorar o impacto social de uma política pública educacional como o ProUni, que tem como objetivo incluir os jovens brasileiros na universidade e que, desde 2005 até hoje, já beneficiou mais de 1 milhão de estudantes em todo o país.

– O que precisa ser feito na educação para que o ProUni seja de fato uma ação transitória e não se transforme em política permanente? O Brasil é capaz de fazer isso a médio prazo? Ou há, a seu ver, razões que justifiquem a transformação do programa em política de Estado perene?

– Nossa expectativa inicial foi demonstrar a relevância social da implementação de políticas públicas de acesso à educação superior, de modo a contribuir para a redução das desigualdades, possibilitando nova perspectiva socioeconômica aos jovens de baixa renda em nosso país, excluídos da universidade.

Os egressos do ProUni apresentam uma perspectiva positiva em relação à oportunidade de acesso à educação superior que o Programa proporcionou. Consideram a relevância no que se refere às melhorias das suas condições de vida, mas apresentam a expectativa de que cada vez mais o acesso à universidade se afirme como um direito assegurado à juventude, de forma permanente e não mais como uma política emergencial.

É necessário refletirmos que as barreiras sociais superadas pelos egressos do ProUni não podem ser observadas somente numa lógica de conquistas individuais, e sim numa perspectiva coletiva inserida em um contexto favorável de desenvolvimento econômico e social atualmente no Brasil. No entanto, as desigualdades sociais ainda persistem, e o desafio para a inclusão social e educacional da população brasileira ainda se configura como um dos principais desafios do poder público.

A ampliação do acesso à educação, a melhoria da qualidade do ensino e um maior investimento financeiro do Estado é um tema caro aos jovens em todo o Brasil. Neste sentido, o acesso aos níveis educacionais, desde a educação fundamental até o nível superior, isoladamente, não são suficientes para garantir uma ascensão social, mas sem o acesso à educação, certamente torna-se mais difícil uma evolução desses jovens na escala social brasileira.

Da redação

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