As eleições no Congresso e as duas pandemias no Brasil
Ontem, 1° de fevereiro, foi o dia em que o Brasil ultrapassou a marca de 225 mil mortos por Covid-19. Também ontem foi o dia em que a Câmara dos Deputados e o Senado Federal elegeram Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (DEM-MG), os candidatos apoiados por Jair Bolsonaro, às presidências das respectivas Casas. Há uma triste correspondência entre essas duas notícias. Algumas, aliás, que, se não têm uma relação de causa e efeito, podem ser interpretadas como consequências de um mal de raiz comum. A prova de que o Brasil não tem conseguido enfrentar suas pandemias, nem a de coronavírus, nem a do bolsonarismo que a cada dia destrói mais um pouco do país.
Nunca foi sobre corrupção. Assim fosse, Lira — acusado de peculato e lavagem de dinheiro, réu no inquérito da Operação Lava-Jato e investigado por sonegação fiscal — não seria eleito para a Presidência da Câmara. Assim fosse, o PP, um dos partidos brasileiros com mais experiência em escândalos, por assim dizer, não seguiria tendo a influência que tem. Assim fosse, a vitória acachapante de 302 votos contra os 145 do segundo colocado, Baleia Rossi (MDB-SP) não teria se dado após o governo federal liberar mais de R$ 500 milhões em emendas parlamentares às vésperas da votação — enquanto, por causa do teto de gastos, recursos para o auxílio emergencial alega-se que não há. Assim fosse, Rodrigo Maia (DEM-RJ) teria deixado um pouco de lado a notória covardia e aceitado um dos inúmeros pedidos de abertura de processo de impeachment contra Bolsonaro. E, assim fosse, o Brasil não estaria, mais uma vez, nas mãos do fisiologismo do Centrão.
Enquanto sobraram articulações bolsonaristas no Congresso para salvar a própria pele, continuam a faltar — deliberadamente — quaisquer esforços para enfrentar a Covid-19. Pior que isso, esta pandemia é realimentada por aquela, abandonando milhões de pessoas à mercê não de um vírus, mas de uma política de descaso, negacionismo e morte. Neste início de fevereiro já se contabilizaram, oficialmente, mais de 9,2 milhões de infectados, e isso considerando que há uma imensa subnotificação, uma vez que o país testa pouco e não faz rastreio de contágio. E pode até parecer irrisório perto do número total, mas vale citar aqui, nem que seja a título de curiosidade ou de ironia, que 34 desses novos infectados confirmados também ontem são trabalhadores da escola particular Jaime Kratz, localizada no bairro Taquaral, em Campinas. Trabalhadores expostos tanto ao coronavírus quanto à irresponsabilidade e aos interesses de quem acha que se devem retomar as atividades escolares presenciais a qualquer preço, sem levar em conta toda a gama de relações cruzadas que uma escola implica.
Segundo noticiado, a escola, que suspendeu as aulas nesta segunda-feira, havia retomado as atividades presenciais em janeiro e, segundo a instituição, cumpria todos os protocolos de distanciamento, higiene, revezamento de presenças etc. O caso comprova aquilo que a Contee vem defendendo há meses: que o retorno às aulas presenciais só pode ocorrer com garantia sanitária, que não existe agora enquanto o Brasil continua a contabilizar centenas — às vezes até mais de mil — mortos diários. Só que criar protocolos de fato seguros contra a Covid-19 depende de que se criem também protocolos anti-Bolsonaro. Para tentar vencer a Covid-19 ainda temos a expectativa da continuidade e do aumento da vacinação, a despeito dos esforços contrários do governo federal, que parece ter um prazer mórbido em contribuir para que se imunize pouco e ainda mais devagar. E para derrotar Bolsonaro, o que temos?
Por Táscia Souza