Lógica perversa da financeirização do ensino superior agrava doenças físicas e psicológicas de professores
Desde a década de 1980 e com mais ênfase na década de 1990, pesquisadores já apontavam a existência de uma realidade cruel para os professores, invadidos em sua privacidade pelo trabalho e sem tempo para se dedicar à família e/ou ao lazer. No entanto, o processo de financeirização e desnacionalização do ensino superior no país tem agravado essa situação. É o que percebeu a psicóloga e professora Liliana Aparecida de Lima em sua tese de doutorado “Os impactos das condições de trabalho sobre a subjetividade do professor de ensino superior privado de Campinas”, defendida junto à Faculdade de Educação da Unicamp, sob a orientação da professora Elisabete Monteiro de Aguiar Pereira.
O levantamento feito por Liliana aponta que 88% dos docentes que atuam no ensino superior privado em Campinas estão estressados; 76% têm a vida privada invadida pelo trabalho, que retira o tempo de convívio com a família, os amigos e o lazer; 52% temem perder o emprego e, para evitar o desemprego, muitos trabalham em mais de uma escola; e 52% manifestam doenças físicas e psicológicas. “Os dados são ainda mais alarmantes se considerado que – pasmem! – a maioria dos entrevistados só tem dez anos de profissão”, destaca.
A elevada carga de trabalho, aliás, foi evidenciada logo antes da pesquisa, quando a professora verificou a indisponibilidade dos professores para entrevistas presenciais, devido à sobrecarga ou mesmo por desconfiança. A solução foi enviar um questionário com perguntas objetivas e também discursivas, para que pudessem se manifestar livremente sobre suas vidas como trabalhadores da educação. Dos cem convites enviados, ela obteve 29 respostas em retorno, número expressivo para uma pesquisa qualitativa.
“Com o levantamento bibliográfico que fiz, verifiquei que já desde a década de 1980 existem pesquisas que apontam o professor sem tempo, invadido em sua vida privada… Nesse sentido a tese não traz novidade. A grande novidade da pesquisa, na verdade, é verificar que tem sido muita mais intensa essa avalanche em cima do professor. A intensificação já se configurava, mas vamos vendo o piorar da situação.”
A pesquisa foi motivada não só pela atuação de Liliana na psicologia, mas, principalmente, por sua trajetória profissional, como professora da PUC de Campinas, e sindical, como diretora do Sinpro Campinas e Região, filiado à Contee. Justamente por esse último fator, Liliana conhece de perto a realidade da forte expansão do ensino superior privado a partir da política neoliberal adotada na década de 1990, com a financeirização e a desnacionalização do ensino, que a Contee e suas entidades filiadas têm combatido com veemência ao logo dos últimos anos.
Para a autora da tese, portanto, o cenário de mercantilização do ensino se manifesta na precariedade das condições de trabalho dos professores, o que contribui para os resultados perversos de estresse, temor e adoecimento verificados na sondagem. Questionada sobre a importância da regulamentação da educação privada para mudar esse quadro, Liliana ponderou que a regulamentação é essencial, mas que outras conquistas precisam vir juntas. “Temos que estar atentos para como se dará na prática essa regulamentação. Quais serão os dispositivos? Quem serão os atores? É necessária uma regulamentação pela nossa ótica: classista, de desenvolvimento soberano para o país… Que a educação tenha de fato um papel protagonista.”
Além de lutar pela regulamentação nesses moldes, cabe às entidades sindicais que representam os trabalhadores em educação do setor privado trazer a categoria para os espaços de discussão, ainda mais considerando que, a despeito das dificuldades, 68% dos docentes não mudariam de profissão. “Como professora, faço considerações políticas na tese: defendo que nós, do movimento sindical, não abandonemos os espaços de reunir os professores, os quais acreditam na educação”, salienta. “Vemos hoje os esvaziamentos das assembleias e outros espaços sindicais…. Está difícil mobilizar os professores e os trabalhadores em geral. O liberalismo quebrou isso. Então, o que fazer para trazer esse professor de volta? É importante que o movimento sindical possa ser criativo para que essas subjetividades dialoguem, que se unam enquanto identidade.”
Da redação