Que pandemia matou Marielle?
A Organização Mundial de Saúde (OMS) anunciou nesta semana que a rápida propagação do novo coronavírus pelo mundo, com mais de 118 mil casos em mais de 120 países, resultando, até agora, em mais de 4.200 mortes, já se configura como uma pandemia. O alto nível de alerta fez com que médicos e cientistas recomendassem que se evitem aglomerações e deu início, no Brasil, ao que já vinha acontecendo em outros países: cancelamento de eventos, espetáculos, shows, aulas, atos públicos.
As centrais sindicais e movimentos sociais decidiram ontem (12) manter as mobilizações programadas para os próximos dias. A próxima quarta-feira (18) segue sendo o dia nacional de luta da classe trabalhadora contra as pautas que continuam a destruição de direitos, como a Medida Provisória (MP) 905, do Contrato Verde e Amarelo, e as decisões do governo de Jair Bolsonaro que desmontam áreas como a saúde — num momento em que o SUS é ainda mais imprescindível — e a educação públicas. E este sábado (14) continua sendo o dia de lembrar a morte de Marielle Franco, vereadora do Rio de Janeiro assassinada em 2018 junto com o motorista Anderson Gomes, e cobrar a resposta a pergunta que não se pode calar: quem mandou matá-la?
É claro que as entidades sindicais e os movimentos sociais estão cientes da gravidade do quadro de propagação do coronavírus e em estado de avaliação permanente da situação. É claro também que há uma preocupação os trabalhadores e trabalhadoras que estão mais expostas, como quem atua no transporte público e nos hospitais e postos de saúde. Mas é igualmente claro que há outras doenças severas sobre as quais a sociedade precisa ser alertada e que precisam ser combatidas. A que destrói direitos trabalhistas e sociais — deixando, inclusive, a população à deriva em casos extremos como o de agora — é uma delas. A que matou Marielle também.
Marielle Franco foi morta pela mesma epidemia que mata mulheres todos os dias. Pela mesma epidemia que mata, sobretudo, mulheres negras. Foi morta pela epidemia que silencia quem se atreve, como ela se atreveu, a denunciar as milícias. Pela epidemia que levou pessoas ligadas a essa mesma milícia ao poder. Foi morta pela epidemia que ataca quem se levanta contra injustiça social. Vítima da epidemia que assolou o Estado e o contaminou com o crime organizado.
No vocabulário médico, talvez o erro seja tratarmos como surto — a eleição de Jair Bolsonaro; o desastre completo que representa sua presença da Presidência da República; o envolvimento do nome de sua família nas investigações sobre o assassinato de Marielle; o apoio ainda persistente de alguns grupos a um governo inepto, autoritário, antissocial e protofascista; a ameaça de golpismo… — o que já é uma pandemia.
Uma doença infecciosa atinge esse patamar quando afeta um grande número de pessoas espalhadas pelo mundo. O assassinato de Marielle e tudo o que ele representa afeta um país inteiro. A destruição de direitos trabalhistas afeta um país inteiro. O desmonte da educação e da saúde afeta um país inteiro. O coronavírus é uma ameaça da qual precisamos nos prevenir, mas essas são doenças que também podem — e com as quais querem — nos matar. Por isso a mobilização é fundamental: para o povo, a defesa da saúde, em todos os sentidos, reais e figurados; para a memória de Marielle, a exigência de justiça.
Por Táscia Souza