Saaemg: Entrevista com a professora Helcimara de Souza Telles sobre a ‘nova direita’
Nessa onda de reformas impopulares após o golpe contra a presidenta Dilma Rousseff, o governo de Michel Temer conta com o apoio da chamada “nova direita”, que tem no Movimento Brasil Livre (MBL) um dos seus representantes. Embora usem uma linguagem jovem, essa turma tem apoiado atos de censura contra artistas e professores para desviar o foco do governo e dos seus aliados políticos que já aprovaram a “Reforma” Trabalhista e agora ameaçam a aposentadoria da população. Para entender esse momento político, o Ponto de Vista conversou com a professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Helcimara de Souza Telles. Doutora em Ciência Política pela USP, ela é atualmente professora do Departamento de Ciência Política da UFMG e coordenadora do Grupo de Pesquisa “Opinião Pública, Marketing Político e Comportamento Eleitoral.
Leia abaixo a entrevista
Professora, parece que surgiu no país uma espécie de “nova direita”. Existem estudos que comprovam esse fenômeno? Se sim, quais os valores desse grupo?
Sim. Esses grupos consideram que o principal problema do Brasil seria a corrupção. Os manifestantes que protestavam contra o governo Dilma Rousseff expressam uma forte resistência às políticas de bem-estar social que foram produzidas ao longo das últimas administrações federais.
Eles possuem semelhanças com os antigos conservadores no apoio a políticas punitivistas, ou seja, o direito a portar armas, apoio a redução da maioria penal e defesa de pena de morte.
Nós também verificamos nesses grupos da nova direita a dimensão da democracia. Se eles eram democratas ou não, tendo em vista que os indivíduos que participavam das manifestações contra o governo Dilma apoiavam o direito às manifestações públicas. Esses indivíduos que nós observamos se apresentam como ambivalentes. A maior parte deles concorda com a democracia, mas 51% deles acham que em caso de “desordem” as forças armadas podem ser chamadas a tomar o poder.
E quais os valores que nós encontramos? Um forte antipetismo naquele momento, uma consideração de que o Partido dos Trabalhadores (PT) era o responsável pela corrupção. Por outro lado, e mais forte do que isso, era o fato de que esses manifestantes não defendiam políticas igualitárias, políticas de inclusão dos pobres, na participação do Estado de bem-estar social.
Por outro lado, entre esses manifestantes, nem todos eram de direita radical. Mas existia aí uma parcela coordenada pelo Movimento Brasil Livre (MBL) que acabou intensificando e radicalizando essas políticas anti-igualitárias. Além disso, eles tomaram para si pautas muito moralistas do século 19, anti-civilizatórias e fundamentalistas.
Em 2016, o Ministério Público concluiu que as chamadas “pedaladas fiscais”, motivo do impeachment de Dilma Rousseff, não foram crimes de responsabilidade. O Brasil vive um período de exceção?
O Brasil vive uma democracia incompleta ou semi-democracia. A censura está de volta com grupos de direita ameaçando artistas e professores. Nós não temos garantias individuais e vários direitos estão sendo jogados por terra. Temos um governo que não dialoga com a opinião pública, extremamente impopular, um governo que conquistou o poder graças a um golpe parlamentar dado por um grupo insatisfeito com a presidenta.Quando a gente observa que não pode haver divergências de ideias, um debate plural, que a sociedade torna-se cada dia mais intolerante, a gente começa a questionar se o Brasil é, de fato, uma democracia. Nós estamos num momento trágico da democracia brasileira. As instituições não funcionam, o Judiciário brasileiro toma atitudes que são imprevisíveis e faz interpretações das leis de forma subjetiva. Há um crescente poder dos Juízes e da Justiça que agem a partir de suas crenças políticas e ideológicas e não de acordo com a imparcialidade.
Qual é a sua análise em relação a Operação Lava-Jato?
A Lava-Jato perdeu-se a partir de diversos atos que produziu, sendo questionada na legalidade dos seus próprios atos. Não se questiona os fins da operação, que é a busca para se tornar o país menos corrupto. O que é questionado são os meios empregados e utilizados para alcançar esses fins. Não se coloca aqui o fato de que líderes políticos ou empresariais devem ser investigados e presos se for o caso depois de julgados. O que se coloca é que existe um Estado democrático de direito. As normas devem ser respeitadas e qualquer ação de punição deve ser dentro dos marcos de uma legalidade, dos procedimentos, se não corremos o risco de cair num estado de olho por olho e dente por dente, onde cada Juiz faz justiça com as suas próprias mãos. Inclusive, é bom lembrar que Juiz não é Deus, não tem essa capacidade de acertar, de prever, ele não é nenhum milagreiro. Então, a Lava Jato tenta se colocar como uma operação acima do bem e do mal como se a política devesse ser eliminada. Se você elimina a política, você cai no sistema autoritário. A política deve persistir porque é o principal meio para se chegar a consensos e soluções.
Muito se fala que existe hoje no país uma campanha de criminalização dos partidos de esquerda. Qual a sua opinião?
Hoje nós temos no Brasil e em outros países o crescimento de uma direita radical. Esses grupos, ao invés de debaterem ideias, são intolerantes. Não debatem, não propõem e esforçam-se para criminalizar aqueles que pensam diferente deles. Eles enxergam o outro não como adversário, mas como inimigo e o que se faz com o inimigo? Elimina-se completamente do cenário político. Então existe, de fato, um crescimento muito grande da intolerância produzida pela nova direita radical que pretende por meio de ações, atos e omissões criminalizar e eliminar qualquer pensamento contrário ao seu.
O deputado federal Jair Bolsonaro é resultado dessa onda conservadora que existe hoje no país?
Recentemente, eu fiz um artigo muito grande para explicar essa nova direita radical no Brasil. Uma das características dessa direita alternativa é aquilo que se chama de um nacionalismo. No caso dos Estados Unidos (EUA), por exemplo, é chamado de nacionalismo branco porquê não é um nacionalismo inclusivo.
A segunda característica é o anti-feminismo. Porque o anti-feminismo? Por que são grupos que se organizam em torno da virilidade. Esses grupos inventaram a categoria “Ideologia de Gênero”. Não existe a categoria ideologia de gênero. Isso é uma outra discussão e por desinformação a população passa a acreditar que existe uma ideologia de gênero separatista, de supremacia das mulheres sobre os homens. Isso é absolutamente falso. Eles começam a tratar pela ideia de masculinidade uma série de inverdades nas redes sociais que são chamadas de pós-verdades ou fake news.
Outra característica desses grupos é o fato de se organizarem nas redes sociais buscando o eleitor e os jovens. E para isso eles usam uma linguagem muito fácil que é a linguagem dos memes, das caricaturas. Portanto, trata-se de um nacionalismo branco, excludente, racista, anti-feminista e no caso do Brasil com características homofóbicas. O candidato Jair Bolsonaro tem todas essas características dessa direita radical e intolerante.
E dentro desse nacionalismo “branco”, é possível falar sobre qual o papel do Estado para esse grupo?
Eles desejam um Estado forte, mas esse Estado forte não significa um Estado interventor (políticas públicas), mas um Estado punitor, um Estado que funcionaria através do castigo, do punitivismo, por isso que eles pretendem armar a população, ou seja, uma segurança feita individualmente pelos cidadãos e não pelo Estado. É o retorno ao não Estado. É o chamado Estado de Natureza, onde os homens poderiam, através das suas forças físicas ou das suas armas matar uns aos outros.
A proposta do Bolsonaro é o retorno a pré-política, é a ausência total da política. Mas veja, o Bolsonaro surge num clima total de falência institucional, falência das instituições, de descrença nas instituições, onde as pessoas imaginam que nem os Estados e nem os partidos políticos vão representá-las em suas demandas. Esse fenômeno não é novo na história da humanidade. Isso aconteceu, por exemplo, nos momentos que antecederam o fascismo e o nazismo quando a palavra era lei e ordem. No Brasil, o número de mortes por violência chega 60 mil por ano e isso corresponde a soma de 112 países juntos. Então, a sensação de desordem, de violência física, de não ter direito a vida é tão forte que as pessoas calam-se diante dos crimes que o próprio Estado comete ou que os indivíduos cometem.
Foi aprovada em outubro uma reforma política que foi criticada por alguns, que a chamaram de “remendo eleitoral”. A senhora também avaliou dessa forma?
Essa reforma não foi uma reforma e sim uma minirreforma eleitoral. O país já tinha aprovado uma reforma política em 2015 que reduziu o tempo de televisão. Essa mini-reforma aprovada recentemente vai mexer basicamente na questão das coligações. Na minha opinião é um avanço pois você reduz a possibilidade de coligações. Também é um avanço que nas próximas eleições você possa ter a cláusula de barreira. Essa cláusula vai impedir que todos esses pequenos partidos entrem na disputa. Hoje o Brasil tem na Câmara dos Deputados 28 partidos. Isso dificulta a negociação e a governabilidade. Por outro lado, isso pode punir pequenos partidos de esquerda? Pode. Mas é importante que os partidos de esquerda consigam aliar-se e tornem-se pelo menos médios partidos e dessa forma possam ter representação no Congresso Nacional. Mas em nome de resguardar um ou dois partidos pequenos de esquerda, nós não podemos permitir que todos os outros que não são de esquerda, e sim quase legendas de aluguel, tenham representação no Congresso Nacional.
Por Anderson Pereira, do Saaemg




