“A exploração do trabalho se dá na intensificação e no tempo de dedicação ao trabalho”, afirmou a professora Fabiane Previtali
Nesta segunda (2/9), a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino, realizou mais uma edição do Programa Contee Conta. Dialogamos com a professora titular da Universidade de Uberlândia, Fabiane Santana Previtali, sobre o tema: O Mundo do Trabalho em Tempos de EaD, Inteligência Artificial, Plataformas Digitais e Reforma Trabalhista. O bate-papo foi conduzido pelo coordenador-geral em exercício, Alan Francisco de Carvalho.
Segundo a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), 25% dos empregos podem ser impactados por automação com tecnologias de IA na América Latina, sendo que aproximadamente 30 milhões de empregos estariam em risco até 2026 no Brasil e mais da metade deles ameaçados em todos os municípios brasileiros até 2040. O cenário do mundo do trabalho mediado pelas tecnologias, pela uberização e pejotização é preocupante e pede reflexões.
A professora Previtali começou dizendo que o mundo do trabalho hoje é o mundo da disputa, é o mundo da luta de classes e que a reforma trabalhista emplacada pelo ex-presidente Michel Temer desregulou o trabalho e regulou muito bem para o capital. No ensejo, ela falou a respeito da reestruturação produtiva dos anos 70, do século XXI para os anos 80, pinçando o modo de ser do capital na sua relação com o trabalho, onde a linguagem vai sendo transmutada, surgindo, por exemplo, a figura do colaborador no lugar do funcionário. Ela explicou que o capital com esse novo conceito busca vender a ideia de valorização, mas na verdade não passa de uma “burla”, como diz o professor Ricardo Antunes.
“Porque se eu for colaborador, eu vou fazer se eu quiser, quando eu puder, do meu modo. E não é isso que acontece na relação do trabalho. Quando a empresa X lá fala, colaborador fulano de tal, venha cá, se apresente, é uma exigência do contrato de trabalho, mas um contrato precário que elimina até mesmo esse dado básico de que estamos em relações opostas, o empregador e empregado”, sinalizou Previtali.
A professora também destacou que essa nova realidade do mundo do trabalho traz muitas mudanças aparentemente contraditórias. Numa ponta está um conjunto de trabalhadores muito qualificados, com formação superior disponíveis mundialmente, globalmente, e na outra encontra-se uma massa enorme de trabalhadores e trabalhadoras, subempregados, altamente precarizados naquilo que são os direitos básicos e nas condições mais essenciais do trabalho digno.
“Nós estamos hoje na quarta revolução industrial, com um grau tecnológico altíssimo, com inteligência artificial, com as máquinas se comunicando entre si, substituindo o trabalho humano e a jornada de trabalho não diminui”, enfatizou.
A professora ponderou que com essas transformações atuais, em que se desenha uma sociedade robotizada, com a presença marcante das plataformas digitais, a uberização vem transversalizando todas as profissões, “desde os trabalhos que podemos chamar de atividades mais manuais, como é o trabalho do entregador de comida, até aquele trabalho do engenheiro que está mexendo com o software. O que se coloca agora é o não emprego. É o trabalho sem emprego”, salientou. A professora chama atenção para o trabalhador sem vínculo, sem direito chamado equivocadamente de “empreendedor”, quando na verdade se trata do “novo proletariado”.
Previtali desconstruiu a ideia de que automatizando o trabalho fica mais fácil, se tem mais tempo livre e haverá menos obrigações. “Primeiro, ao informatizar eu estou expulsando alguém que fazia esse trabalho. Segundo ponto, quando essa pessoa deixa de existir e eu informatizei, quem alimenta o sistema é aquele trabalhador que ficou. Ele vai fazer mais tarefas, ele vai aumentar o tempo que ele tem que dedicar ao trabalho”, esmiuçou.
O quadro da educação nesse cenário de plataformas digitais
Ao se referir a EaD, Previtali argumentou: “eu tenho a indeterminação do tempo do trabalho e tenho a luta também contra o assédio moral nesse trabalho, especialmente pela cobrança dos resultados, das metas. Essas questões estão juntas e são importantes de serem enfrentadas mesmo pelos trabalhadores e pelos sindicatos”.
Na sequência, Previtali ressaltou que a educação é uma área majoritariamente feminina. Disse que na educação infantil mais de 90 % são mulheres. Na educação 1 e 2 chega aproximadamente a 80%. Muda um pouquinho no ensino médio. Informou que as tecnologias adentram nesse espaço de trabalho feminino, desconsiderado como profissão, do ponto de vista das relações patriarcais que a gente vive nesse país.
“Há um desprestígio do trabalho feminino na educação. E esse é um elemento da maior precarização desse trabalho. Se a gente pegar os dados ali da educação e como que as mulheres são atingidas, a gente vai ver que o número de adoecimento é muito maior nas mulheres, o estresse é maior nas mulheres, por conta da dupla jornada. As mulheres trabalham fora e em casa. A exploração do trabalho se dá na intensificação e no tempo de dedicação ao trabalho. Há uma pressão enorme das empresas, o de não reduzir a jornada de trabalho. Chega-se a dizer que não precisa ter tempo de trabalho, trabalha-se quando quer, o que não é a realidade”, contextualizou.
Outra questão preocupante são as salas virtuais abarrotadas. Uma sala que deveria ter 50 alunos é ocupada por 1 mil. O professor é obrigado a se sujeitar ao ensalamento. “O professor dá um grande aulão para polos em várias cidades de uma mesma região, ao mesmo tempo, mas ele é pago por duas horas-aula, ele é pago por uma turma, como se fosse uma turma de 50 alunos”.
Na oportunidade, o coordenador-geral em exercício, o professor Alan pontuou que uma das linhas de luta dos sindicatos de professores de todo o Brasil sempre foi limitar o número de alunos em sala de aula, que girava em torno de 40 alunos, aí vem EaD e possibilita o ingresso de 400 e muito mais.
O quadro permite dizer que “mais uma vez a tecnologia, sob o jugo do capital, é um auxílio a elevar a taxa de exploração da força do trabalho. Não se reduz a jornada, muito pelo contrário, faz com quem os trabalhadores estejam quase o tempo todo envolvidos com isso, pela uberização, por uma série de coisas. A sensação que temos é que a maneira que vem sendo tratada essa questão da EaD é de superexploração da força de trabalho dos professores, dos auxiliares e assim por diante. O ‘direito à preguiça’ defendido pelo autor Paul Lafargue não se consegue ter”, evidenciou.
Complementou dizendo que essa situação foi um dos fatores que levou o MEC a publicar a portaria 528/2024 suspendendo a abertura de cursos EaD até março de 2025 para se buscar uma regulamentação. Emendou afirmando que a Contee inclusive está com uma campanha nesse sentido, a entidade vem batalhando para firmar um Acordo Nacional Coletivo, no intuito de regular minimamente esse segmento que cresce de maneira desgovernada e aprofundando as mazelas.
Por fim, a professora Previtali abordou sobre a pejotização do trabalho docente, em que comunga mais uma vez do pensamento do professor Ricardo Antunes, considerando mais uma “burla” de uma relação trabalhista, mais um grande retrocesso. Previtali elucidou que com a pejotização os concursos de professor estão desaparecendo e os contratos temporários aumentando. O Brasil está repleto de empresas que contratam professores e são empresas Uber.
“Eu tenho um professor que é contratado e ele se incorpora a uma plataforma para poder dar aula. Cada vez mais as empresas privadas estão se utilizando do professor empreendedor, do professor PJ, porque ele não contrata mais o seu professor, ele tem um leque de professores, contrata sazonalmente, temporariamente. O professor trabalha naquela escola, ele vai quatro, cinco vezes por semana. Ele vai dois turnos, mas como se não tivesse vínculo nenhum. Não tem direitos”, externou Previtali.
Assista o programa completo:
Por Romênia Mariani