SNE aprovado pela Câmara não contempla direitos constitucionais e necessidades da educação brasileira

Por Railton Nascimento Souza

A Constituição Federal (CF) de 1988 elevou a educação à condição de primeiro- que antecede a todos- dos direitos fundamentais sociais (Art. 6º), visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (Art. 205); determinando que “A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino”, conforme Art. 211; e, ainda, que seja estabelecido, por lei ordinária, plano nacional de educação, com duração decenal, com o objetivo de articular o sistema nacional de educação em regime de colaboração (Art. 214).

Não obstante a obrigatoriedade de observância integral desses comandos constitucionais, passados 37 anos da promulgação da CF- que serão completados aos 5 de outubro próximo vindouro-, decorridas 10 legislaturas- computando-se a que iniciou em 1986-, e se sucedido 8 presidentes da República- dois não completaram seus mandatos, Collor, afastado em 1992, e Dilma, em 2016-; até hoje, o Brasil ainda não aprovou seu sistema nacional de educação, que, aliás, é bandeira histórica, desde 1934, portanto, há 91 anos. Importa dizer: nesses 37 anos que se passaram, desde a promulgação da CF, que equivalem a quase duas gerações, a educação ainda não foi erigida à condição de direito social que precede a todos.

Somente em 2019, com o projeto de lei complementar (PLP) 235, de origem no senado, é que, efetivamente, teve início a discussão legislativa sobre a criação e regulamentação do sistema nacional de educação (SNE). Esse PL tem tramitado com a lentidão que, propositadamente, se reserva a projetos que sob a ótica do Congresso Nacional não trazem a marca de prioridade e de grande relevância.

Ao início de 2022, o Senado concluiu a votação do referenciado PL, aprovando texto tímido, que apesar de encerrar alguns importantes avanços, nem de longe se mostra fiel aos comandos constitucionais nem dá respostas aos desafios que decorrem da realidade educacional.

De início, cabe ressaltar que o texto aprovado pelo Senado, passa quase ao largo do ensino privado, fazendo tão somente pontuais referências a ele, no tocante à avaliação; como se a CF, dele, não exigisse cumprimento das normas gerais da educação e autorização e avaliação do Poder Público (Art. 209).

Para que se tenha a dimensão do que o ensino privado representa no contexto da educação brasileira, destacam se, aqui, alguns indicadores colhidos dos censos escolares de 2023, da educação básica e superior. Em 2023, havia mais de 42 mil instituições de ensino privado de educação básica, abrigando 9,4 milhões de matrículas, contando com 566.858, dos 2.354.194 de professores, que se ativavam nesse nível de educação.

No ensino superior, havia 2264 instituições, concentrando nada menos que 7.907.652 matrículas, das 9.976.782, equivalentes a 79% do total; com 150.367, dos 327.966 professores ativos nesse nível de ensino. Sendo imperioso registrar que o número de professores de ensino superior, em 2013, totalizava 181.302, dos 321.700 que nela se ativavam. Constata-se, portanto, que, enquanto o número de matrículas, em IES privadas, cresceu 45,86%, o de professores, caiu 20,62%.

Esse gigantesco quadro, a rigor, ficou fora do sistema nacional de educação, como se o ensino privado não fosse parte integrante dos objetivos da educação, ditados pelo citado Art. 205 da CF; com se as condições de aprender e ensinar nele não tivessem importância; como se a carreira dos profissionais da educação escolar (professores e administrativos), que nele se ativam não refletisse na qualidade do ensino ministrado. Em uma palavra: como se o ensino privado se revestisse da condição de mera mercadoria, ao sabor do mercado.

Fiel aos fundamentos, princípios e garantias constitucionais já mencionados, como expressamente consagrado em seu Estatuto Social, a Contee apresentou à Câmara Federal três significativas emendas, de incomensurável dimensão e relevância social, que foram abraçadas pela deputada federal Alice Portugal; que são as seguintes:

1 O Sistema Nacional de Educação é constituído pela integração do sistema federal, dos sistemas estaduais, do sistema distrital e dos sistemas municipais de ensino, tanto na esfera pública como na esfera privada.

2 Implementar um sistema nacional de avaliação de educação pública e privada com um conselho federal, estadual e municipal com a participação de estudantes, professores, instituições públicas e privadas. O Sistema Nacional de Educação é constituído pela integração do sistema federal, dos sistemas estaduais, do sistema distrital e dos sistemas municipais de ensino, tanto na esfera pública como na esfera privada.

3 Desenvolver o sistema nacional de avaliação subordinada ao conselho, que inclui o SINEAB e o SINAES em substituição ao IDEB, de modo a superar a centralidade conferida a avaliação como medida de resultado e instrumento de controle, ranqueamento, concorrência e competitividade no campo educacional.

Pois bem! Após tramitar na Câmara Federal, por mais de três anos, o PLP 235/2019 foi aprovado pelo Plenário, aos 3 de setembro corrente, sem contemplar nenhuma das emendas propostas pela Contee; e, o que é pior: reduzindo o já tímido alcance do texto aprovado pelo Senado. Ou seja, aos olhos da Contee, descumprindo às escâncaras os comandos constitucionais.

Como bem pontuou a entidade coirmã CNTE, que representa os profissionais da educação nas redes públicas de todas as unidades da Federação, “Para a CNTE, a Câmara dos Deputados perdeu a oportunidade de estabelecer um Sistema Nacional de Educação que efetivamente garanta as condições para elevar a qualidade da educação em todo território nacional. Entre os problemas da proposta, destacam-se:

1 – O retrocesso na gestão democrática, ao prever o Fórum de Educação apenas na esfera federal, facultando aos estados, DF e municípios a instituição desses colegiados de participação da sociedade civil. O atual PNE garante os Fóruns em todas os entes federados.

2 – A tímida regulação da educação privada, que se condiciona basicamente aos sistemas de avaliação institucional.

3- A falta de orientação concreta para a construção do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica, ficando a conquista do SINAEB condicionada a futuros embates com os gestores da administração federal.

4- A insuficiente perspectiva de elevação do financiamento público educacional, sem indicação de novas fontes e sem fixar prazos para estabelecer o Custo Aluno Qualidade.

5- A ausência de mais normas que vinculem todos os sistemas de ensino, inclusive em relação às orientações das instâncias gestoras do SNE.

6- A desresponsabilização dos gestores que descumprirem os regramentos educacionais”.

A Contee concorda, plenamente, com esses registros feitos pela CNTE, além de reafirmar seu entendimento de que o não acolhimento das emendas que propôs ao PLP sob comentários, o SNE que dele resultará, com todo o respeito aos que entendem de modo diverso, não ultrapassa a fronteira de projeto de sistema, que não enfrenta os anseios sociais e os desafios da educação. Notadamente, se o Senado, que o recebe de volta, tendo em vista as alterações nele promovidas, não as rejeitar; todas em prejuízo de seu conteúdo, insista-se, já de pequeno alcance.

A esperança é a de que o Senado, ao menos, rejeite todas as alterações em prejuízo da educação, promovidas pela Câmara Federal.

Por derradeiro, é importante salientar que a aprovação do Sistema Nacional de Educação reveste-se na condição de medida essencial, para assegurar o direito à educação com equidade, qualidade e gestão democrática, conforme previsto na CF; abarcando, em todos os aspectos, as instituições de ensino públicas e privadas.

*Railton Nascimento Souza é Coordenador-Geral da Contee*

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