STF impõe mais barreiras ao acesso à Justiça do Trabalho

Por José Geraldo Santana de Oliveira*

A via crucis de caça aos direitos trabalhistas, pelo Congresso Nacional, e cassação deles, pelo STF, inaugurada com a (de) reforma trabalhista de 2017, tem uma estação no STF, com o julgamento da reclamação (RCL) 77139, pela 2ª Turma, no último dia 7 de outubro corrente.

Essa reclamação tinha por objetivo cassar decisão do TST, que reconheceu os valores de cada pedido, descrito na petição inicial, apenas como indicativos e não definitivos. Sem nenhuma surpresa, o STF fez o que, infelizmente, já é de costume: julgou-a procedente. Ou seja, anulou a decisão do TST.

Muito embora essa decisão, bem como outras com igual teor- como a RCL79.034, de relatoria do Ministro Alexandre de Moraes-, não seja(m) dotada(s) de efeitos vinculantes, baliza(m) a jurisprudência do STF, como sempre, em prejuízo do mundo do trabalho e, claro, em prol do capital.

Em 2018, o Conselho Federal da OAB ajuizou a ADI 6002- agora, sob a relatoria do ministro Cristiano Zanin-, com a finalidade de obter a declaração de inconstitucionalidade do dispositivo legal que faz a descabida exigência sob comentários. Até hoje, sem julgamento.

Para mais-bem entender a decisão em questão, há de se recorrer à (de) reforma trabalhista de 2017. Sem demonstrar qualquer preocupação com o sistemático e crescente descumprimento dos direitos trabalhistas mais elementares, o Congresso Nacional, maior caçador deles, incluiu vários dispositivos na CLT, por meio da Lei N. 13467/2017, que buscam   inviabilizar ou, ao menos dificultar, o acesso dos/as trabalhadores/as à Justiça do Trabalho, visando a resgatar o que lhe foi sonegado.

O Relatório Anual da Justiça do Trabalho, referente ao ano de 2024, contém dados estatísticos, que comprovam o festival de descumprimento dos direitos trabalhistas, que o Congresso Nacional, com a (de) reforma trabalhista, visou a dar guarida total, como já dito.

Logo na sua apresentação, o citado Relatório registra que, no ano de 2024, foram recebidos 4.090.375 processos, dos quais 3.599.940 representam casos novos; aos quais se somaram 1.784.650, que estavam pendentes. Com isso, o ano de 2024 encerrou-se com 5.875.025 processos reclamando direitos desrespeitados.

A realçada apresentação anota, também: “As três principais atividades econômicas que concentraram maiores quantitativos de Casos Novos foram os Serviços Diversos (27,9%), a Indústria (20,6%) e o Comércio (13,1%). Os assuntos mais recorrentes foram adicional de insalubridade, verbas rescisórias, multa de 40% do FGTS, multa do art. 477 da CLT e indenização por dano moral, evidenciando que a maior parte dos casos trazidos à Justiça do Trabalho cuida do inadimplemento de direitos básicos”.

Para o caso que enseja este texto, em forma de alerta, o dispositivo inserido na CLT, que se inclui no rol dos que têm por objeto a interposição de barreiras ao acesso à Justiça do Trabalho, é do Art. 840, § 1º, da CLT, que determina:

“Art. 840

A reclamação poderá ser escrita ou verbal.

Sendo escrita, a reclamação deverá conter a designação do juízo, a qualificação das partes, a breve exposição dos fatos de que resulte o dissídio, o pedido, que deverá ser certo, determinado e com indicação de seu valor, a data e a assinatura do reclamante ou de seu representante – grifou-se.

Quem definiu com precisão essa mal-intencionada exigência foi o ministro TST Alberto Balazeiro, no voto proferido no Processo: Emb-RR – 555-36.2021.5.09.0024, aprovado à unanimidade, pela SDI1. Para o ministro relator, considerar como definitivo o valor indicado na petição inicial, em cumprimento à determinação do Art. 840, § 1º, da CLT, caracteriza-se como desatendimento da garantia constitucional de amplo acesso à justiça, violando a proteção social, bem como exigência de produção antecipada de prova; que, a rigor, demanda a contratação de serviço contábil especializado. Isso, com toda certeza, reduz a capacidade do trabalhador de postular verbas trabalhistas em nome próprio.

No julgamento desses embargos, a SDI1 do TST, em sentido diametralmente oposto ao STF, assentou, em excertos:

“PROCESSO Nº TST-Emb-RR-555-36.2021.5.09.0024

A C Ó R D Ã O (SDI-1) GMABB/hp/pv EMBARGOS. RECURSO DE REVISTA. LIMITAÇÃO DA CONDENAÇÃO AOS VALORES ATRIBUÍDOS AOS PEDIDOS NA PETIÇÃO INICIAL. IMPOSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA DO ART. 840, §1º, DA CLT. APLICAÇÃO DA REGRA ESPECIAL PREVISTA NA IN 41/2018 C/C ART. 840, §1º, DA CLT. VALORES INDICADOS NA PETIÇÃO COMO MERA ESTIMATIVA.

  1. A controvérsia dos autos cinge-se em definir se os valores atribuídos pela parte aos pedidos na petição inicial limitam a condenação, notadamente na hipótese dos autos em que o reclamante inseriu expressamente ressalva quanto ao valor da causa.
  2. A adequada interpretação jurídica das alterações promovidas pela Lei nº 13.467/2017 aos parágrafos 1º e 2º do artigo 840, da CLT proporciona impacto na prática trabalhista, eis que introduz novos requisitos aos pedidos trazidos nas petições iniciais protocolizadas nas Varas do Trabalho.
  3. A exigência de se consignar, na petição inicial, pedidos certos e determinados já era observada nas reclamações trabalhistas, uma vez que a antiga redação do art. 840, §1º, da CLT não continha detalhes acerca do conteúdo e especificações do pedido. Assim, aplicavam-se subsidiariamente (arts. 769, da CLT e 15, do CPC) os artigos 322 e 324 do CPC, quanto à necessidade de que os pedidos fossem certos e determinados. Com a entrada em vigor da Lei nº 13.467/2017, o §1º do art. 840, da CLT torna-se norma específica que disciplina os requisitos da petição inicial no processo do trabalho. Portanto, além de estipular que os pedidos devem ser certos e determinados, inaugura-se a obrigatoriedade de que cada um contenha a indicação de seu valor.
  4. Sob este viés, a exigência de indicação do valor dos pedidos determinada pelo artigo 840, §1º, da CLT objetiva que, desde a petição inicial, as partes delimitem, com razoável destreza, o alcance de sua pretensão.

[..]

  1. Inobstante, o rigor técnico exigido pelo art. 840, §1º, da CLT, interpretado de forma dissociada das demais normas e princípios que regem a processualística trabalhista, conduz a um estreitamento do jus postulandi (art. 791, da CLT), que historicamente é uma das características que mais singularizam, em essência, a jurisdição trabalhista. A contrário sensu, preservando-se essa orientação, mesmo com a nova redação do artigo 840, §1º, da CLT manteve-se a orientação de que, na petição inicial, basta “uma breve exposição dos fatos”, uma vez que as partes, via de regra, não possuem conhecimentos técnicos para formular fundamentos jurídicos do pedido.

[..]

  1. A partir desse cenário, a natureza do conflito trabalhista submetido à apreciação desta Corte perpassa, entre outros, a averiguação acerca da (im) possibilidade de se determinar que a condenação se limite a exatamente os valores indicados para cada pedido na petição inicial, sob pena de violação aos artigos 141 e 492 do CPC.

[..]

  1. Ou seja, a análise sobre a necessidade de limitação do valor da condenação àqueles previamente apresentados na exordial deve ser orientada por uma perspectiva teleológica do direito processual do trabalho, cuja interpretação dos dispositivos que o integram deve, pois, ser sempre norteada pelos princípios do amplo acesso à jurisdição (art. 5º, XXXV, da CF), dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF), proteção social do trabalho (art. 1º, IV, da CF).
  2. Em atenção a isso e considerando o impacto do art. 840, §1º, da CLT na processualística trabalhista, assim como a necessidade de oferecer ao jurisdicionado a segurança jurídica indispensável a possibilitar estabilidade das relações processuais, este Tribunal Superior do Trabalho aprovou a Instrução Normativa nº 41/2018, que determina que “Para fim do que dispõe o art. 840, §§ 1º e 2º, da CLT, o valor da causa será estimado, observando-se, no que couber, o disposto nos arts. 291 a 293 do Código de Processo Civil”.
  3. A interpretação do art. 840, §1º, da CLT, aliada aos princípios mencionados permite chegar à conclusão de que, tendo o reclamante apresentado, em sua petição inicial, pedido certo e determinado com indicação de valor – estimado -, por um lado, atende-se à exigência do art. 840, §1º, da CLT. Por outro lado, possibilita ao polo passivo o integral exercício da ampla defesa e do contraditório, assegurados pelo artigo 5º, LV, da CF. Trata-se, assim, de interpretação que observa os princípios constitucionais do trabalho, conferindo, igualmente, efetivamente ao referido artigo celetista.
  4. Assim, a Instrução Normativa nº 41/2018 ao se referir ao “valor estimado da causa” acaba por delimitar que o pedido apresentado na petição inicial “com indicação de seu valor” a que se refere o art. 840, §1º, da CLT deve ser considerado de forma estimada, eis que inexiste nos dispositivos do CPC a que faz remissão a instrução normativa qualquer delimitação em sentido contrário. O artigo 291, do CPC, pertinente à análise ora empreendida apenas se refere à necessidade de indicação de “valor certo” da causa, inexistindo, portanto, qualquer obrigação de liquidação do valor da causa, tampouco do pedido, com efeito vinculativo à condenação. Ainda, considerando-se a necessária aplicação supletiva do CPC à hipótese, a ausência de indicação de valores na petição inicial não deve ter como consequência a extinção do feito sem resolução do mérito, devendo-se oportunizar à parte a possibilidade de saneamento do defeito, no prazo de 15 dias, por aplicação analógica da Súmula 263 deste TST c/c arts. 4º, 6º e 317 do CPC.
  5. Nesse mesmo sentido, interpretando a redação do parágrafo 2º do artigo 12 da IN 41/2018 em confronto com as exigências do art. 840, §1º, da CLT e, igualmente dos artigos 141 e 492 do CPC, este Tribunal Superior do Trabalho acumula precedentes no sentido de que os valores constantes nos pedidos apresentados de forma líquida na exordial devem ser considerados apenas como fim estimado, não havendo limitação da condenação àquele montante.

[..]

Embargos conhecidos e não providos”.

Em que pese a desarrazoabilidade das citadas decisões do STF, na esteira da quase totalidade das que têm como objeto direitos trabalhistas, faz-se necessário que os valores dos pedidos de todas as reclamações trabalhistas, individuais e coletivas, sejam previamente submetidos à rigorosa apuração, para que as decisões nelas proferidas não representem graves e irrecuperáveis prejuízos, quanto ao efetivo total devido em cada um deles.

Essa barreira, a rigor, inviabiliza as ações coletivas, notadamente quando envolvem dezenas e, não raras vezes, centenas de substituídos. Como calcular, antes do ajuizamento da ação, o valor devido a cada um deles, por pedido? Em verdade, isso é impossível!

*José Geraldo Santana de Oliveira é consultor jurídico da Contee

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