Professores e alunos denunciam fechamento de turmas noturnas na rede estadual de ensino de SP

Ministério Público de São Paulo cobra explicações do governo Tarcísio, que nega impacto negativo na educação

Professores e alunos denunciam fechamento de turmas noturnas na rede estadual de ensino de SP
Estudantes da Escola Estadual Gil Vicente protestaram contra o fechamento de salas do ensino noturno em setembro. Foto: Reprodução/Redes Sociais.

O professor Diogo Calado de Albuquerque leciona sociologia, geografia e história na Escola Estadual Barro Branco 2, localizada na Cidade Tiradentes, zona leste da capital paulista. Na última terça-feira (21), ele presenciou o fechamento de uma das turmas para a qual dava aulas, por determinação da Diretoria de Ensino Leste 3. Os alunos do segundo ano do ensino médio serão redirecionados para outras salas, o que, segundo o professor, deve provocar a superlotação das demais turmas.

“As turmas chegam a ter 45 alunos. É impossível que o governo e a dirigente dessa região fechem as salas de aula faltando um mês e meio para o fim do ano letivo, gerando uma confusão entre professores desempregados, alunos remanejados e um trabalho pedagógico prejudicado. Uma confusão”, critica.

Em julho deste ano, uma turma do primeiro ano e outra do segundo ano do ensino médio já haviam sido fechadas, segundo Diogo. “A direção não tem o que fazer, fica refém da dirigente, que manda fechar e obedece ordens do secretário Renato Feder”, afirma.

O fechamento de turmas na zona leste faz parte de um cenário preocupante que se repete em outras regiões de São Paulo. A situação levou o Grupo de Atuação Especial de Educação (Geduc), do Ministério Público de São Paulo (MP-SP), a cobrar explicações da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (Seduc). A cobrança foi formalizada por meio da abertura de um Procedimento Administrativo de Acompanhamento de Política Pública.

“Recebemos abaixo-assinados pedindo para que o ensino médio noturno continue. São pais, membros da comunidade escolar e os próprios estudantes dizendo: ‘A gente quer que o noturno continue nessa escola’”, explica a promotora de Justiça Fernanda Peixoto Cassiano.

Na zona sul, estudantes da Escola Estadual Gil Vicente, no Parque do Lago, realizaram em setembro uma manifestação contra o fechamento de turmas do ensino noturno. Enquanto isso, alunos da Escola Estadual João Solimeo, no Jardim Maristela, zona norte da capital, vivem a incerteza sobre o próximo ano letivo. No início de outubro, foram informados de que o ensino noturno, que atende cerca de 200 jovens, será encerrado e substituído pelo ensino integral. “A minha escola é a única da região que oferece o período noturno para quem precisa trabalhar. Isso tudo é uma tentativa da Seduc de impor o ensino integral, mas os alunos não querem”, afirma o estudante do primeiro ano do ensino médio Diogo Ferreira da Silva.

Uma “juventude desesperançosa”: é assim que Julia Monteiro, presidenta da União Paulista dos Estudantes Secundaristas (Upes), define o cenário atual. “O estudante não enxerga mais a sala de aula como perspectiva de futuro. E a resposta para isso é clara: é a evasão escolar, mascarada pelo fechamento de turmas, principalmente no período noturno, frequentado por jovens que precisam trabalhar, ajudar os pais ou cuidar da família”, diz.

Julia também critica a falta de infraestrutura, a ausência de professores e o distanciamento da escola em relação às necessidades dos jovens. “O secretário de Educação tem fechado o ensino noturno em todo o estado. Enquanto isso, apresenta um modelo de EJA [Educação de Jovens e Adultos] sucateado, com apenas uma aula presencial por mês. Ele diz que está flexibilizando o ensino, mas na prática está expulsando essa população das salas de aula”, denuncia.

De acordo com a promotora Fernanda Peixoto Cassiano, as mudanças no número de turmas noturnas começaram há pelo menos dois anos. Desde 2023, cerca de 150 turmas de ensino noturno e EJA foram fechadas. A Seduc reconheceu ao MP-SP uma demanda reprimida de 3.847 alunos e informou que o número de turmas caiu de 9.222, em 2024, para 7.279 em 2025.

Um dos motivos para o fechamento seria a Resolução nº 55/2024 da Seduc, que exigia, no artigo 16, a apresentação de documentos formais, como carteira de trabalho ou contrato de menor aprendiz para matrícula no ensino médio regular noturno. A medida foi criticada por reforçar desigualdades, já que muitos jovens trabalham de forma informal.

Após pressão do Geduc, a resolução foi substituída pela Resolução nº 115/2025, que flexibilizou a comprovação da condição de trabalhador, permitindo autodeclarações ou declarações de empregadores ou responsáveis legais. Apesar do avanço, o texto ainda prevê que a entrega da documentação não garante a vaga, o que, segundo a promotora, fere princípios constitucionais e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Mesmo com as mudanças, o fechamento de turmas continua. “O Ministério Público ainda não conseguiu identificar onde está o problema, porque a Secretaria de Educação nega qualquer orientação nesse sentido. Eles dizem que não existe norma estabelecendo número mínimo de matrículas para abertura de turmas, mas os fechamentos seguem acontecendo”, afirma Fernanda.

Ela acrescenta que a pasta justifica as medidas com base nos altos índices de evasão e baixo desempenho no período noturno, mas ignora a demanda por esse tipo de ensino. “Compreendo a preocupação da Secretaria, mas falta um trabalho de prevenção da evasão e de levantamento real da demanda. É uma questão com dois lados e precisamos olhar para ambos”, pondera.

Apeoesp cobra reabertura de salas

A Associação dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp) e a deputada estadual Maria Izabel Azevedo Noronha (PT), conhecida como professora Bebel, também denunciam o fechamento de turmas noturnas.

Segundo a deputada, as subsedes da Apeoesp têm atuado junto às comunidades para mapear a demanda por vagas e cobrar das Diretorias Regionais e das escolas a reabertura das classes. “Estamos sistematizando as necessidades locais e exigindo que as turmas noturnas sejam mantidas, tanto no ensino médio regular quanto na EJA”, afirma.

A Seduc justifica os fechamentos com base na redução da demanda estudantil, na queda da taxa de natalidade e na expansão do Programa de Ensino Integral (PEI). Para Bebel, entretanto, as verdadeiras razões estão ligadas ao corte de recursos.

Ela reconhece a retração demográfica, mas defende que o fenômeno poderia ser usado para melhorar a qualidade do ensino. “Com menos alunos, o governo poderia reduzir o número de estudantes por sala para cerca de 20, garantindo mais qualidade”, argumenta.

Bebel também aponta que o modelo atual de atribuição de aulas prejudica os professores. “Na rede estadual, o professor é horista e depende da soma das aulas atribuídas. Com o fechamento de classes, ele perde carga horária e renda”, explica.

A deputada ainda critica a expansão do ensino integral, que, segundo ela, não contempla estudantes trabalhadores. “O jovem que trabalha não consegue cumprir a jornada integral. O governo até aderiu ao programa Pé-de-Meia, do governo federal, que oferece bolsa para permanência, mas não divulga nem implementa o programa de forma efetiva em São Paulo”, diz.

Ela alerta que a falta de alternativas e de divulgação leva muitos jovens à exclusão escolar. “Esses estudantes procuram o ensino noturno e encontram as portas fechadas”, lamenta.

Segundo Bebel, o processo de fechamento das turmas noturnas se intensificou nos governos de João Doria e Tarcísio de Freitas, sob os secretários Rossieli Soares e Renato Feder. “Isso vem sendo feito de maneira autoritária, sem diálogo com a comunidade escolar”, afirma.

Para a deputada, a consequência mais grave é o aumento da evasão escolar. “Sem vagas no ensino médio noturno, muitos jovens recorrem à EJA fora da idade regular e até essas turmas estão sendo fechadas. Isso exclui completamente o estudante trabalhador do processo educativo”, conclui.

O que diz a Seduc

A reportagem questionou a Secretaria da Educação do Estado (Seduc) sobre os motivos do fechamento das salas, o número exato de turmas encerradas e a previsão de abertura de novas turmas em 2026. Também foi perguntado o que é feito com os alunos cujas classes são desativadas.

Em nota, a Seduc informou que a movimentação de alunos entre classes da rede estadual é um “procedimento habitual”, conforme estabelece a Resolução SE nº 02/2016 e que ao longo do ano letivo, novas classes podem ser abertas sempre que houver demanda de novos estudantes que não possam ser alocados nas turmas já existentes, garantindo que nenhum aluno fique sem vaga.

As escolas EE Barro Branco II e EE Gil Vicente continuam com turmas no período noturno e mantêm matrículas abertas, diz a pasta. “No caso da EE José Lins do Rego, a unidade conta com apenas uma turma de 3ª série neste ano. Após análise da Unidade Regional de Ensino Sul 2, foi constatado que o ensino noturno não apresenta demanda suficiente para continuidade em 2026. A EE Professor Luís Magalhães de Araújo é a escola mais próxima para atender aos alunos com vínculo empregatício.”

*Reportagem atualizada às 18h25 do dia 28/10 para inclusão de posicionamento da Seduc.

Editado por: Maria Teresa Cruz

Fonte
Brasil de Fato

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