Sinpro ABC: Agenda do(a) professor(a) 2018 faz homenagem às mulheres
Por Cristiane Gandolfi*
A agenda do Sinpro ABC para 2018 é dedicada às mulheres, ao feminismo, à luta social e política nas fileiras da luta de classe, da étnica, de gênero e de todas as formas de opressão humana que produzem a coisificação do ser.
Pode-se dizer que a história do feminismo se entrecruza e é sintetizada universalmente por três movimentos e bandeiras de luta conhecidos como as três ondas.
A primeira onda nos remete à luta das mulheres pelo voto, trata-se do sufrágio universal. Pensar que até o início do século XX as mulheres não podiam votar e muito menos serem candidatas ao parlamento burguês mostra-nos o quanto fomos secundarizadas diante do mundo social que se expressa em vida pública. Daí a filosofa Simone de Beauvoir ter escrito o livro “O segundo sexo”. Sempre é bom analisar o texto no contexto, quando Beauvoir escreveu sobre a liberdade ela se referia a um momento histórico em que estava destinado às mulheres apenas as referências da vida privada instituídas pela divisão sexual do trabalho. Cabia às mulheres apenas a reprodução sexual: sexo, filhos, casa, cama e mesa. Não há nada mais arcaico e antigo do que dedicar à mulher apenas os espaços sexistas do sentir, cuidar e estimular a sexualidade masculina. Restringir a mulher ao papel de um corpo aprisionado a vida doméstica para o prazer do outro foi uma crítica radical do feminismo dos anos 40 a 60 do século XX.
A segunda onda do feminismo é datada dos anos 60 do século XX. Ali houve a descoberta e difusão da pílula anticoncepcional, essa trouxe liberdade para as mulheres na vida pública, uma vez que agora elas poderiam ter o controle de seu corpo, na medida em que não engravidavam como antes. É o momento em que as mulheres se atrevem, ousam, constituem profissão, estudam, militam politicamente, lideram movimentos, enfrentam o pior machismo que há em nossa estrutura social; falo daquele que concebe a mulher como coadjuvante da vida masculina, pois o provedor é o homem, ele é o responsável pelo espaço público, cabe a ele o pensar, o manter as estruturas de poder, e à mulher cabe apenas o fazer e operacionalizar o que o homem definiu.
Superar essas agruras e grilhões não é papel fácil, mas na medida em que a mulher não engravidaria mais com tanta frequência como em épocas anteriores graças ao advento da pílula, essa materialidade de base social pode lhe conferir a possibilidade concreta de lutar por uma profissão. Dedicar-se não apenas ao mundo privado do homem e da casa, agora ela poderia ser sujeito de direito, pois ao ganhar o seu dinheiro com o seu trabalho, a mulher ocupa um lugar de direito igual ao destinado ao homem na sociedade de classe.
Nós, mulheres, devemos muito às feministas dessas duas ondas, pois elas foram fundamentais para nos retirarem da condição milenar de costela de Adão. Graças a elas, em alguns quadros sociais a mulher pode se considerar um ser igual ao homem no plano da materialidade da vida social, elemento fundamental de independência e liberdade.
E por fim, desde os anos 70, basicamente nos países centrais e dos anos 90 do século XX nos países periféricos, o feminismo assume uma nova face que se entrelaça com a pós-modernidade, chegamos a sua terceira onda. As liberdades individuais e o direito à liberdade sexual como elemento fundante de sua organização política são revelados como o grande mote de estrutura que caracteriza o feminismo contemporâneo. Aqui se põe os diversos feminismos e conquistas das mulheres em não reproduzirem os papéis lhe destinados na estrutura da divisão sexual do trabalho. Contudo, aqui se vê forte opressão masculina contrária à mudança de paradigma do lugar da mulher na sociedade. Nesse sentido a violência da mentalidade patriarcal eclode e assistimos diversos casos de violência doméstica, estupros e feminicídio, o assassinato de mulheres pelo simples fato delas serem o feminino numa sociedade que se pensa em poder como masculino.
Junto à luta das mulheres somam-se as lutas da população LGBT e do feminismo de mulheres negras, uma vez que essas sofrem tanto a opressão de gênero, quanto a de etnia. Vale destacar que o feminismo pós-moderno dialoga essencialmente com o conceito de liberdade focado nas singularidades e liberdades individuais. O gênero pode tudo, é livre para se expressar, sentir, ocupar seu lugar na estrutura social organizada pelas individuais e indivíduos, visto que a singularidade é o elemento definidor de ampla área do feminismo contemporâneo.
Este é o momento que vivemos. Contudo, temos o cuidado de não nos afastarmos da primeira e segunda onda da objetividade do feminismo que debatia voto popular, gravidez, aborto, dupla jornada de trabalho, vinda do homem para dentro da casa contribuindo com a permanência da mulher no trabalho, ocupando lugares de poder na vida produtiva. Ali vimos o cerne da base material de libertação da mulher da opressão masculina na medida em que ela constitui sua independência, ao ocupar seu lugar na vida pública com o reconhecimento de seu trabalho e independência financeira.
Temos a preocupação de que com a terceira onda podemos nos escorar num sexismo extremamente veloz que reporta a mulher para as liberdades do campo sexual, de foro privado, distanciando-lhes da liberdade de ocupar o poder nos espaços públicos. Aqui priorizamos o enfoque de que liberdade no plano individual sem a da esfera pública de base material da vida, pode se tornar uma cilada, um engano, pois não queremos o quadro de referência dos anos anteriores à década de 60 do Século XX.
Mulheres independentes conquistam o próprio sustento, se realizam com o trabalho na vida social, daí ser tão importante a presença de companheiros em nossa vida doméstica que não compactuem com a dupla jornada de trabalho. O cuidado com os filhos e com as tarefas domésticas denotam que a vinda do homem para o espaço privado é fundamental a fim de que a mulher possa se realizar na vida pública. Não queremos uma pensão para os filhos e sim o cuidado, afeto, realização das tarefas da paternidade no espaço doméstico que é da mulher e do homem, assim como a vida pública é do homem e da mulher.
Talvez o feminismo pós-moderno possa abrir portas nessa direção e possamos superar as condicionantes da milenar divisão sexual do trabalho, depende de como o encaramos no tempo presente. Talvez o atraso se afirme na medida em que a luta de gênero no plano das liberdades individuais afastou-nos das determinantes que estruturam as liberdades sociais. Caso isso ocorra, o século XXII pode nos trazer a burca da invisibilidade feminina na sociedade ocidental; não cobriremos os cabelos mas eles serão da casa, dos filhos e do trabalho doméstico e nós mulheres podemos mais. Nós podemos governar o mundo.
Aqui há bons desafios para o feminismo do século XXI e de seu enfrentamento virá uma condição melhor ou pior para as mulheres deste século.
*Cristiane Gandolfi é professora da Universidade Metodista e diretora do Sinpro ABC