Barragens: armas de destruição das mineradoras

O mundo inteiro está em alerta sobre mais um desastre ambiental da mineração em Minas Gerais, provocado pela Vale. A dimensão e extensão do impacto social e ambiental, pelo rompimento das 3 barragens da Mina do Feijão, no município de Brumadinho (MG), no dia 25/01/2018, é maior do que o provocado em Mariana, em 05/11/2015.

Difícil quantificar a extensão deste impacto sobre populações ribeirinhas, povos tradicionais como quilombolas e indígenas, trabalhadores da própria empresa e moradores da região da bacia hidrográfica do rio Paraopeba. Iniciou-se em Brumadinho, onde estava localizada a mina Córrego do Feijão, mas não sabemos até onde alcançará esta destruição, provocada pelas ganâncias do capital e do lucro.

A bacia hidrográfica do Paraopeba, que está sendo atingida drasticamente pelo rompimento das barragens, é composta por 48 municípios com uma população de 1.318.885 habitantes e diversos cursos d’água, colocando em risco inclusive a bacia hidrográfica do rio São Francisco. A bacia do Paraopeba possui um área de 12.054,25 Km² que corresponde a 5,14% do território da bacia do Rio São Francisco. Abaixo você confere a lista dos municípios que podem ser afetados com os dejetos.

Essa mina, em Brumadinho, produziu 27,3 milhões de toneladas de minério em 2018. Esse montante representa apenas 7% da produção total da Vale no Brasil. Fica a dúvida: se apenas uma mina foi capaz de produzir 7 barragens e causar uma tragédia desta proporção, o que podemos esperar das outras quase 2 mil barragens (1957), espalhadas em todo o país? E como ficar em paz sabendo que, em Brumadinho, apenas 3 dessas 7 barragens se romperam, mas o risco do rompimento das outras 4 é real?

Além das barragens, havia na Mina Córrego do Feijão estruturas administrativas e de apoio, como centro administrativo, refeitório e oficinas de manutenção, além de terminal de carregamento e pequena malha ferroviária para escoamento do minério de ferro. Com o rompimento, os 12 milhões de metros cúbicos de rejeitos da barragem vazaram pela região, deixando um rastro de destruição e morte. A lama com rejeitos de minério de ferro fez desaparecer o refeitório, que estava lotado de trabalhadores no momento da tragédia, e o centro administrativo. A reincidência de uma tragédia anunciada, como a de Mariana e, agora, Brumadinho, coloca a evidente negligência e a irresponsabilidade socioambiental da empresa Vale. Consideramos “homicídios socioambientais” essa barbárie com mais de 200 pessoas soterradas vivas, agora denominadas de “desaparecidas”, mais de 100 corpos retirados da lama.

Modelo tecnológico criminoso

Minas Gerais recebeu, em média, desde 2006, 12 novas barragens de rejeitos de mineração por ano (uma por mês). A maioria utiliza a técnica ultrapassada de “barragem molhada e barragem a montante”, quando os resíduos do minério são acumulados com 60% de água e 40% de areia (e outros rejeitos), com uma contenção feita com material argiloso. Esse método é também chamado de alteamento a montante, utilizado tanto no reservatório I da Mina Córrego do Feijão da Vale como na barragem de Fundão da Samarco, em Mariana, que se rompeu em 2015. Ele permite que o dique inicial seja ampliado para cima, quando a barragem fica cheia, utilizando o próprio rejeito do processo de beneficiamento do minério como fundação da barreira de contenção. As barragens molhadas ou de “alteamento a montante” fazem parte de tecnologias que se tornaram armadilhas ameaçando povoados, vidas e memórias. Semelhantes a armadilhas bélicas, pois sua ruptura elimina todas as comunidades vivas que estão à frente delas (à jusante).

Para os especialistas, as barragens secas ou em pasta, que são mais estáveis, são tendências na atualidade em diversos países, uma vez que não há presença da água para desestabilizá-las, necessitando apenas instalar filtros para retirar o máximo de água possível. Uma pilha de rejeitos seca é mais fácil de represar e muito mais segura. Sendo um pouco mais cara que a barragem molhada. Com o aumento da demanda de minério e da ganância do capitalismo, a Vale e suas terceirizadas começaram, de forma “pioneira”, extrair minério com pouca concentração de ferro (455), chamado itabirito. Para a adoção dessa tecnologia, de barragens à montante, passou-se a utilizar a água para separar o minério da sílica. Em plena crise hídrica, comprometendo ainda mais lençóis freáticos e nascentes.

Minério e a vida: vale quanto pesa

Como dizem os familiares das vítimas: “o minério de ferro vale mais que a vida das crianças, mulheres, jovens e pobres. Vale mais que qualquer vida.” Até o momento, as famílias não têm sido assistidas devidamente e não é por falta de dinheiro. Após o desastre, a Vale teve 8% de aumento na Bolsa de Valores. Segue ganhando bilhões com a destruição ambiental e com morte de pessoas e outros seres vivos. É o capitalismo banalizando a vida e valorizando as coisas, o minério, o lucro. Como o preço do minério passou a subir muito, desde 2006, a tonelada de minério atingiu US$100, com previsão de chegar a US$ 120 por tonelada em agosto de 2019. Essa fórmula de extração adotada pela “barragens à montante” revelou-se um sucesso para o capital, e mais barata – uma vez que os custos ambientais raramente são pagos pelos empreendedores ambientais, e sim por nós, cidadãs e cidadãos, e pelo Estado. Segundo o engenheiro de |Minas, Marcílio Pereira, “a preocupação inicial era reaproveitar o minério itabirito”. Mas o erro foi insistir 40 anos em uma técnica ultrapassada e de alto risco ambiental.

As barragens molhadas e de “ alteamento à montante”, tornaram-se então uma “bomba relógio” para o meio ambiente, uma vez que as estruturas de contenção de rejeitos começaram a ficar altas demais e fora do limite. Os riscos socioambientais caminham em escalas crescentes. A alegação da mineradora é que ela tinha o licenciamento ambiental “em dia” e que seu resíduo não era tóxico. Cabe lembrar que o licenciamento ambiental é um mero instrumento de gestão ambiental. A política de transversalidade para o licenciamento é, por definição, uma política de compartilhamento da responsabilidade para a conservação ambiental por meio do desenvolvimento sustentável do país. Portanto, a empresa precisa se responsabilizar pela extração, a recuperação e conservação sociambiental da região explorada.

Onde estavam todos os responsáveis?

De acordo com laudos do licenciamento ambiental, a área da Minas do Feijão foi classificada como de baixo risco ambiental. Isso é inadmissível. Não aceitamos a falsa argumentação de abalo geológico. Houve irresponsabilidade técnica. Mesmo sobre a alegação de que diversos riscos ambientais são difíceis de calcular, uma vez que estamos lidando com ecossistemas vivos e dinâmicos, a maioria dos riscos devem ser previstos na atividade minerária.

Nesse caso, cabe duvidar da incalculabilidade ou imprevisibilidade dos riscos, uma vez que existem estudos comprovados de que as barragens têm vida útil, e, portanto, uma capacidade máxima. Na natureza tudo funciona até o ponto ótimo, mas o capitalismo quer funcionar tudo ao ponto máximo. Máximo lucro, máximo risco = insustentabilidade. Uma matemática cruel. Essa foi mais uma tragédia anunciada, previsível, e negligenciada ambiental e socialmente.

Por onde a lama passa, leva junto pessoas, animais, roças, casas, plantas e memórias. Cabe a nós, cidadãos, prestar solidariedade ao povo de Brumadinho, nesse trágico crime ambiental e todos os municípios afetados, e exigirmos a punição dos culpados e atendimento às vítimas. É preciso dizer aos tecnocratas ambientais que o progresso não pode vir com a fatura de vidas humanas e de outros seres vivos.

Basta de crimes ambientais

Não é só um impacto ambiental, é um CRIME! Com mais de 300 mortos isto é um homicídio socioambiental com intencionalidade, crime previsto em lei, cujos responsáveis que deveriam responder, judicialmente, pelo empreendimento são o presidente da empresa Vale do Rio Doce e sua equipe de administradores, que tiveram o poder decidiram pela escolha desta tecnologia obsoleta, como uma arma de guerra sem controle.

Os/as trabalhadores/as, animais e vegetais estão soterrados, mortos, pela lama da mineração (seja ela tóxica ou não), sem identificação ou resgate. Exigimos a quantificação das vítimas, o resgate e atendimento adequado às vítimas e familiares, com a reconstrução de seus bens atingidos pela tragédia da mineração, a recuperação das áreas degradadas. Queremos a implantação de planos emergenciais eficazes. Devemos estar atentos para os riscos de uma política pública que quer flexibilizar as leis ambientais e passar para o município o licenciamento ambiental para os empreendedores. Somos contra, pois isso certamente agrará ainda mais essa situação.

Exigimos a penalização dos criminosos da tecnocracia ambiental conivente com falsos laudos de regularidade ambiental, o fechamento e desativação de todas as barragens à montante, a implantação de sistema de vigilância ambiental em todas as áreas de atividade de mineração, com planos de emergência de riscos e a suspensão do licenciamento ambiental da Vale. Chega de homicídios e cemitérios ambientais.

A classe trabalhadora e sociedade clama que os economistas da atividade minerária e tecnocratas com pseudo laudos socioambientais coloquem fim aos velórios de crimes ambientais. Mais uma vez trabalhadores/as brasileiros/as, agricultores/as, ribeirinhos, pobres são assassinados/as pela ganância dos capitalistas. Os sobreviventes choram seus mortos sem direito sequer de terem os corpos dos mesmos para o velório!!!

*Ângela Gomes é Diretora do Sinpro Minas, Engenheira Florestal, Doutora em Geografia, professora de Hidrologia e coordenadora Nacional de Formação Política do MN.

Portal da CTB

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