Cem entidades denunciam PL do Estuprador e pedem veto

Organizações latino-americanas acusam o PL de ignorar obrigações internacionais na proteção dos direitos sexuais e reprodutivos de vítimas de violência sexual

Cerca de cem entidades latino-americanas se uniram para denunciar o Projeto de Lei 1904, conhecido como PL do Estuprador (com pena maior para mulheres que abortam, do que seus estupradores) e cobraram dos congressistas brasileiros o veto à iniciativa. A declaração, emitida nesta segunda-feira (24), foi assinada pelo Consórcio Latino-Americano contra o Aborto Inseguro (Clacai).

No texto, as entidades expressam “profunda preocupação e rejeição ao projeto de lei apresentado no Congresso Nacional do Brasil, que busca criminalizar o aborto em casos de gravidez resultante de violência sexual após a 22ª semana, equiparando-o ao crime de homicídio e com penas de até 20 anos de prisão”.

Grupos da Argentina, Chile, Costa Rica, México, Guatemala, Uruguai, Colômbia e Equador, além de diversas entidades brasileiras, também assinaram o documento.

Críticas ao regime de urgência
“Essa proposta legislativa, amplamente apoiada por membros do Partido Liberal, recebeu a aprovação intempestiva do Presidente da Câmara dos Deputados para tramitar em regime de urgência, o que permite que seja votada no plenário do Congresso sem a devida análise nas comissões”, afirmam as entidades.

Segundo elas, a iniciativa “ignora as obrigações internacionais do Brasil na proteção dos direitos sexuais e reprodutivos, especialmente das vítimas de violência sexual, e constitui uma afronta à democracia e às instituições do Estado”.

Repúdio e solidariedade

O grupo expressa “veemente repúdio a essa iniciativa legislativa e nossa solidariedade às mulheres e meninas brasileiras cujos direitos estão em risco”. Eles destacam a preocupação com a promoção de medidas que desconsideram as amplas evidências sobre os riscos e consequências da criminalização do aborto.

As entidades lembram que, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), negar o acesso ao aborto gestacional expõe mulheres e gestantes a opções inseguras, violando sua autonomia e seus direitos. “A criminalização do aborto afeta particularmente sua saúde mental e seu processo de recuperação; ela as força a escolher entre continuar uma gravidez forçada ou submeter-se a um aborto inseguro, expondo-as injustamente a uma sanção penal desproporcional”, afirmam.

Impactos na saúde mental

Além disso, a ameaça criminal contribui para um aumento significativo do risco de depressão, ansiedade e sofrimento profundo. “É inaceitável que, de acordo com os padrões atuais de proteção dos direitos humanos e as evidências disponíveis, barreiras arbitrárias sejam impostas aos profissionais de saúde e o acesso a serviços vitais para a recuperação de sobreviventes de violência sexual seja proibido”, insistem.

Diante desse contexto, as organizações pedem aos deputados brasileiros que “rejeitem essas tentativas de extrema crueldade contra as sobreviventes de violência sexual, que, longe de serem perseguidas e criminalizadas, devem ter acesso legal e de qualidade ao direito ao aborto em todos os casos que o exijam”.

Consenso de Genebra

Desde que assumiu em 2023, o governo brasileiro confirmou seu desligamento da Declaração do Consenso de Genebra sobre Saúde da Mulher e Fortalecimento da Família, uma aliança conservadora formada por 37 países que se posiciona contra o aborto e pelo reconhecimento da família como base da sociedade. Na ocasião, cem entidades pressionaram pela saída do Brasil.

O grupo foi criado pelo ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump em outubro de 2020, com 32 países assinando a declaração em uma cerimônia virtual. O entendimento foi reafirmado em 2021 e, antes da saída do Brasil e dos EUA de Joe Biden, contava com 37 nações integrantes, a maioria composta por países africanos e do Oriente Médio de religiões fundamentalistas ou ocidentais governados pela extrema-direita. A iniciativa buscava uniformizar a atuação de governos conservadores em votações sobre direitos reprodutivos, educação sexual, legalização do aborto e defesa da família em órgãos internacionais.

Em nota, os ministérios das Relações Exteriores, da Saúde, das Mulheres, dos Direitos Humanos e da Cidadania afirmaram que o governo considera que o documento possui “entendimento limitativo dos direitos sexuais e reprodutivos e do conceito de família”. Esse entendimento pode comprometer a plena implementação da legislação nacional sobre o tema, incluindo os princípios do Sistema Único de Saúde (SUS).

Ao mesmo tempo, o governo comunicou à Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe) e à Comissão Interamericana de Mulheres da OEA (Organização dos Estados Americanos) a decisão de se associar ao Compromisso de Santiago e à Declaração do Panamá, criados para a promoção da igualdade e da equidade de gênero.

Pesquisas recentes mostram um crescimento na aceitação da população em relação ao aborto conforme previsto na lei atualmente. Uma pesquisa do Datafolha divulgada no início de junho de 2022 mostrou que 39% dos brasileiros entrevistados consideram que a lei deve permanecer como está, enquanto 26% disseram acreditar que o aborto deve ser permitido em mais situações ou em todas as situações. Por outro lado, 32% disseram concordar com a total restrição da interrupção da gravidez no país.

Do Vermelho

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