Desafios sindicais: CCT para toda a categoria ou só aos filiados
Por José Geraldo de Santana Oliveira*
Os desafios estão para as organizações sindicais como o movimento está para a Terra. Se não é concebível a Terra sem movimento, também não o é organização sindical sem desafios. O nascimento, o crescimento e a relevância social das organizações sindicais são respostas concretas aos desafios impostos aos trabalhadores pela sociedade capitalista. Portanto, desafios são inerentes à natureza e à existência dessas organizações.
Todavia, as organizações sindicais brasileiras acham-se diante de desafios nunca dantes enfrentados na sua já centenária trajetória. Tais desafios, a seguir elencados, apresentam-se, aos olhos de muitos, como insolúvel paradoxo.
Por força do que dispõe o Art. 8º da Constituição Federal (CF), os sindicatos — que se constituem na base da pirâmide do sistema confederativo brasileiro — representam todos os integrantes de suas respectivas categorias, sejam a eles associados ou não. Com isso, os instrumentos normativos — convenções e acordos coletivos — alcançam associados e não associados.
O Art. 513 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) — recebido pela CF, conforme jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) —, na sua alínea ‘e’, atribui aos sindicatos a competência para fixar contribuições aos seus representados, isto é, a todos os integrantes de suas categorias.
Com amparo nessa prerrogativa, criaram-se duas contribuições: a associativa, limitada aos que voluntariamente se filiam aos sindicatos; e a negocial — igualmente, chamada de assistencial e de reforço —, extensiva a todos os integrantes da categoria, e que tem por finalidade custear as despesas decorrentes das negociações coletivas, na maioria das vezes longas e caras.
Os Arts. 578 a 582 da CLT — com redação originária reconhecida pela CF, Art. 8º, inciso IV, que vigeu até o advento da Lei N. 13.467, que entrou em vigor aos 11 de novembro de 2017 — garantiam às organizações sindicais o direito ao desconto de valor correspondente a um dia de trabalho por ano, no mês de março, de todos os integrantes da categoria, legalmente denominado de contribuição sindical.
O produto desse desconto é distribuído do seguinte modo: 60% aos sindicatos, 15% às federações, 5% às confederações, 10% às centrais sindicais — por força da Lei N. 11.648/2008 — e 10% ao Ministério do Trabalho.
A CF, em seu Art. 8º, inciso IV, concede aos sindicatos o direito de, por meio de suas assembleias gerais, fixar contribuições aos integrantes de suas respectivas categorias, destinadas ao custeio do sistema confederativo, que abrange, além deles, as federações e as confederações, sem prejuízo da contribuição sindical.
Desse modo, há autorização legal para a fixação e cobrança de quatro contribuições, quais sejam: associativa, negocial, confederativa e sindical. O que, à primeira vista, induz à conclusão de que às organizações sindicais não faltam recursos para o financiamento de suas atividades, algo que não resiste ao menor sopro de realidade.
Os crescentes e intermináveis pesadelos dos sindicatos tiveram como marco inicial a Súmula N. 666, do STF, posteriormente convertida em Súmula vinculante N. 40, que limita a exigência (cobrança) da contribuição confederativa aos trabalhadores associados, não podendo ser exigida dos não associados.
Ganharam dimensão com a Orientação Jurisprudencial (OJ) 17 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que assegurava aos trabalhadores não associados o direito de oposição à taxa (contribuição) negocial (assistencial). Ato contínuo, foi aprovado o Precedente Normativo (PN) N. 119, que baliza todas as decisões da Seção de Dissídios Coletivos (SDC) do TST, proibindo a cobrança de qualquer contribuição, exceto a sindical, de trabalhadores não associados.
Escudado nesse PN, o Ministério Público do Trabalho (MPT), em âmbito nacional, ajuizou e continua ajuizando ações civis públicas (ACPs) contra os sindicatos que não as fixam apenas para os trabalhadores associados. A última ACP de que se tem notícia foi ajuizada contra o Sindicato dos Professores de Goiás (Sinpro Goiás), agora, ao dia 7 de janeiro de 2019, no Processo N. 0010008-25.2019.5.18.0008.
Em fevereiro de 2017, o STF, no processo de recurso extraordinário (RE) N. 1018459, tendo como relator o ministro Gilmar Mendes — declarado opositor das organizações sindicais dos trabalhadores —, ratificou integralmente os termos do PN N. 119 do TST, com repercussão geral — que alcança todos os processos que versam sobre as destacadas contribuições —, por meio do chamado Plenário Virtual.
Muito embora o Acórdão (decisão colegiada) do referido RE ainda não tenha sido publicado, a famigerada decisão tomada derrama as suas consequências em todos os quadrantes nacionais.
A Lei N. 13.467/2017, com o cristalino propósito de estrangular financeiramente as organizações sindicais, transformou a contribuição sindical, até então compulsória, em facultativa. Ou seja, paga-a quem quiser.
Como derradeira pá de cal no combalido financiamento sustentável das organizações sindicais, o STF, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) N. 5794 — fruto de açodada iniciativa de entidades sindicais de trabalhadores — e da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) N. 55 — proposta pela Associação Brasileira de Rádio e Televisão (Abert) com o único propósito de sacramentar o estrangulamento financeiro das organizações sindicais dos trabalhadores —, considerou constitucional a destacada transformação da contribuição sindical de compulsória para facultativa.
O conúbio entre o STF, o TST e o Congresso Nacional, com os aplausos de dezenas de procuradores do MPT, tem como fatídico e teratológico desfecho: os sindicatos, por força do que determina o Art. 8º, incisos I, II, III, IV e VI, da CF, representam todos os integrantes de suas categorias, associados e não associados, que, indistintamente, beneficiam-se das convenções e acordos coletivos que firmarem; porém, somente podem cobrar contribuições dos associados, sendo-lhes vedada qualquer tentativa de estendê-las aos não associados.
Com isso, a associação (filiação) passou a ser sinônimo de punição, pois que quem não se associa goza dos mesmos direitos dos que o fazem — exceto quanto ao de votar e ser votado —, sem a obrigação de pagar por eles, mais apropriado seria dizer, para que sejam alcançados. Já quem se associa tem de os financiar. Como explicar esse teatro de absurdos? Isso passa ao largo de quem o criou.
Esse teratológico cenário, repita-se, criado por TST, STF e Congresso Nacional quebra o universal princípio da isonomia, sobre o qual se assenta a República Federativa do Brasil, como se colhe do Art. 5º da CF, uma vez que os iguais são tratados de forma desigual, tão somente com o nefasto objetivo de inviabilizar a existência sustentável das organizações sindicais. E mais: autoriza o enriquecimento sem causa, vedado pelo Art. 884 do Código Civil (CC).
Arremessados, de forma violenta, a esse medonho contexto, como dito, nunca dantes sequer imaginado, os sindicatos buscam, desesperadamente, meios e modos de superá-lo, antes que sejam totalmente tragados por ele. Em meio a essa busca, emergem confusas alternativas, algumas disparatadas, que, se aplicadas, podem levar ao caos sindical.
Dentre todas as medidas até aqui discutidas, a que pode representar maior dano à organização sindical, sem dúvida alguma, é a de restringir as garantias previstas em convenções e acordos coletivos aos associados, o que implica, por conseguinte, a exclusão dos não associados.
Essa medida, que vem ganhando dimensão, inclusive, entre juízes e procuradores do trabalho, por inúmeras razões, poderá provocar o completo esfacelamento dos sindicatos, ainda que à primeira vista aparente justeza, posto que, como descrito acima, somente dos associados é que se pode cobrar contribuição associativa, confederativa e negocial, e dos que expressamente autorizarem, de forma individual, a sindical.
A primeira boa razão para não se adotar tal medida, é a da afronta ao Art. 8º da CF, que determina que a organização dos sindicatos, obrigatoriamente, dá-se por categoria, cabendo-lhes, como já explicitado, a representação de todos os integrantes desta, sejam associados ou não (não obstante a Lei N. 13.467/2017 e as decisões do TST e do STF já o fazerem).
Parece induvidoso que o caminho adequado é o da busca do restabelecimento do comando constitucional e não o da sedimentação de sua violação; sem respeito aos comandos da CF, não há ordem democrática, apenas arremedo.
A segunda razão é a da divisão da categoria, passando a existir a parcela dos que são representados por seus sindicatos, sendo-o pelo fato de contribuir para eles, e a parcela dos que ficam à mercê da lei, que não lhes dá nenhuma proteção, por não contribuir para tanto.
Essa divisão, a rigor, acarretará a implantação da pluralidade sindical (pluralismo), a fórceps e à revelia da ordem constitucional. Não se deve perder de vistas que o pluralismo sindical é a forma de organização sofregamente buscada pelos representantes do capital, em que pesem algumas correntes dos trabalhadores também a defenderem, por outros motivos e objetivos.
A título de ilustração do que significa o pluralismo para os representantes patronais, no contexto brasileiro, basta que se traga à lembrança a proposta apresentada pelo senador Albano Franco à Assembleia Nacional Constituinte: unicidade sindical para os empresários; pluralismo, para os trabalhadores.
Esclareça-se, desde logo, que aqui não se pretende execrar a forma de organização agasalhada pela Convenção 87 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), não ratificada pelo Brasil; o que se quer demonstrar, isto sim, é que a eventual adoção da pluralidade sindical, no atual cenário brasileiro, mesmo que decorra de emenda à CF, se constituirá na mais fragosa derrota dos trabalhadores e de sua organização sindical, com o fim da representação coletiva.
A terceira razão é a do total esvaziamento dos instrumentos normativos sindicais (convenções e acordos coletivos), que, por certo, se dará, simultaneamente, por duas vias: a da pressão patronal aos associados para que se dissociem (desvinculem-se) de seus respectivos sindicatos, o que terá como condão a desobrigação das empresas abrangidas pela convenção ou acordo coletivo de cumpri-lo; o da desfiliação das próprias empresas associadas dos sindicatos que as representem, caso o sejam; e o da conveniente recusa de filiação das que não são filiadas.
Frise-se que, como os instrumentos normativos geram direitos e obrigações para as duas partes que os firmam, a exclusão dos trabalhadores não associados das garantias neles previstas importará igualmente a das empresas não filiadas.
Destarte, urge que as entidades sindicais — sindicatos, federações, confederações e centrais — travem o debate sobre esse tema, analisando, com profundidade, os possíveis benefícios advindos da exclusão dos não associados dos instrumentos normativos, se é que dela se patenteie algum, bem assim, as consequências que dela emanarão como desdobramento de sua adoção.
Ao debate, antes que seja tardio!
*José Geraldo de Santana Oliveira é consultor jurídico da Contee