“Juros altos do BC estão levando o Brasil na direção de uma grave crise financeira”, diz Oreiro

“Cada um ponto base de redução da taxa Selic gera uma redução em 12 meses na despesa com juros de R$ 27 bilhões, que é o que o governo está querendo ganhar, por exemplo, com a reoneração dos preços dos combustíveis”, ressalta o economista

“As elevadas taxas de juros podem estar levando o Brasil a uma crise financeira”, afirmou o economista José Luis Oreiro, professor da UnB, em entrevista ao HP. Oreiro destacou que as empresas brasileiras estão “aumentando o seu endividamento não para aumentar o investimento, mas para simplesmente pagar os juros da dívida que elas já têm”.

Crítico das elevadas taxas de juros praticadas pelo Banco Central, o economista foi taxativo em condenar as despesas financeiras: “cada um ponto base de redução da taxa Selic gera uma redução em 12 meses na despesa com juros de R$ 27 bilhões, que é o que o governo está querendo ganhar, por exemplo, com a reoneração dos preços dos combustíveis”.

Oreiro afirmou que “se não houver uma redução das taxas de juros, não só da taxa de juros Selic, mas principalmente das taxas de juros do crédito bancário e dos papéis negociados no mercado de capitais, é possível sim a ocorrência de uma crise financeira”.

Para o economista, “o caso das Lojas Americanas, que é só fraude, ao que tudo indica até agora, não é uma fraude que veio do nada. Ela é uma fraude que na verdade foi feita para encobrir a fragilidade financeira das Lojas Americanas”.

“Isso pode sim ser um sintoma de que algo similar está acontecendo com empresas do setor varejista, que são empresas que dependem muito do capital de giro e que, portanto, quando o Banco Central aumenta o custo do dinheiro, o custo capital de giro fica muito alto para essas empresas”, observou o especialista.

Leia a seguir, a entrevista completa.

HORA DO POVO: As altas taxas de juros podem estar levando o país a uma crise financeira?

JOSÉ LUIS OREIRO: Sim. As elevadas taxas de juros podem estar levando o Brasil a uma crise financeira. Em matéria divulgada no Valor Econômico nessa semana foi demonstrado, acho que uma pesquisa feita pelo professor Carlos Rocca da USP, de que aproximadamente 15% das empresas brasileiras de capital aberto tinham um EBITDA* – rendimento antes dos juros, impostos, depreciação do capital e amortização da dívida -, que era insuficiente sequer para o pagamento dos juros que essas empresas devem sobre suas dívidas.

Então, isto é uma postura financeira que o economista keynesiano norte americano Hyman Minsky chamava de postura financeira Ponzi. Uma postura financeira Ponzi é aquela em que o fluxo de caixa da empresa não é suficiente sequer para pagamento de juros. Isso significa que as empresas que estão com esse tipo de posição financeira, elas estão aumentando o seu endividamento, não para aumentar o investimento, mas para simplesmente pagar os juros da dívida que ela já tem. Ou seja, é um endividamento do tipo bola de neve. Então, 15% é um número já bastante significativo.

Eu acredito que se não houver uma redução das taxas de juros, não só da taxa de juros Selic, mas principalmente das taxas de juros sobre o crédito bancário e sobre os papéis negociados no mercado de capitais, é possível sim a ocorrência de uma crise financeira. Não posso dizer com 100% de certeza, porque quem disser isso é mentiroso. Mas o que eu posso afirmar, com toda certeza, é que existem sinais concretos de fragilidade financeira minskyana na economia brasileira e que, portanto, é possível que essa fragilidade financeira em algum momento, devido às vezes a um evento que pode ser até de pouca monta, pode desencadear uma onda de falência em massas das empresas, principalmente, no setor de varejo.

HP: Além da fraude, a Americana pode ser sintoma dessa crise?

JOSÉ LUIS OREIRO: O caso das lojas Americanas, que é fraude ao que tudo indica até agora, mas ela não é uma fraude que veio do nada. Ela é uma fraude que na verdade foi feita para encobrir a fragilidade financeira das Lojas Americanas. Quer dizer, o que aconteceu, pelos dados que foram apresentados até agora, é que as Lojas Americanas vieram encurtando o prazo de maturidade do seu passivo e fizeram um jeito contabilmente criativo de esconder isso. Isso pode sim ser um sintoma de que algo similar está acontecendo com empresas do setor varejista, que são empresas que dependem muito do capital de giro e que, portanto, quando o Banco Central aumenta o custo do dinheiro, o custo do capital de giro fica muito alto para essas empresas e aí elas têm que acabar fazendo algum tipo de contabilidade criativa ou de instrumentos criativos de financiamento para poder sobreviver.

HP: A inflação no Brasil não é causada por um excesso de demanda, então por que a insistência do Banco Central em manter os juros mais altos do mundo?

JOSÉ LUIS OREIRO: A inflação não é de demanda, isso é bem claro. Mesmo a ideia de que o núcleo de inflação já mostraria que eu tenho uma inflação alta, que portanto isso não seria derivado dos choques de oferta no preço dos alimentos e de energia, acontece que existem mecanismos de contaminação do choque de oferta sobre os núcleos de inflação. Por outro lado, o que nós temos é uma insistência, não só do Banco Central, mas também do próprio Conselho Monetário Nacional – que se reuniu este ano, poucos dias atrás – de manter a meta de inflação inalterada para 2023 de 3,25% ao ano com uma margem de variação de 1,5.

Então, isso significa que a inflação máxima que o Banco Central pode aceitar para o ano de 2023 seria de 4,75%. O problema é que o Banco Central vem de dois anos consecutivos sem alcançar a meta de inflação, e esta meta de inflação, a cada ano, é mais baixa do que a do ano anterior. Isso acaba reduzindo o espaço para o Banco Central afrouxar a política monetária. Porque, veja bem, se no ano passado a meta de inflação, que era mais alta que este ano, o BC não cumpriu, então ele, a rigor, pelo protocolo do regime de metas de inflação, não tem como baixar a taxa de juros. Porque as expectativas de inflação estão em torno de 5,8% para o ano de 2023. Então, devido a insistência na manutenção de uma meta irrealista de inflação, o Banco Central cumprindo o seu mandato vai ter que manter a taxa de juros inalterada pelo tempo necessário até a inflação convergir ou dar amostras que está convergindo para um patamar que esteja dentro do intervalo de tolerância do regime de metas.

A solução para isso é o realismo. Ou seja, o Conselho Monetário Nacional, que é composto pelo ministro da Fazenda, pelo ministro do Planejamento e pelo presidente do Banco Central, na sua próxima reunião ou a qualquer momento,  já que ele pode se reunir em caráter extraordinário, tem que rever a meta de inflação de 2023 e 2024 para algo como 4% ao ano. Ele fazendo essa revisão, abriria espaço para o Banco Central reduzir os juros.

Os economistas liberais vão contra-argumentar dizendo: Ah! Mas  se o Conselho Monetário Nacional aumentar a meta de inflação, isso vai contaminar as expectativas de inflação, que vai acabar levando a uma inflação mais alta. Bom, isso é uma grandessíssima bobagem. Em primeiro lugar, porque o Banco Central não ganha credibilidade tentando atingir uma meta que é inalcançável. Parafraseando aquele filme, ou citando aquele famoso filme, ‘é uma ponte longe demais’. Então esse é o primeiro ponto.

O segundo ponto, quando você olha para os 23 anos do regime de metas no Brasil, a inflação média nesses 23 anos foi em torno de 6,5% ao ano. Então é óbvio que uma meta de inflação de 3,25% dado ao histórico do regime de metas de inflação no Brasil e dado que a inflação mundial está muito alta – você tem uma inflação na área do Euro em torno de 8% ao ano ou no acumulado dos últimos doze meses – isso é assim, evidente, que a meta de inflação está errada.

E é melhor que o Conselho Monetário Nacional explicite de maneira clara e transparente, como é exigido pelo regime de metas, que a inflação perseguida vai ser mais alta, porque não dá para alcançar 3,25, do que, como eu já vi o Luiz Fernando Figueiredo dizendo na entrevista para a Folha de São Paulo, que o Banco Central do Brasil está fazendo. Dizer que vai perseguir uma meta de 3,25%, mas na verdade ele está perseguindo uma meta de inflação mais alta. Quer dizer, isso é completamente contrário aos princípios de transparência do regime de metas de inflação.

Então, a melhor opção a ser feita neste momento é a revisão da meta de inflação para 2023/2024 para 4% ao ano, mantido intervalo de tolerância de 1,5% para mais ou para menos. Isso vai permitir uma redução de pelo menos uns 300 pontos base na taxa de juros Selic. Lembrando que cada um ponto base de redução da taxa Selic gera uma redução em 12 meses na despesa com juros de R$ 27 bilhões, que é o que o governo está querendo ganhar, por exemplo, com a reoneração dos preços dos combustíveis.

ANTONIO ROSA

*EBITDA – Earnings Before Interest, Taxes, Depreciation and Amortization

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