Lista de Livros – Pensamento filosófico: um enfoque educacional, de Luiz Gonzaga Godoi Trigo
“Todo povo que alcança certo grau de desenvolvimento encontra-se naturalmente inclinado a praticar a educação.” (Werner Jaeger, Paideia, 1983, p. 3).
“A filosofia, segundo Platão e Aristóteles, começa com o assombro do ser humano perante o mundo. Aristóteles afirmou: “’Pois o assombro, tanto no início como hoje, induz o homem a filosofar […] Mas o que pergunta e se assombra tem uma sensação de ignorância […] Assim que para escapar dessa ignorância começou a filosofar” (Magee, História da filosofia, 1999).”
“Essa insistência na razão é uma das marcas registradas da filosofia. Ela distingue a filosofia, por exemplo, tanto da religião como das artes. Na religião, às vezes se recorre à razão, mas também a fé, a revelação, o ritual e a obediência têm papéis indispensáveis, e a razão pode nunca abarcar a pessoa por inteiro. O artista criativo, o filósofo, está totalmente engajado numa atividade de busca da verdade, tentando ver abaixo da superfície das coisas e adquirir uma compreensão mais profunda da experiência humana. Mas ele recorre à percepção direta e à intuição em vez de ao argumento racional. (Magee, 1999, p. 8-9).
Existe também um tipo diferente de fronteira entre a filosofia e a ciência. O cientista investiga o mundo, a natureza e o ser humano; tenta fazer novas descobertas, organizá-las, descrevê-las e reproduzi-las. A ciência se sustenta na racionalidade, como a filosofia, mas a diferença fundamental entre as duas reside no empirismo, ou seja, a ciência se vale da observação direta, das experiências e da reprodução organizada dessas experiências. A filosofia se baseia na reflexão, uma investigação racional diferente do método científico.
Por exemplo: um professor de filosofia dá aulas nos diversos cursos de uma grande universidade. No primeiro dia de aula da disciplina Introdução à filosofia, para o primeiro ano do curso de veterinária, o professor ouve a pergunta fatal: “Mas para que a gente precisa estudar filosofia?”. Impassível, ele responde: “Em primeiro lugar, para ajudar a diferenciar você de seus clientes”.”
“Para Luc Ferry (Aprender a viver, 2007, p. 300),
toda grande filosofia resume em pensamentos uma experiência fundamental da humanidade, grande obra artística ou literária traduz as possibilidades das atitudes humanas nas formas mais sensíveis. O respeito pelo outro não exclui a escolha pessoal. Ao contrário, a meu ver, ele é a condição primeira.”
“Conhecemos, hoje, mais do que nossos avós conheciam. Isso não quer dizer que sejamos mais sábios ou mais felizes. Tampouco quer dizer que somos mais ignorantes ou mais infelizes. Somos diferentes e temos mais acesso à informação e ao conhecimento.”
“Certa vez, o neurologista Oliver Sacks respondeu a uma pergunta que parecia uma banalidade:
“O que é um homem normal?”.
Sacks respondeu que um homem normal talvez fosse aquele capaz de contar a sua própria história. De onde vem (sua origem, seu passado, sua memória), onde está (sua identidade), para onde vai (seus projetos e a morte no fim). Esse ser humano se situa no movimento de um relato, ele é uma história e pode se narrar. (Carriére, O círculo dos mentirosos, 2004, p. 11-12).”
“Antes da filosofia, os mitos e as religiões contavam histórias sobre o mundo e os humanos. Os mitos são as primeiras formas de especulação sobre o mundo e o universo, são narrativas de eventos que aconteceram antes da história escrita e do que está por vir.
Os mitos são histórias que unem o passado ao presente e ao futuro, são um padrão de crenças que dão significado à vida, que são um ingrediente essencial em todos os códigos de conduta moral e estão presentes em todas as culturas de todos os tempos. Os deuses e deusas permeavam a vida dos humanos da natureza e do cosmos. O cosmos era a demonstração da ordem obtida pelas divindades em oposição ao caos primordial. O poeta grego Hesíodo, no século VIII a.C., escreveu a Teogonia, uma obra que traça a genealogia das divindades, organizando-as em um cosmos literário precioso, conservado até hoje. A mitologia grega marcou o imaginário do Ocidente, desde o antigo império romano até os nossos dias. As outras mitologias (asteca, escandinava, chinesa, hindu, de várias tribos da África, da Ásia e das Américas) posteriormente foram agregadas às culturas em vários lugares do mundo, mas os mitos greco-romanos são marcantes no Ocidente.
As religiões possuem uma vertente específica que não será analisada neste texto. O importante é saber que há uma passagem do mito para a religião, especialmente no que se refere ao monoteísmo judaico, cristão e islâmico. As religiões politeístas, como as religiões agrícolas primitivas, o hinduísmo, as manifestações xamânicas de diversos povos indígenas, o xintoísmo e outras, surgiram e se desenvolveram pelo mundo, algumas desenvolvendo suas próprias teorias e práticas peculiares. De acordo com Eliade (Tratado de história das religiões, 1993, p. 7), “Todas as definições do fenômeno religioso mostram uma característica comum: à sua maneira, cada uma delas opõe o sagrado e a vida religiosa ao profano e à vida secular”.
O sagrado e o profano são, portanto, espaços concernentes ao fenômeno religioso. Outra passagem fundamental é a da mitologia para a filosofia. Os primeiros filósofos fizeram grandes rupturas com o passado:
1. Tentaram entender o mundo com o uso da razão, sem recorrer à religião, à revelação ou tradição, saindo do sagrado e da vida consagrada aos deuses.
2. Ao mesmo tempo, eles ensinavam às outras pessoas a também usarem a própria razão e a pensarem por si mesmas. Dessa forma, os primeiros filósofos não esperavam que os próprios discípulos necessariamente concordassem nem mesmo com seus mestres.
Essas duas rupturas revolucionárias marcam o início do que hoje se denomina pensamento racional. Tinha início o longo caminho da construção do pensamento humano — mais livre e aberto, em busca do conhecimento, talvez da sabedoria. Filosofia é uma palavra que provém de sua origem grega e se refere ao pensamento elaborado de maneira racional e fundamentado em premissas estruturadas em modelos teóricos baseados na observação e reflexão da realidade.”
“E o que é filosofia?
Filosofia é uma palavra grega que significa “amor à shophia”, termo que pode ser entendido ao mesmo tempo por sabedoria e por ciência. Pitágoras de Samos, filho de Mnesarco, foi o primeiro a usar o termo filosofia. E o que é sabedoria? É o máximo de felicidade no máximo de lucidez. Algo que ajuda a dar sentido à vida.
O Dicionário Oxford de filosofia (1997) é preciso: a palavra filosofia vem do grego, “amor ao conhecimento ou à sabedoria”. Trata-se do estudo das características mais gerais e abstratas do mundo e das categorias com que pensamos: mente; matéria, razão, demonstração, verdade etc. Em filosofia, são os próprios conceitos através dos quais compreendemos o mundo que se tornam tópico de investigação.
Leia esta descrição do início da filosofia:
Como a filosofia nasceu? Se a filosofia se define como um empreendimento racional, ainda é necessário dizer contra o que a razão nascente se manifestou. Como dizem Platão e Aristóteles, a filosofia é filha de Taumas: Admiração e inquietação são os sentimentos primeiros ante a grandeza do mundo, a beleza do Céu, as forças dos elementos e a brevidade da vida. Mas Taumas tem uma filha, Iris, a mensageira dos deuses, portadora de uma echarpe com as sete cores do arco-íris, que os estoicos sabem simbolizar as sete vogais, os sons do alfabeto grego. Assim, passa-se da luz à palavra, como dirá Filon de Alexandria. A palavra, logos, é a razão que articula em um discurso coerente a primeira admiração quase religiosa, para formulá-la em termos de interrogação profana. Assim nascem os tipos racionais de questionamento, quando o entendimento transforma em interrogação filosófica e já científica a emoção que se apodera do homem grego diante do espetáculo mundo. (Dumont, Elementos de história da filosofia antiga, 2004, p. 25-26)
O início da filosofia se fez pela observação da natureza (com os pré-socráticos e os sofistas, por exemplo), mas a filosofia se desenvolveu plenamente quando se voltou para o ser humano. Sócrates (que não deixou nada escrito) e seu discípulo, Platão, analisaram o Homem. Antigamente, escrevia-se assim homem com H maiúsculo. Hoje, o mais correto é o termo ser humano, pois a Mulher com M maiúsculo) faz parte da raça humana e conquistou um lugar de igualdade nas sociedades contemporâneas bem desenvolvidas e bem resolvidas.
Como animal, o ser humano é único, insubstituível, superior a tudo o que se pode conhecer, como uma obra-prima da natureza, um formidável êxito do acaso, da vida, da evolução, decerto, mas também da história, da cultura. Em outras palavras, de si mesmo. Essa é a sua grandeza. Mas ele não é imortal ou onipotente, não criou o mundo nem a si mesmo, não conhece nem o princípio nem o fim das coisas está longe de ser infinitamente bom. Mesmo no mais alto trono do mundo, dizia Montaigne, estamos sentados sobre nossas nádegas.
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O que é o homem? É o único animal a saber que não é Deus. (Comte-Sponville; Ferry, A sabedoria dos modernos, 1999, p. 144-145)
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Entre seus limites e mortalidade, o homem busca algo mais — sabedoria, desejo antigo no imaginário humano. O bem mais precioso daqueles que se pensam sábios. Como nessa história que nos conta Carriére (2004, p, 139):
Um pescador encontra uma garrafa na água e ao abri-la encontra um gênio lhe fala:
— Formule três desejos e eu os realizarei. Qual é o seu primeiro desejo?
Eis o desejo — disse o pescador. — Gostaria que me tornasse inteligente o bastante para que faça uma escolha perfeita para os dois desejos restantes.
— Concedido — disse o gênio. — E agora, quais são seus outros desejos?
O pescador refletiu por um instante e respondeu.
— Obrigado, não tenho outros desejos.
A religião, o mito, a ciência e a filosofia não vivem de forma compartimentada e completamente isolada entre si. O conhecimento humano é vasto e deuses, leis da física, política, desejos e vontades se mesclam ao longo da história. E a filosofia avança na tentativa de organização e classificação do mundo.”
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“O homem é mais do que mortal. É impotente na grande extensão de sua existência. É limitado, finito. Ser finito é projetar-se em apenas uma possibilidade de ser, excluindo todas as outras possíveis. Se trabalhamos em Florianópolis, não moramos em todas as outras cidades do Brasil e do mundo. Se vivemos no Brasil, excluímos os outros países. Se somos enfermeiros ou comissários de bordo, não somos cozinheiros profissionais ou salva-vidas. O ato mesmo da liberdade é a criação da finitude. Se fazemos a nós mesmos, fazemo-nos finitos e, por esse fato, as nossas vidas serão únicas. Portanto, as escolhas para nossas vidas precisam ser bem pensadas, ponderadas e assumidas com coragem. Podemos escolher entre n possibilidades, mas ainda assim escolhemos. A não escolha já é uma escolha por inércia, por covardia ou impotência. Poderíamos ser filósofos ou médicos, vivermos em muitas cidades, casarmo-nos com inúmeras pessoas. Mas temos uma atividade profissional (podemos ter duas ou mais, mas as exercemos uma de cada vez), moramos em uma cidade, vivemos com uma pessoa com a qual nos relacionamos. Podemos mudar de opções quantas vezes quisermos ou pudermos, mas só poderemos operar uma mudança de cada vez.
Mas o homem, justamente por estar “condenado a ser livre”, leva sobre si o peso do mundo, a responsabilidade por si mesmo e pelos outros. Não é porque a vida é absurda, para Sartre, que o niilismo (teoria em que se promove o estado em que não se acredita em nada, ou de não se ter comprometimentos ou objetivos) é aceitável. Não existe uma irresponsabilidade absoluta, pois, se somos livres, temos que garantir as condições plenas de liberdade também para o outro. Aí entra a responsabilidade social e a ação. Só resta a ação e a liberdade. A necessidade de fazermos algo, mesmo com os limites, mesmo com a interferência controlável dos outros. Mas a vida de cada um deve ser gerida livremente. Esse é um dos temas mais preciosos para Sartre: a liberdade humana, tão discutida e embasada no seu livro teórico O ser e o nada e em vários romances e peças de teatro escritas pelo filósofo, Sartre foi um filósofo que trabalhou sua teoria através de textos filosóficos “puros” e através da arte, ou seja, da literatura e do teatro.
Quando comentamos a nossa vida profissional ou as opções para nossa vida em geral, precisamos levar em consideração esses conceitos. Somos livres e responsáveis por essa liberdade. Essa é uma preposição muitas vezes usada para tolher nossas opções: liberdade com responsabilidade significa “liberdade individual e responsabilidade individual e social”. Isso significa que quem deve fazer a opção somos nós. Cada vez que não escolhemos livremente e colocamos a culpa nos outros, caímos na má-fé, ou seja, mentimos para nós mesmos. Má-fé é a condição de vida qual afastamos nosso olhar dos fatos, opções ou escolhas que, de algum modo, sabemos estar presentes. Exemplos de má-fé:
– Não cursei moda porque meus pais queriam que eu fosse contador, como eles.
– Não fui trabalhar na Califórnia porque minha avó materna estava doente e não sabia quanto tempo ela viveria.
– Tive que aceitar as condições de trabalho desgastantes porque devia favores ao meu chefe.
– Acabei casando porque não tive coragem de falar, na última hora, que não queria mais ficar com aquela pessoa, tão meiga e inocente, mas que me consome a paciência.
– Ela (ele) sempre acaba me obrigando a fazer o que não quero porque tem um poder de persuasão imenso.
– Acabei não indo ao cinema e fui com eles no teatro (assistir a uma peça que eu detesto) para não provocar um mal-estar no meu grupo de amigos.
– Eu não concordo com nada do que vocês dizem, mas vou me calar para não ser o único “do contra”.
Claro que o processo de escolha não é tão fácil e causa angústia. A consciência de alguém ter o seu próprio futuro permeado pelo medo de não sê-lo; ou seja, no nada, causa uma angústia profunda. O exemplo que Sartre nos dá é o de uma pessoa que sobe um caminho estreito, sem parapeito, ao longo de uma trilha montanhosa. A possibilidade de ela se precipitar no abismo que se abre ao lado de seus pés é inerente ao fato de ela existir. Aqui temos o medo e a angústia. O defrontar-se perante a aniquilação do ser. A morte.
Há dois tipos de angústia: uma perante o passado e outra perante o futuro. Ambos (passado e futuro) são permeados por uma liberdade estonteante em relação ao que poderia ter sido feito de forma diferente no passado que já se foi — e, portanto, está “fechado”, determinado — e a possibilidade de se fazer qualquer coisa no futuro que está por vir. A consciência específica dessa liberdade humana é a angústia. A angústia é a captação, através da reflexão, da liberdade que existe por ela mesma. Podemos até fugir para ignorar essa condenação de que a filosofia de Sartre nos faz ao vivermos a liberdade, mas não podemos ignorar que estamos fugindo. Não há possibilidades de escaparmos com subterfúgios dessa opção, que, por sua vez, remete-nos uma abertura de possibilidades de vida futura.
Podemos nesse momento perceber como a consciência da morte, do nada, gera angústia e nos leva à liberdade. Mas sem medo ou má-fé. Para vivermos a liberdade, precisamos coragem de sermos livres, precisamos dominar o medo e a angústia. Esses tópicos são fundamentais em filosofia da educação, pois o ensino deve levar as pessoas à livre escolha, de preferência uma boa escolha.”
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“Um dos ditados gregos merece ser citado e será retomado mais adiante: “Quando os deuses querem destruir alguém, primeiro o enchem de hybris”. Uma tradução livre seria: quando os deuses querem destruir alguém, primeiro o enlouquecem. Hybris é a desmesura, a loucura. Desmesura do quê? Das medidas humanas, ou seja, hybris representa a atitude de um indivíduo de pensar que está acima dos limites humanos, que imagina possuir algum poder divino. Quando os deuses querem destruir alguém, primeiro o fazem pensar que é um deus. A educação pretende, também, inserir o ser humano no contexto humano. Nem mais, nem menos. Igual aos seus semelhantes.”
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“Pessoas diversas em épocas e lugares diferentes passaram por distintas experiências educacionais. Desde a Antiguidade, o processo civilizatório dependeu da cultura e da educação que as pessoas desenvolveram e transmitiram às novas gerações. Entender que vários desses povos, através da história, deram importância ao processo educacional e puderam desenvolver-se plenamente significa entender que a educação é uma contraposição à barbárie, à disseminação da violência, da intolerância e do preconceito. Civilizar significa desenvolver a capacidade de o ser humano viver em grupos, de forma sedentária, em centros urbanos complexos e organizados. A educação é a base de uma civilização desenvolvida de modo a incluir seus mais diversos grupos de maneira harmônica e integrada.
Refletir sobre o nosso processo educacional pessoal ajuda a entender o processo educacional mais amplo de nossa sociedade ao longo da história.”
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“De acordo com Georges Duby (O Tempo das Catedrais, 1979, p. 13-14), o Ocidente do ano 1000 é
rústico, aparece, diante de Bizâncio, diante de Córdoba (dominação islâmica na Espanha), pobríssimo e desamparado. Um mundo selvagem. Um mundo cercado pela fome. Tão dispersa, ainda assim a população é demasiado numerosa. Luta com as mãos quase nuas contra uma natureza indócil cujas leis a sujeitam, contra uma terra infecunda porque mal dominada. Nenhum camponês, quando semeia um grão de trigo, conta colher muito mais de três grãos, se o ano não for mau demais – o suficiente para comer pão até à Páscoa. Depois terá de contentar-se com ervas, com raízes, alimentos de ocasião arrancados à floresta e às margens dos rios. Às vezes, as carências habituais dão lugar às penúrias mortais. Todos os cronistas desse tempo as descreveram e não sem complacência: As gentes perseguiam-se umas às outras para se devorarem, e muitos degolavam os seus semelhantes para se alimentarem de carne humana, à maneira dos lobos.”
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“O rei do século XI era um homem que conhecia as artes da guerra, que manejava uma espada com destreza, mas que também lia livros. Os reis ocidentais não eram mais como os antepassados bárbaros, iletrados. Assim como os imperadores de Roma tinham imagem de fonte de saber e manancial de sabedoria, os reis medievais precisavam conhecer os livros sagrados e, para isso, tinham de saber ler. Os padres cristãos sabiam manejar livros, pois a palavra de seu Deus se encontrava impressa nos textos. O rei, sendo sagrado, devia conhecer as letras e destinar um de seus filhos a ser educado para ser bispo, para auxiliá-lo na magistratura.
Carlos Magno foi um desses reis um pouco mais letrados, e os soberanos do ano 1000
Fizeram questão de que os mosteiros e as igrejas catedrais fossem bem providos de livros e mestres. Desejaram estabelecer no seu palácio o melhor dos centros escolares. Entre os filhos da aristocracia que passavam na corte a juventude, importava que aqueles que não usariam as armas e que estabelecidos nas dignidades da igreja encontrassem junto ao rei o alimento intelectual que lhes era indispensável. A escola estava, por consequência, estreitamente ligada à realeza do século XI. Finalmente, por duas razões, porque o monarca se considerava como sucessor dos Césares, e mais ainda porque Deus, na escritura traduzida por São Jerônimo, se exprime na linguagem de Augusto, a cultura que as escolas difundiam não era a atual nem a indígena (local). Transmitia uma herança a que gerações reverentes tinhas ciosamente salvaguardado na noite e nas ruínas da Alta Idade Média, a de uma idade de ouro, a do Império latino. Era clássica e mantinha a recordação de Roma.
Quantos homens puderam aproveitar essa instrução? Em cada geração, algumas centenas, alguns milhares talvez — e ao nível superior nunca acederam mais que algumas dezenas de privilegiados, dispersos por toda a Europa, separados por enormes distâncias, mas que, no entanto, se conheciam, correspondiam entre si, trocavam manuscritos. A escola eram eles próprios, os poucos livros tinham copiado por sua mão ou que haviam recebido de seus amigos e, em redor deles, um pequeno grupo de auditores, de homens de todas as idades que tinham atravessado o mundo e desafiado os piores perigos para passar algum tempo junto desses mestres e ouvi-los ler. Todos pertenciam à Igreja, (Duby, 1979, p. 29-30).”
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“Para Paulo Freire, vivemos em uma sociedade dividida em classes, sendo que os privilégios de uns impedem que a maioria usufrua dos bens produzidos, inclusive a educação. Refere-se então a dois tipos de pedagogia: a pedagogia dos dominantes, onde a educação existe como prática da dominação, e a pedagogia do oprimido, que precisa ser realizada, na qual a educação surgiria como prática da liberdade. O movimento para a liberdade deve surgir e partir dos próprios oprimidos, e a pedagogia decorrente será “aquela que tem que ser forjada com ele e não para ele, enquanto homens ou povos, na luta incessante de recuperação de sua humanidade”. Vê-se que não é suficiente que o oprimido tenha consciência crítica da opressão, mas, que se disponha a transformar essa realidade; trata-se de um trabalho de conscientização e politização. A pedagogia do dominante é fundamentada em uma concepção bancária de educação (predomina o discurso e a prática, na qual quem é o sujeito da educação é o educador, sendo os educandos comparados a vasilhas a serem enchidas; o educador deposita “comunicados” que estes recebem, memorizam e repetem), da qual deriva uma prática totalmente verbalista. Dessa maneira, o educando, em sua passividade, torna-se um objeto para receber paternalisticamente a doação do saber do educador; sujeito único de todo o processo. Esse tipo de educação pressupõe um mundo harmonioso, no qual não há contradições, daí a conservação da ingenuidade do oprimido, que, como tal, se acostuma e acomoda no mundo conhecido (o mundo da opressão) e eis aí, a educação exercida como uma prática da dominação.”
Fonte: Centro de Referência Educacional, 2008