O que estudo de anúncios pagos no Facebook revela sobre quem ‘curte’ Bolsonaro, Doria e outros políticos
O que os donos de páginas no Facebook descobrem quando pagam por anúncios para atingir um determinado público na rede?
O número de pessoas que potencialmente atingiriam, por exemplo, se mirassem as mulheres que curtem o Luciano Huck, têm entre 18 e 24 anos e moram no Rio de Janeiro: cerca de 170 mil pessoas.
O número não traduz exatamente a quantidade de pessoas que se encaixam exclusivamente nessas classificações, mas chega muito próximo disso. O Facebook leva em conta, às vezes, outros sinais de que pessoas possam gostar de Luciano Huck, por exemplo, ou que estejam vivendo no Rio de Janeiro. Elementos como curtidas em páginas relacionadas, o que as pessoas compartilham publicamente nas próprias timelines, os aplicativos que usam, os anúncios com os quais interagem, seus dados demográficos e o dispositivo móvel que usam podem dar pistas de que pertencem a determinada categoria.
Alvo de recentes denúncias e escândalos envolvendo o compartilhamento indevido de dados de usuários, o Facebook se tornou uma importante ferramenta de marketing. A rede permite aos donos de páginas de lojas, restaurantes, marcas de roupa e até políticos, entre outros, direcionar propaganda categorizando grupos específicos, o que aumenta a eficiência dos anúncios.
Com o objetivo de prover transparência ao sistema de anúncios do Facebook, o pesquisador Fabrício Benevenuto, professor do curso de Ciência da Computação da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), e um grupo de alunos da universidade criaram um sistema que mostra o público que seria alcançado em uma propaganda segundo estimativa do próprio Facebook.
Para traçar esse perfil demográfico, os pesquisadores fizeram de conta que estavam criando um anúncio para uma determinada página e colheram o resultado de “alcance do público” oferecido pelo Facebook. Automatizaram essa ação – ou seja, a replicaram várias vezes com a ajuda do computador- e, assim, traçaram vários perfis de determinados grupos.
Por meio da categorização, foi possível aos pesquisadores descobrir que 72% das curtidas de Jair Bolsonaro no Facebook, ou de conversas relacionadas ao deputado, são de homens – que representam 47% da população brasileira na rede, segundo o alcance previsto pelo Facebook. A proporção é maior que a de Geraldo Alckmin, Lula, Marina Silva e Joaquim Barbosa (todos por volta de 50%).
Outra descoberta: João Doria é favorito entre as pessoas casadas – 54% dos que curtem sua página estão nesse tipo de relacionamento com outras pessoas, sendo que 39% da população brasileira no Facebook é associada a esse atributo.
Ou então: 54% dos fãs da página de Joaquim Barbosa têm mais de 35 anos. Ou ainda: Alckmin só faz sucesso praticamente no Sudeste (75% das pessoas alcançadas ligadas a ele são dessa região, enquanto o número cai para 47,5% na população do Brasil no Facebook).
A ideia do grupo da UFMG é detectar possíveis distorções nesta rede social e em outras que possam atrapalhar o processo democrático no pleito brasileiro de 2018. O resultado pode ser acessado na página “Eleições Sem Fake” – o sistema com o levantamento dos perfis demográficos dos presidenciáveis brasileiros é um entre vários do projeto.
O Facebook tem estado sob intenso escrutínio público desde a revelação de que uma empresa de consultoria política chamada Cambridge Analytica obteve dados pessoais de usuários no Facebook, categorizou-os em perfis psicológicos de acordo com o resultado de um teste de personalidade feito por parte dos usuários e usou essas informações para direcionar anúncios políticos nas eleições americanas de 2016. Segundo o Facebook, que vem revendo suas políticas de privacidade, cerca de 87 milhões de pessoas no mundo podem ter tido seus dados obtidos pela consultoria indevidamente.
Anúncios direcionados
De qualquer forma, a rede social ganha dinheiro vendendo, entre outras coisas, a possibilidade de direcionar anúncios a grupos demográficos específicos.
“Amigos de homens que fazem aniversário em 7 a 30 dias”, pessoas que acessam o Facebook “via iPad 2”, “amigos de pessoas que ficaram noivas recentemente” ou as próprias “pessoas que ficaram noivas recentemente”, “pessoas que preferem produtos de valor alto no Brasil”, pessoas que têm interesse em “Power Rangers”, “J.K. Rowling”, ou que têm nível de renda de “R$ 5.001 a R$ 6.000”, pessoas que gostam “jogos de tiro em 1ª pessoa” (uma categoria de videogame) – é possível mirar propagandas no Facebook para cada um desses grupos, entre muitos outros.
Essa função está liberada nas eleições de 2018, segundo a legislação brasileira. Na prática, significa que políticos e partidos políticos podem fazer propaganda mirando determinados grupos de pessoas.
Ou seja, um pré-candidato pode criar anúncios específicos para quem tem interesse, por exemplo, no apresentador Luciano Huck; ou poderia mirar em homens de 18 a 25 anos que moram em Belo Horizonte, e por aí vai.
Com o sistema, aliás, o pesquisador da UFMG descobriu que pessoas interessadas em Ciro Gomes, por exemplo, não podem ser miradas, porque não existe uma categoria de pessoas com “interesse” no político, como há para outros, imprescindível para direcionar anúncios para pessoas interessadas neles.
Ou seja, o próprio político não poderia fazer propaganda direcionada para quem possivelmente tivesse simpatia por ele; nem um rival poderia tentar abocanhar seus eleitores por meio do recurso.
“Isso é estranho. A legislação brasileira contempla a possibilidade de ‘impulsionamento'”, diz Benevenuto – “impulsionar” um conteúdo é promovê-lo nas timelines de grupos específicos de pessoas. “Porém, o Facebook não permite enviar propagandas para as pessoas que estão interessadas em alguns dos candidatos. Isso coloca um viés nessa plataforma. O Facebook deveria olhar quem são os candidatos e colocar todos ou não colocar nenhum. As regras do Facebook não têm um padrão transparente e toda uma eleição pode ser influenciada se eles não tiverem um cuidado”, diz Benevenuto.
Em resposta ao questionamento da BBC Brasil sobre qual é o critério para definir “interesses” e por que Ciro Gomes não está entre eles, o Facebook respondeu: “A categoria de interesses surge a partir de uma série de sinais lidos pela plataforma do Facebook, e não definidos manualmente. No entanto, é possível selecionar outros tipos de dados para alcançar públicos de interesse na plataforma”.
Banco de anúncios
Para monitorar esses anúncios direcionados, Benevenuto está criando um banco público de todos os anúncios – algo que o próprio Facebook diz querer fazer até junho deste ano na plataforma.
“A ideia é prover transparência sobre os anúncios que as pessoas estão vendo e por quê. Se uma empresa ou partido político fizer uma propaganda massiva às vésperas da eleição, isso apareceria no nosso sistema”, explica Benevenuto.
Ele criou um plug-in, um programa que, quando instalado por diferentes usuários, se conecta ao navegador de internet Chrome ou Firefox, para “colher” todos os anúncios que aparecem nas timelines das pessoas e também as justificativas que o Facebook dá para explicar por que os anúncios estão sendo exibidos às pessoas. Segundo o pesquisador, o programa não coleta informações como amigos, fotos, curtidas e compartilhamentos do usuário.
A ideia é que, quanto mais pessoas instalarem o programa, mais propagandas sejam monitoradas. Cerca de 30 mil propagandas já foram coletadas – há anúncios do MBL direcionados a pessoas de Campinas, por exemplo, convidando para um protesto contra o Lula na cidade, anúncios da deputada e candidata presidencial Manuela D’Ávila procurando atingir pessoas interessadas em “movimentos sociais”, ou de um promotor de Justiça aposentado, Joaquim Miranda, querendo chegar à timeline de pessoas interessadas no Bolsonaro.
A transparência para anúncios direcionados no Facebook foi defendida na semana passada em Londres por Christopher Wylie, ex-diretor de pesquisas da Cambridge Analytica que delatou as práticas da empresa à imprensa. Em uma conferência com a jornalista do The Guardian que publicou uma das primeiras reportagens sobre a consultoria política e o Facebook no Reino Unido, Wylie disse que os anúncios direcionados “erodem o fórum público e impedem o escrutínio da mídia e da sociedade”.
Ele disse não ver problemas com os anúncios direcionados em si, mas no fato de que não se pode fiscalizá-los. “Os anúncios nem estão arquivados em algum lugar. Se a pessoa que os viu quiser vê-los outra vez, não pode. Jornalistas e pesquisadores também não podem vê-los. Só o Facebook os tem.”
Nos Estados Unidos, iniciativa semelhante à da UFMG está sendo levada a cabo pela ProPublica, organização de jornalismo independente. Chamado de “Political Ad Collector”, o plug-in também colhe anúncios e as justificativas do Facebook para estarem sendo exibidos. “Anúncios negativos em jornais, rádio e na televisão são monitorados de perto porque historicamente influenciaram eleições (…) Mas, embora seja a maior rede social do mundo, o que acontece no Facebook fica no Facebook”, diz o texto da ProPublica que apresenta a ferramenta.
O Facebook diz que planeja lançar em junho no mundo todo, inclusive no Brasil, exatamente “um arquivo de anúncios políticos para pesquisa por todo o público”. “O espaço deve conter todos os conteúdos das Páginas identificados como ‘Anúncios Políticos’, mostrando a imagem e o texto do anúncio, além de informações adicionais, como o valor gasto e as informações demográficas do público-alvo de cada anúncio.”
“No Canadá, estamos testando um novo recurso chamado ‘exibir anúncios’, que permite visualizar todos os anúncios que estão sendo feitos por uma Página, mesmo que eles não tenham aparecido em seu Feed de Notícias. Isso se aplica a todas as Páginas de anunciantes no Facebook, não apenas a Páginas que exibem anúncios políticos.”
Os anúncios políticos, segundo o Facebook, serão identificados como tal em seu canto superior esquerdo. Além disso, qualquer pessoa que queira exibir anúncios relacionados a política terão de ser autorizados pelo Facebook, confirmando sua identidade e localização.
“Também estamos investindo em inteligência artificial e adicionando mais pessoas para ajudar a encontrar anunciantes que deveriam ter passado pelo processo de autorização, mas que não o fizeram. Sabemos que não conseguiremos identificar todos os anúncios que deveriam ser identificados, por isso incentivamos nossa comunidade a denunciar anúncios políticos sem identificação.”
E como a Justiça Eleitoral fiscalizará esses anúncios? Para Carlos Neves, advogado eleitoral e autor do livro “Propaganda Eleitoral e o princípio de Liberdade de Expressão Política” (2012), o “acesso” aos anúncios veiculados não precisa passar pelo Estado. “O Estado deve atuar quando provocado. Quem receber uma propaganda e discordar do conteúdo é que poderá denunciar ao ofendido, ao Ministério Público ou nas plataformas da Justiça eleitoral”, afirma. “Acho que é muito interessante um controle social das pautas, políticas públicas e do que é dito pelos políticos. Mas não é matéria legislativa, é matéria de controle social. Não é função do Estado pegar essas contradições, é função da imprensa e da coletividade.”
Questionado, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) disse que não cabe ao órgão “a tarefa de monitorar anúncios em qualquer rede social ou veículo de comunicação”. “A Justiça Eleitoral organiza, fiscaliza e realiza as eleições regulamentando o processo eleitoral, examinando as contas de partidos e candidatos em campanhas, controlando o cumprimento da legislação pertinente em período eleitoral e julgando os processos relacionados com as eleições.”