País sela avanços, mas segue o desafio de ampliar vagas na rede federal
São Paulo – O Brasil entrou no século 21 com as mesmas 45 universidades federais públicas construídas ao longo de toda a história. No início da década passada, ofereciam 113 mil vagas, a imensa maioria ocupada por jovens que desde cedo podiam cursar as melhores escolas. A rede universitária mantida pela União tampouco ousava sair das capitais e grandes centros, rumo aos rincões do país.
A partir de 2005, em atendimento às diretrizes do Plano Nacional de Educação em vigência, o governo de Lula lançou bases para expandir essa rede pública. De lá para cá, houve um salto quantitativo vigoroso. O número de universidades federais passou de 45 para 59, com 126 novas dependências em praticamente todas as regiões, e o número de vagas – incluindo a ampliação nas escolas já existentes – praticamente dobrou de lá para cá. A oferta saltou de 113.263, em 2002, para 239.942, em 2012. Os aspectos qualitativos, porém, não andaram no mesmo ritmo.
Em 2008, o governo tentou, com uma adequação do Programa de Apoio aos Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), se antecipar a gargalos que surgiriam em função desse ritmo de expansão, mas os resultados ainda deixam a desejar. A falta de pessoal, equipamentos e infraestrutura adequada a consolidar os novos polos de produção de inovação e conhecimento impõe novos desafios que precisam ser superados, mas já a partir de um novo patamar.
Segundo o Ministério da Educação (MEC), o número de professores saltou de 40.655, em 2003, para 84.450, em 2013. E a proporção de docentes com titulação cresceu 90% para profissionais com mestrado e 136%, com doutorado.
O pró-reitor de Extensão da Universidade Federal do ABC (UFABC), Daniel Pansarelli, observa esse período de expansão como de avanços em toda a rede. Ele destaca a realização de concursos para preenchimento das vagas criadas com os novos cursos, a execução de obras de infraestrutura, inauguração de novos campi e de polos avançados – no caso do ABC, o campus de São Bernardo e o polo avançado de Mauá. “As obras avançaram porque os recursos continuaram sendo repassados”, diz Pansarelli. “Esses recursos permitem que as universidades concretizem planos de desenvolvimento. Aqui, por exemplo, temos salas de cinema para inaugurar que vão atender a população, e não apenas os estudantes. E, nos próximos dez anos, pretendemos expandir nossa área de Ciências da Saúde e da Vida, para oferecer curso de Medicina.” Em 2013, a União repassou R$ 28 bilhões às universidades.
Poréns
Apesar dos avanços, permanecem questões a serem equacionadas, como uma nova postura da universidade em relação ao estudante trabalhador, que não era seu público. “É preciso ampliar a oferta de cursos noturnos”, defende Panzarelli. Outra é a necessidade de valorização da carreira docente. Nos últimos anos do governo Lula e primeiros da gestão Dilma Rousseff, houve ajustes salariais, mas insuficientes. Uma greve deflagrada em maio de 2012, com adesão de 58 das 59 universidades, se prolongou até setembro. Além de questões salariais, os trabalhadores reivindicavam melhores condições, inclusive de infraestrutura, ainda inadequadas, em descompasso com a ampliação da rede.
“Na Universidade Federal de Santa Catarina, há professores com 300, 500 alunos. É possível acompanhar, e bem, até 100”, avalia o professor da Faculdade de Arquitetura da UFSC Paulo Rizzo, atual presidente do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes-SN). Recentemente, a entidade manifestou repúdio ao apoio dos reitores à reeleição da presidenta Dilma.
Em meio à crise de 2012, o governo modificou as regras da carreira docente federal. No final de dezembro daquele ano, aprovou a Lei 12.772. Entre as mudanças, a carreira passa a iniciar sempre pelo piso da categoria, de professor auxiliar, independentemente da titulação. “A carreira foi achatada, aumentos por pontos na carreira foram retirados e os professores com doutorado, que chegavam a ganhar 75% a mais, foram prejudicados. Tivemos perdas”, avalia Rizzo.
Para o dirigente, outro retrocesso foi a criação, em 2011, da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH). Vinculada ao MEC, tem o papel de administrar hospitais universitários federais e coordenar o Programa de Reestruturação dos Hospitais Universitários Federais (REHUF), criado em 2010. O temor é de que, dependendo do perfil dos dirigentes, a empresa venha a firmar parcerias que coloquem em risco o atendimento exclusivamente público e o caráter acadêmico desses hospitais-escola.
O vestibular em xeque
Os últimos quatro anos trouxeram avanços nas oportunidades de acesso à universidade, sobretudo com a substituição total ou parcial do vestibular em muitas instituições. Em abril, a Universidade Federal de Pernambuco decidiu pela adesão total ao Sistema de Seleção Unificada (Sisu), mecanismo criado pelo MEC que seleciona os candidatos para as vagas ofertadas pelas instituições públicas a partir do desempenho no Enem. O sistema de seleção, já adotado por 21 universidades federais, quatro estaduais e 29 institutos federais, passa a valer já em 2015 na UFPE.
“Com isso ampliam-se as oportunidades de acesso ao ensino superior, desobrigando a adoção do vestibular, agressivo e desigual, permitindo o ingresso de muitos estudantes que nem sequer imaginaram um dia poder cursar uma faculdade”, avalia o pró-reitor da UFABC, universidade que desde a criação, em 2006, adota as notas do Enem como forma de seleção de estudantes.
Houve também a efetivação de mecanismos de acesso por meio da política de cotas. No final de agosto de 2012, a presidenta Dilma Rousseff sancionou a Lei nº 12.711, que disciplina o ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio. Essas instituições têm até 2016 para reservar metade das vagas para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas. Desse percentual, metade é para estudantes de famílias com renda de até 1,5 salário mínimo per capita.
Parte dos críticos ao sistema o considera ameaça ao princípio da igualdade e do mérito acadêmico. E também ineficaz, porque o problema estaria na má qualidade do ensino básico público e não na má distribuição de renda, mas o fato é que a política de cotas já deu demonstrações de acertos.
Entre 2004 e 2011, a proporção de pessoas pertencentes à faixa de menor renda aumentou a presença no ensino superior, passando de 0,6% para 4,2%. No mesmo período, a inserção dos pretos evoluiu de 5% para 8,8% e dos pardos, de 5,6% para 11%, segundo o Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
Defensor da estratégia, o religioso franciscano Frei David, coordenador da organização Educafro, avalia que essa distribuição das vagas reservadas para os cotistas pode levar a distorções. Ou seja, a reserva de vagas para os mais pobres, que ganham até um salário mínimo e meio, é de apenas 25%. “Acontece que, na rede pública brasileira, 38% dos alunos são de classe média. Em várias cidades do interior, não há demanda para a construção de uma escola particular. Então, os filhos dos prefeitos e dos juristas estudam na rede pública”, afirma.
Frei David defende que as cotas a egressos da rede pública sejam vinculadas também à condição de baixa renda até atingir o total estipulado pela lei, no final de 2015. No ano passado, por exemplo, foram reservados pelo menos 12,5% do total de vagas das instituições federais para estudantes de escolas públicas. Ainda não há dados sobre o reflexo da lei de cotas nas matrículas, segundo o MEC. O critério só será medido a partir do próximo Censo da Educação Superior, a ser publicado no próximo ano.
“A lei é uma nova abolição no país, porque dialoga com 88% das matrículas do ensino médio no Brasil, que estão nas escolas públicas. Ela convida esses estudantes mais pobres a sonhar e cria oportunidade para eles”, analisa Sérgio Custódio, coordenador do Movimento dos Sem Universidade.
Além da reserva de vagas, a política inclui auxílio financeiro ao estudante. Em 2013, o orçamento para o Programa Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes) aumentou, chegando a R$ 600 milhões. Representantes do MEC e reitores estariam articulando uma política de acolhimento dos alunos cotistas, segundo o órgão.
A implementação da lei será monitorada por um comitê composto por representantes do Ministério da Educação, da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) e da Fundação Nacional do Índio (Funai), com a participação de entidades da sociedade civil.
“Esse comitê deverá não apenas monitorar a implantação da lei, mas garantir diálogo, para fazer com que a legislação chegue até as escolas públicas. Tem muita escola no Brasil que não sabe que a lei de cotas é para ela, porque o governo estadual, responsável pelo ensino médio, não comunica as suas escolas que os alunos têm esse direito”, afirma Custódio.
Caminhos da expansão
Com o Programa de Apoio aos Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), o ensino superior federal, oferecido quase que exclusivamente nas capitais, levou em consideração as diferenças regionais, marcadas, sobretudo, por indicadores de desenvolvimento econômico social e avançou pelo interior do país.
O mesmo se deu com os institutos federais de educação tecnológica, que passaram de 140 em 2003 para 354 em 2014, saltando de 242.976 em 2010 para 287.666 em 2013. A meta é chegar a 562.
Segundo o MEC, os novos institutos federais foram distribuídos conforme as maiores necessidades. Assim, 13% das novas unidades estão na região Norte, 35% na região Nordeste, 20% na região Sudeste, 17% na região Sul e 14% na região Centro-Oeste. De 2011 até o final de 2014, serão investidos R$ 3,85 bilhões na expansão e reestruturação da rede federal.
Entre 2003 e 2013, o número de alunos que se matriculou em universidades aumentou 76,4%. No último ano, o país registrou 7,3 milhões de universitários, quase 300 mil a mais que em 2012, quando as matrículas aumentaram 3,8%, sendo 1,9% na rede pública 4,5% na rede privada, de acordo com Censo da Educação Superior, divulgado pelo Ministério da Educação no último dia 9, em Brasília.
Os universitários brasileiros estão distribuídos em 32 mil cursos de graduação, ministrados por 2,4 mil instituições de ensino superior. Delas, apenas 301 são públicas. Os cursos de maior procura são Administração (800 mil), Direito (769 mil) e Pedagogia (614 mil).
As matrículas em licenciaturas aumentaram mais de 50% nos últimos dez anos. Os cursos tecnológicos são hoje responsáveis por 13,6% das matrículas na educação superior. Entre 2003 e 2013, o total de vagas oferecido nesta modalidade saltou de 115 mil para um milhão. Além disso, o país já conta com pelo menos 1,2 mil cursos a distância, que equivalem a uma participação de 15% das matrículas de graduação. Em 2003 eram 52.
Interiorização das federais
Sem fronteiras
Alvo de críticas quanto à gestão, à dificuldade de acompanhamento dos estudantes, à limitação das bolsas, que deixam de fora estudantes das ciências sociais e pela dificuldade do país em absorver a mão de obra capacitada em universidades estrangeiras, o Ciência Sem Fronteiras é uma das vitrines do governo Dilma.
“Imagine o estudante que não esperava entrar numa universidade federal e que passa a poder estudar em universidade estrangeira, com bolsa do governo”, salienta Daniel Pansarelli, da UFABC, destacando o significado de inclusão social da medida.
Criado em 2011, o projeto prevê a utilização de até 101 mil bolsas em quatro anos para alunos de graduação e pós-graduação estagiarem no exterior. Do mesmo modo, objetiva atrair pesquisadores estrangeiros que queiram se fixar no Brasil ou firmar parcerias com pesquisadores brasileiros nas áreas prioritárias.
“Não se trataria só de uma ação de custeio, como na graduação. Você pode convidar o setor produtivo e o estatal, elencar as áreas de afinidade, de demanda e estruturar, a partir daí, um programa de pós-graduação”, completa Sérgio Custódio, que defende ainda o passe livre no transporte público para os prounistas e a articulação com ações já existentes, como o Vale Cultura.
Da Rede Brasil Atual