Parlamentares e entidades defendem comissão especial sobre educação no contexto da pandemia
A coordenadora da Secretaria de Assuntos Educacionais da Contee, Adércia Bezerra Hostin dos Santos, participou hoje de uma reunião remota com deputados das cinco Frentes Parlamentares de Educação, juntamente com representantes de outras entidades educacionais, para debater a agenda prioritária para a educação. A iniciativa foi proposta pela deputada Margarida Salomão (PT-MG), a partir de provocação da deputada Ângela Amim (PPR-SC), numa tentativa de aglutinar várias forças políticas numa possível agenda comum. E os desafios impostos pela Covid-19 — bem como pelos interesses econômicos, que pressionam pela volta às aulas presenciais neste momento — tiveram destaque, com a proposta de formação de uma comissão parlamentar especial para tratar do assunto.
Segundo Margarida, cinco temas haviam sido levantados previamente como prioritários: a regulamentação do Fundeb; o Sistema Nacional de Educação; o Piso Nacional da Educação; a ameaça da desvinculação constitucional para a educação; e a volta às aulas. “São cinco temas muito importantes. Em relação ao Fundeb, por exemplo, eles [o governo, sua base e o setor privatista] ainda não desistiram de algumas maldades. Na regulamentação ainda podem voltar essa falsa dicotomia entre ensino superior e escola básica, por exemplo”, alertou o deputado Reginaldo Lopes (PT-MG).
“Sobre a volta às aulas, acho que já discutimos aqui, talvez fosse necessário o Parlamento criar uma comissão especial. Sem uma comissão especial e emergencial, como feita na saúde, é difícil a gente sistematizar e ter força para apresentar pautas, mesmo que sejam pautas emergenciais. Temos aí uma falência das universidades comunitárias e filantrópicas. É possível fazer alguma coisa? Temos também uma diminuição enorme de matrículas no setor privado. Há possibilidade de diminuição de custo da mensalidades? Cabe um financiamento emergencial? Cabe um aporte do Estado para os alunos? Muitos estudantes são pobres, perderam renda familiar, perderam o emprego. São temas que estão colocados”, observou o deputado.
“Vamos propor o que para a volta às aulas? Adequação do espaço físico? Vai ter rubrica orçamentária? Individualmente, podemos apresentar proposições, mas elas perdem força para se garantir na pauta. Seria melhor que isso fosse fruto coletivo, de uma comissão especial. Em relação à pandemia, podem até voltar os outros setores econômicos, mas o grande desafio é voltar as aulas, porque estamos falando de professores que têm idade, que têm comorbidades, de salas de aulas que não comportam dois metros de distância, de jovens que não têm equipamento, de escolas que não têm conectividade…”, enumerou.
Se Lopes citou os problemas financeiros de IES privadas, Margarida lembrou que o ensino superior não é o único afetado. “Temos a questão das escolinhas infantis. Quase todas foram à falência. Estamos com uma situação, neste momento, extraordinariamente complicada. E é complicada para a rede municipal num aspecto, complicada para as universidade federais em outro aspecto… São várias complicações”, comentou a deputada. “Precisamos então solicitar uma reunião com o Rodrigo Maia (presidente da Câmara dos Deputados) em nome dessas cinco frentes de educação aqui reunidas e constituir essa comissão.”
De acordo com as propostas apresentadas e sintetizadas por Margarida, no âmbito da comissão seria constituído também um observatório para acompanhamento da situação da volta às aulas. Outro tópico é um tratamento especial do Projeto de Lei Orçamentária Anual para 2021, que precisa contemplar recursos para as demandas impostas pela crise sanitária e seu impacto no setor educacional.
Estudantes e trabalhadores em educação
Durante a reunião, o presidente da União Nacional dos Estudantes, Iago Montalvão, expressou sua preocupação com a situação dos alunos das instituições de ensino superior privadas. “A cada mês saem estudos apontando o aumento expressivo do índice de evasão e da inadimplência. Estudantes que são trabalhadores e que perderam o emprego ou a renda não estão conseguindo se manter nas universidades. E estamos falando de estudantes que já fizeram dois, três anos de curso. É muito ruim para o estudante perder todo esse período e é ruim para o país também, que vai perder formação profissional, vai perder cérebros, vai perder pesquisa”, lamentou.
Para enfrentar essa realidade, a UNE propõe a criação de um auxílio emergencial aos estudantes das universidades privadas, para conseguirem pagar as mensalidades. “Existe um projeto nesse sentido na Câmara, de alguns deputados do PT, e também um no senado, do senador Weverton Rocha (PDT-MA). O do senador Weverton é um financiamento emergencial, tipo Fies, para o período de calamidade pública. Já o dos deputados do PT na Câmara é um projeto de bolsa para os estudantes, cobrando, é claro, a contrapartida das instituições privadas: reduzir a mensalidade e não demitir os professores”, explicou Iago. Ele também falou sobre a “necessidade urgente de ampliação da política de assistência estudantil” nas universidades públicas.
Foi sobre a fala do presidente da UNE e a importância de medidas em prol dos estudantes e trabalhadores do setor privado de ensino que a coordenadora da Secretaria de Assuntos Educacionais da Contee concentrou sua intervenção. “Este encontro virtual é de extrema importância para organizar essa luta que é de todos. Sempre defendemos na Contee, incondicionalmente, a educação pública e o financiamento público exclusivamente para a escola pública. E hoje vivemos um tempo em que estamos tendo que discutir um tipo de projeto emergencial para socorrer as instituições de ensino privadas. O projeto de assistência a esses estudantes, apresentado pelo Iago, trás dois pontos específicos, de contrapartida: a redução das mensalidades e a não demissão dos professores. Mas qualquer projeto nesse sentido vai muito além dessas duas questões”, alertou Adércia.
“É necessário fazer um mapeamento com bastante critério crítico, porque vamos tratar de uma gama diversas de instituições: filantrópicas, confessionais, comunitárias, conveniadas e as com fins lucrativos, que não compartilham resultado com seus trabalhadores e que dividem os prejuízos, que seguem a lógica do mercado. Fazemos a defesa incondicional de que educação não é mercadoria, mas essa não é a lógica compartilhada por quem gerencia o ensino privado. Sem um mapeamento, sem um raio-X concreto da realidade das instituições de ensino privado, caímos de repente no risco de beneficiar interesses financeiros”, ponderou a diretora da Contee.
“Sabemos dos impactos da pandemia, mas também sabemos de instituições que estavam, entre aspas, ‘mal das pernas’ muito antes da Covid-19 e que agora vão usar essa questão para se beneficiar de alguma forma. Quando se regula um projeto dessa magnitude, de colaboração social com nossos estudantes, há que se ter cuidado com o desvio do dinheiro público para os lucros da iniciativa privada. É preciso lembrar que os trabalhadores dessas instituições não têm plano de carreira, não têm piso salarial… É uma outra realidade, que não se impõe à rede pública. É preciso haver regulação.”
Além da proposta citada por Iago Montalvão, o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Heleno Araújo, ressaltou outros dois projetos de lei em tramitação no Congresso: o PL 2949 que “Dispõe sobre a Estratégia para o Retorno às Aulas no âmbito do enfrentamento da pandemia do coronavírus (Covid-19)” e o PL 3165, que “Dispõe sobre ações emergenciais destinadas à educação básica pública a serem adotadas durante o estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, e dá outras providências”. “É muito importante a aprovação do que está tramitando nesta Casa, dessas duas iniciativas importantes para cuidar dos trabalhadores e estudantes das nossas escolas e universidades. E é igualmente importante garantir recursos para que essas medidas de fato sejam executadas”, frisou Heleno.
“É necessário que o Parlamento faça um processo de acompanhamento em cada local. Porque não podemos, depois de retornar às aulas sem essas condições de saúde e segurança, lamentar a contaminação, lamentar mortes e voltar a suspender as atividades presenciais. Temos a capacidade de prevenir antes. O Parlamento tem essas condições, até estimulando as Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais a desenvolver também esse papel infelizmente ausente no Executivo nacional”, afirmou.
“A educação básica é hoje o setor que mais sofre com esse agravamento da desigualdade social”, complementou a presidenta da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), Rozana Barroso. “Há uma grande evasão escolar. Nossas escolas fechadas significam fome para aquelas crianças que têm como única refeição do dia a merenda escolar e significa exclusão institucional para aquelas outras crianças e secundaristas que sofrem com a exclusão digital, porque por ela são impedidos de acessar seu direito, que à educação.”
Para ela, o debate sobre volta às aulas precisa garantir não apenas a saúde de estudantes, professores, técnicos administrativos, familiares e de toda a comunidade, mas também passar pela construção de uma nova escola. “Há quanto tempo falamos que as escolas públicas precisam acompanhar o desenvolvimento das novas tecnologias? A exclusão digital impede hoje o exercício de plena cidadania. Muitos secundaristas enfrentam hoje uma falta de perspectiva de futuro. E por isso tenho defendido a necessidade de diálogo. São tantos problemas, que precisamos pensar nas soluções antes do retorno.”
Por Táscia Souza