Paulo Guedes: o amigo do mercado, por Samuel Pinheiro

“Guedes é um economista ultraneoliberal, cuja visão do Brasil e da economia brasileira é a visão do Mercado, simples para desafios tão complexos quanto os que apresentam as instituições sociais, econômicas e políticas brasileiras”.

Jair Bolsonaro, Presidente da República, tem declarado que “nada entende de economia”.

Segundo Bolsonaro, o economista Paulo Guedes seria o seu “Posto Ipiranga” para a Economia.

É uma “terceirização” inédita na História do Brasil, esta de transferir toda a responsabilidade para Paulo Guedes, Ministro da Economia, para formular e executar a política econômica.

Guedes é um economista ultraneoliberal, cuja visão do Brasil e da economia brasileira é a visão do Mercado, simples para desafios tão complexos quanto os que apresentam as instituições sociais, econômicas e políticas brasileiras.

Guedes adotou, integralmente, o Projeto do Mercado para o Brasil.

O Projeto do Mercado para o Brasil é o projeto dos muito ricos, dos megainvestidores, das empresas estrangeiras, dos rentistas, dos grandes ruralistas, dos proprietários dos meios de comunicação de massa, dos grandes empresários, dos grandes banqueiros, e de seus representantes na política, na mídia e na academia.

É o projeto de uma ínfima minoria de indivíduos, para se beneficiar como ínfima minoria do trabalho de 210 milhões de brasileiros.

Segundo a Secretaria da Receita Federal, cerca de 30 milhões de brasileiros apresentam anualmente declaração de renda em que revelam ter rendimento superior a dois salários mínimos, cerca de 500 dólares por mês. Portanto, dos 150 milhões de brasileiros adultos (o que corresponde ao número de eleitores), 120 milhões ganham menos de dois salários mínimos por mês e estão isentos de apresentar declaração de renda.

Na outra extremidade da concentração extraordinária de renda, seis mil brasileiros declaram voluntariamente ter rendimentos superiores a mais de 320 mil reais por mês. Todavia, pode-se dizer que os que “controlam” o Mercado seriam aqueles que declaram ter renda superior a 160 salários mínimos por mês, cerca de 20 mil indivíduos.

O projeto econômico ultraneoliberal de Guedes/Mercado/Bolsonaro se fundamenta em premissas simples:

. a iniciativa privada pode resolver, sozinha, todos os problemas brasileiros;
. a iniciativa privada estrangeira é melhor do que a brasileira;
. o Estado impede a ação eficiente da iniciativa privada ao:
. cobrar impostos extorsivos;
. proteger o Trabalho e prejudicar o Capital;
. regulamentar em excesso as atividades econômicas;
. distorcer a economia com a ação de suas empresas;
. privilegiar empresas de capital brasileiro;
. causar a inflação;
. gerar a corrupção;
. inibir a iniciativa privada estrangeira.

É correta a teoria das vantagens comparativas para explicar a divisão internacional do trabalho entre nações industriais e nações produtoras/exportadoras de matérias primas, e que incluiria, entre essas últimas, o Brasil. O Brasil deve procurar se aliar econômica e politicamente a Estados poderosos do Ocidente, em especial aos Estados Unidos, e não a países subdesenvolvidos, pobres, atrasados, turbulentos.

O Projeto do Mercado, que está sendo executado por Guedes, inclui as seguintes políticas:

• congelamento constitucional dos gastos públicos primários, em termos reais, por vinte anos;
• prioridade absoluta ao pagamento do serviço da dívida pública;
• não aumento de impostos e até redução de impostos (e, portanto, de receitas públicas);
• privatização, para o capital nacional ou estrangeiro, de todas as empresas do Estado, agora de forma acelerada;
• reforma (privatização) da Previdência;
• abertura de todos os setores da economia a empresas estrangeiras;
• eliminação radical e unilateral de tarifas aduaneiras;
• revogação da legislação trabalhista para reduzir o “custo” do trabalho;
• política anti-inflacionária, de real valorizado e juros elevados, com consequente desindustrialização;
• redução dos impostos sobre as empresas;
• desregulamentação geral (e “auto-regulamentação” e “auto-fiscalização”);
• redução do Estado ao mínimo, e sua degradação técnica, com redução de órgãos, funcionários e salários;
• descentralização de competência e de recursos da União para Estados e Municípios;
• alinhamento político, militar e econômico com os Estados Unidos, através da participação na OTAN e na OCDE.

Tais medidas, segundo os defensores do projeto Mercado/Guedes, seriam capazes de recuperar o equilíbrio fiscal entre receitas e despesas, o grau de investimento conferido ao Brasil pelas agências internacionais de rating (classificação de risco) e, em especial, a confiança dos investidores nacionais e estrangeiros, confiança que seria suficiente para atrair e gerar os investimentos necessários à retomada do crescimento e consequente geração de empregos.

Essas políticas, cuja única esperança é a “conquista da confiança” dos investidores, e que vem sendo aplicadas desde 2016, geraram 13 milhões de desempregados, mais de seis milhões de “desalentados”, 40 milhões de empregados informais (sem carteira e sem direitos), sessenta milhões de endividados, falência de centenas de milhares de empresas, estagnação da economia, deterioração da infraestrutura, aumento da desindustrialização, precarização dos sistemas de saúde e educação, retorno de doenças que haviam sido erradicadas e não conseguiram, nem de longe, gerar a “confiança” dos investidores.

A política econômica de Paulo Guedes está:

• destruindo os recursos naturais, através de liberação indiscriminada de agrotóxicos, da não repressão ao desmatamento e da leniência nas liberações ambientais;
• permitindo a degradação da infraestrutura de transportes (estradas, aeroportos e portos);
• degradando a força de trabalho, pelo desemprego e subemprego, que faz perder a qualificação; pela degradação física e dos serviços das instituições de saúde pública e de educação; pela “cassação” de direitos trabalhistas e consequente exploração do trabalho;
• destruindo a indústria, ao não ter e ao condenar qualquer política industrial, enquanto a elevada capacidade ociosa não permite a atualização do maquinário;
• ameaçando a indústria com a redução unilateral e radical de tarifas aduaneiras;
• destruindo o sistema de pesquisa científica e tecnológica, o que promove a evasão de cérebros;
• descurando de exercer uma política de promoção e diversificação de exportações, em especial industriais;
• consolidando o sistema financeiro improdutivo, o que se agravará com a eventual autonomia do Banco Central e sua “captura” definitiva pelos bancos;
• destruindo a capacidade do Estado de promover o desenvolvimento, através da desarticulação e privatização dos bancos públicos, do corte de cargos; da transferência de competências da União para Estados e municípios (“menos Brasília e mais Brasil”);
• destruindo a capacidade de construir um sistema dissuasório de Defesa da Soberania
• tentando “aferrolhar” estas políticas através do pedido de ingresso na OCDE e na OTAN e consequente afastamento dos BRICS.

Ao lado desse projeto econômico ultra-neoliberal do “Mercado” e executado por Paulo Guedes há um projeto social retrógado para o Brasil, patrocinado por organizações religiosas, setores mais conservadores das elites e classes médias, cujas premissas seriam:

• a maioria da população, devido à sua situação econômica e cultural, está sujeita a ser manipulada por indivíduos populistas, socialistas, comunistas etc. que fazem promessas irrealizáveis para conquistar e explorar o poder;
• a sociedade brasileira é intrinsecamente corrupta;
• todos os políticos e partidos são corruptos;
• os governos se sustentam através da corrupção e da compra de votos;
• a violação de direitos constitucionais e legais por membros do Judiciário e do Ministério Público se justificaria para combater a corrupção;
• a corrupção foi enfrentada pela Operação Lava Jato, comandada por Sérgio Moro, juiz de primeira instância, que contou com a conivência de membros dos Tribunais superiores e da grande mídia, para uma condução processual no mínimo heterodoxa e que agora se revela ilegal;
• as investigações da Lava Jato teriam “demonstrado” que o partido que teria promovido a corrupção no sistema político teria sido o PT, conduzido por Luiz Inácio Lula da Silva;
• tornou-se, assim, um objetivo não só político mas ético e moral, para combater a corrupção, principal mal da sociedade brasileira, impedir por todos os meios que o ex-Presidente Lula pudesse se candidatar e, iludindo o povo ingênuo, ser eleito e reimplantar os mecanismos de corrupção;
• uma das causas da corrupção na sociedade, na economia e na política brasileiras é o abandono dos valores tradicionais da família, da moral e do comportamento;
• o abandono e corrupção dos valores se fez através de métodos de ensino permissivos, em especial nas escolas públicas, e pela chamada “revolução de costumes” promovida pelo Estado, dirigido pelo PT e pela ação do chamado “marxismo cultural”.

As medidas e politicas a serem executadas para implantar este projeto social para o Brasil são:

• o afastamento, isolamento e proibição de atividade política do Presidente Lula;
• a “escola sem partido”;
• o ensino à distância;
• a “reforma” despolitizadora e militarizada do ensino, com a não obrigatoriedade do ensino de filosofia, história e sociologia e o regresso da disciplina “Moral e Cívica”;
• o fim da “liberdade de cátedra”;
• a “neutralização” dos professores “marxistas”;
• a permissão implícita de luta contra a liberdade de orientação sexual;
• a criminalização do aborto em qualquer circunstância;
• a repressão implacável ao consumo, tráfico e produção de qualquer tipo de droga;
• a promoção e estímulo do uso da violência policial extrema, inclusive o assassinato, para combater a criminalidade;
• o armamento geral da população civil;
• a redução da idade mínima de responsabilidade penal para 16 anos;
• a restauração do controle masculino sobre a família e a mulher e a leniência no combate à violência contra a mulher;
• a censura a manifestações culturais não conservadoras;
• a “re-escritura” e “reinterpretação” histórica do Governo do Presidente Lula.

Os indicadores de deterioração política, econômica e social do Governo Bolsonaro são cada vez mais evidentes e gritantes:

• a revisão sempre para baixo das estimativas de crescimento do PIB;
• a crescente capacidade ociosa na indústria;
• a desarticulação de sua base política no Congresso;
• a desmoralização do Ministro Sérgio Moro e da Operação Lava Jato;
• o arbítrio e intolerância ideológica do Governo;
• a crítica à influência de Olavo de Carvalho;
• o conflito latente entre os chamados “olavistas” e os militares em cargos públicos;
• o estímulo ao antagonismo social nas redes “bolsonaristas”;
• a crescente violência armada;
• a perspectiva de formação e fortalecimento de milícias pelo armamento geral da população;
• a crítica dos meios de comunicação impressos sobre a “capacidade” de governar do presidente;
• a crítica à falta de decôro no exercício da mais alta magistratura;
• o repúdio internacional ao Governo Bolsonaro como de ultra-direita.

A política econômica advogada pelo mercado, e implementada por Paulo Guedes, e a política social de Bolsonaro, se chocam com a realidade brasileira e levarão:

• ao aumento da concentração de renda e de riqueza;
• ao aumento das disparidades sociais de toda ordem;
• ao agravamento do desemprego;
• ao agravamento das vulnerabilidades externas econômicas, políticas e militares;
• ao aumento do antagonismo social e da violência.

O projeto econômico ultra-neoliberal de Guedes e o projeto social de retrocesso, executados pelo Presidente Bolsonaro e seus Ministros e a campanha diária de incitação ao ódio nas redes sociais contra “esquerdistas” em geral, instigam conflitos sociais e a violência e tornam cada vez mais difícil a tarefa de construir uma sociedade democrática, justa, próspera e soberana, à altura dos desafios e do potencial do Brasil.

A execução do projeto econômico ultra liberal e do projeto social retrógrado, em um ambiente político geral, e na Alta Administração, de ignorância sobre temas complexos; de incapacidade política; de inexperiência administrativa; de voluntarismo; de anti-intelectualismo; de preconceito; de vinculações políticas escusas, tornam ainda mais graves suas consequências para o Brasil e para os mais pobres, a imensa maioria do povo.

Todavia, o mais grave é a permanência da política econômica implementada por Paulo Guedes sob o côro de aprovação da mídia, dos empresários, do sistema financeiro e da academia enquanto o povo clama por trabalho.

Paulo Guedes tenta agora, na conjuntura, apavorar o Governo e a população e intimidar o Congresso com a “reforma” da Previdência (isto é, sua extinção) que, segundo ele, levaria a uma economia de um trilhão de reais (em dez anos). Guedes não apresenta cálculos nem provas do que afirma.

A natureza do Governo do Presidente Jair Bolsonaro, em seu ataque permanente e enviesado às instituições econômicas, sociais e políticas, é tão radical que a implementação de suas políticas terá resultados mais graves do que as políticas que decorreriam da invasão e da ocupação do Brasil por uma Potência estrangeira, que se empenhasse em dificultar o desenvolvimento do país e de submetê-lo a seus interesses políticos, econômicos e militares.

É necessário e urgente que as forças sociais e as instituições permanentes da Nação e do Estado se conscientizem das consequências dessas políticas e defendam o direito da sociedade e do povo brasileiro à democracia, ao desenvolvimento, à justiça e à paz social e à soberania.

*Samuel Pinheiro Guimarães é embaixador de carreira, foi Secretário Geral do Itamaraty (2003-2009) e Ministro de Assuntos Estratégicos (2009-2010).

Portal CTB

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