Renato Feder e o atropelo na educação em São Paulo

As maquinações do secretário da Educação que tentou cancelar a participação do estado no Programa Nacional do Livro e do Material Didático

Raquel Cozer

Um grupo de doze pessoas representando indústrias com um faturamento total de cerca de 300 bilhões de reais por ano aguardava na entrada do prédio em estilo neoclássico da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (Seduc-SP), no Centro da capital. Às cinco da tarde, a comitiva foi convidada a subir ao majestoso Salão Nobre, com suas paredes com lambris de madeira e coroadas por painéis a óleo em tons de verde e dourado. Os executivos estavam ali para discutir com o secretário da Educação, Renato Feder, o tema que ocupava desde 31 de julho, dez dias antes, as manchetes dos maiores jornais do país e as conversas de todos os círculos do meio educacional de São Paulo: a decisão da gestão paulista de abdicar de 10 milhões de livros didáticos financiados pelo governo federal para 2024. Nas escolas estaduais, os livros já estavam sendo substituídos aos poucos por um material digital cuja procedência ninguém conhecia e que não parecia primar pela qualidade, a julgar pelos primeiros conteúdos vindos à tona.

Dada a gravidade da situação, todos ali na secretaria, em nome das indústrias de papel e celulose, gráficas e livros, tinham remanejado suas agendas depois de uma mudança de última hora. A princípio, souberam que a reunião pela qual insistiam desde o começo da crise seria com o coordenador pedagógico da Secretaria de Educação, o que alguns entenderam como sinal de descaso do secretário. Eles imaginavam que Feder, sócio da companhia de produtos digitais Multi (o novo nome da Multilaser), não tinha em alta conta o ramo dos livros impressos. Não só porque a Multi teve sozinha uma receita bruta de 6 bilhões de reais em 2022 – cerca de 500 milhões a mais que todas as editoras de livros do país juntas –, mas também porque o secretário defendia a ideia de que um material digital produzido internamente era um “avanço” em relação aos livros impressos.

Na véspera, porém, uma assessora da secretaria pediu para passar a reunião da manhã para a tarde, justamente para Feder poder participar. Por isso, os gestores ficaram confusos quando a 13ª pessoa do grupo entrou no Salão Nobre, atrasada, e comentou: “Acabei de esbarrar com o Feder, correndo para sair do prédio.” No fim das contas, apareceram para a conversa apenas o secretário executivo, Vinicius Neiva, e a chefe de gabinete, Myrian Prado, acompanhados de dois policiais militares, que ficaram num canto da sala até o fim da conversa.

Vinicius Neiva é um homem falante, habilidoso no trato, que tem ficado à frente de conversas mais complexas desde que Feder assumiu, no começo do ano. Ao grupo de executivos, ele disse que o secretário precisara atender um chamado do Ministério Público. Não especificou o assunto, mas o secretário era alvo de investigações nas duas instâncias do órgão em São Paulo, e os presentes deduziram que se tratava do inquérito sobre os livros didáticos. O MP confirmou o encontro daquela tarde, mas na Procuradoria-Geral de Justiça, o que significa que o tema era outro: a investigação por conflito de interesses devido a contratos da Multi com a Seduc-SP, firmados na gestão anterior.

Ao longo de uma hora, Neiva ouviu os executivos. Eles não estavam ali para falar de assuntos educacionais, mas sobre temas derivados que afetavam seus negócios. Questionaram a qualidade do material digital que a pasta criou em prazo tão curto, uma vez que um livro didático demora aproximadamente dois anos para ficar pronto. Entre os conteúdos do material digital que tinham sido divulgados pela Folha de S.Paulo, a partir de levantamento da Associação Brasileira dos Autores de Livros Educativos (Abrale), estava uma atividade de língua portuguesa que propunha um “planejamento de reportagem” sobre um tema fantasioso, quando o jornalismo lida com fatos concretos: “Suponha que foi encontrada uma nova carta de Pero Vaz de Caminha, desconhecida dos historiadores.” Basicamente, um exercício de invenção de notícia. Mas o principal argumento levado para a reunião era o desequilíbrio que a retirada dos livros acarretaria para a cadeia produtiva, tema que os empresários pensavam ser sensível ao governo estadual. Os produtores de papel falaram de seu planejamento de até sete anos para plantio de árvores, e de um ano para a conversão da celulose em papel. A Indústria Brasileira de Árvores estimou em 30 mil toneladas a quantidade de papel que São Paulo abriria mão ao cancelar a produção dos livros.

“A medida era um tiro no pé. Tanto as produtoras do papel usado em livros quanto as gráficas e editoras estão em peso em São Paulo”, disse um dos executivos à piauí, sob a condição de anonimato, para não afetar sua empresa. João Scortecci, presidente da Associação Brasileira da Indústria Gráfica (Abigraf) em São Paulo, contou ter recebido de companhias do setor, que emprega 154 mil pessoas no país, uma estimativa de 3 mil demissões, caso o estado seguisse com o plano. “O receio nem era só o impacto imediato pelo tamanho de São Paulo. Era que virasse exemplo para outros estados.”

Sentado de costas para um painel a óleo que simboliza a educação – com um livro entre uma pena e um globo –, Neiva por fim tomou a palavra. Repisou os argumentos da secretaria, como a dificuldade de fazer um acompanhamento eficaz de múltiplos conteúdos didáticos, e informou que o assunto não estava em debate. Era uma decisão tomada. Antes de sair, porém, disse que levaria os pontos apresentados a Feder. Ninguém ali teve a impressão de que isso ia de fato acontecer.

Para qualquer pessoa ligada à educação em São Paulo, agosto fez jus à fama de mês do cachorro louco. Os maus agouros chegaram ao conhecimento da rede estadual de ensino no último dia de julho, quando o site da Folha estampou a manchete: SP abre mão de verba para material didático e usará só livro digital a partir do 6º ano. A repórter Laura Mattos noticiou que a partir de 2024 a pasta utilizaria apenas conteúdo produzido pelo governo paulista, com o objetivo de manter a “coerência pedagógica”. “Para os anos iniciais, [será usado] material digital com suporte físico; nos anos finais e ensino médio, 100% material digital”, informava a secretaria.

Àquela altura, fazia onze dias que o governo federal recebera a informação de que São Paulo recusaria o apoio do Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD), pela primeira vez em quatro décadas. Em 20 de julho, o sistema do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), autarquia responsável pelo programa no Ministério da Educação (MEC), foi acessado em nome de Renato Feder, e São Paulo foi retirado dos estados interessados em receber obras didáticas. Com a exclusão, o governo estadual abriu mão de livros para quase 1,4 milhão de alunos do 6º ao 9º ano do ensino fundamental em 2024, renunciando a uma verba de 120 milhões de reais. Esses estudantes correspondiam a quase 15% dos alunos que a União previa atender naquela edição do programa. São Paulo permaneceu no PNLD apenas para receber obras literárias. Nenhum estado ou município é obrigado a usar os livros ofertados pelo MEC, mas 95% das redes de ensino do país recorrem a eles. O consenso é que não faz sentido recusá-los, sobretudo na ausência de um plano sólido, discutido com a rede local de ensino.

O PNLD surgiu com o nome atual em 1985, mas suas origens remontam ao final dos anos 1930, quando o recém-criado Ministério da Educação e Saúde Pública era comandado por Gustavo Capanema e tinha como chefe de gabinete um jovem farmacêutico e poeta chamado Carlos Drummond de Andrade. Já naquele tempo, quando nem existia mercado que permitisse ao governo comprar e distribuir livros, havia uma preocupação com a qualidade do material que chegaria aos alunos do país. Capanema definiu que a partir de 1940 as escolas só poderiam adotar livros aprovados por uma comissão do MEC, mas o processo demorou a se azeitar.

No modelo atual, o MEC habilita para o programa títulos inscritos por dezenas de editoras, mas não interfere na seleção feita pelos estados. Isso porque uma definição da extinta Lei dos Livros Didáticos, de 1938, chegou ao século XXI sem grandes variações: a de que a escolha do material usado em sala de aula é prerrogativa das equipes escolares. Foi nesse ponto que Feder deu um passo maior que a perna. O secretário não só deixou de consultar a rede escolar como pareceu ter tirado da manga, sem estudos sérios, um material próprio da secretaria e que ele dizia ser “mais assertivo”. “A aula é uma grande tevê”, disse a O Estado de S. Paulo. “O livro tradicional, ele sai [de cena].”

Uma prova de que a rede não havia sido consultada sobre a decisão é que, enquanto São Paulo se desligava do PNLD, a Seduc-SP continuava a mobilizar as escolas para a votação do modelo de escolha dos livros do programa federal em 2024. Havia três possibilidades: ou a seleção de livros continuaria a ser feita por cada escola, com professores definindo os títulos que usariam; ou São Paulo faria uma seleção para cada uma de suas 91 diretorias de ensino; ou, no caso mais radical, haveria uma escolha única de livros para os 645 municípios paulistas. A última opção, rejeitada por educadores por não contemplar a diversidade da maior rede de ensino do país, era a preferida de Feder, garantindo uma padronização que, na visão dele, permitiria tornar mais efetivas suas propostas para o estado.

Correu então a notícia de que a unificação total perderia de lavada: a rede não queria adotar um material único para suas cerca de 3.800 escolas de ensino fundamental. Nos bastidores, as editoras acompanhavam a votação, já que o resultado afetaria seus negócios. E foram elas que descobriram que Feder, antecipando-se a uma derrota na consulta à rede, havia tomado outra decisão, às escondidas: abandonara o programa federal. No fim do expediente de sexta-feira, dia 28 de julho, alguém entrou no sistema do FNDE e viu que São Paulo já havia simplesmente se retirado do PNLD. A notícia não demorou a chegar à imprensa.

De sindicatos a fundações empresariais, não houve voz relevante que tenha deixado de se manifestar contra a decisão de São Paulo sair do PNLD. Até Claudia Costin, diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da Fundação Getulio Vargas (FGV), mentora de Feder até 2019 e autora do prefácio de um livro que ele lançou recentemente, disse estar “preocupada”.

Fazia pouco tempo que a Suécia, precursora na substituição de livros físicos por telas em sala de aula, informara estar revendo seu modelo, depois de pesquisas mostrarem uma queda nos índices de leitura entre as crianças. “Não há nada que sustente a medida do ponto de vista de boas experiências. Há redes inteiras recuando”, diz Priscila Cruz, presidente executiva da ONG Todos Pela Educação. O ponto mais crítico, porém, era a retirada da autonomia dos professores. “Ao produzir um material único, o estado interfere na multiplicidade de óticas que a educação precisa ter. Só um estado autoritário tenta impor um pensamento único”, argumenta o professor José Castilho Marques Neto, consultor para políticas de livro e leitura.

Em entrevistas, Feder disse querer evitar um “duplo comando” para docentes, que poderiam ficar na dúvida entre usar o material digital ou o livro físico. E alegou que os livros do PNLD eram “rasos”, “superficiais”. Para as editoras, aquilo foi uma afronta. “Raso em relação a quê? As editoras foram as primeiras a se adaptar ao currículo nacional, antes até das escolas”, diz Ângelo Xavier, diretor-geral da Moderna, uma das maiores editoras do país. Ele se refere à Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que serve de norma para as redes de ensino e passou décadas em discussão até ser aprovada no governo Michel Temer. “Entra governo e sai governo, as avaliações do MEC são rigorosas. Chegam a ter centenas de páginas, um detalhamento página a página.”

Os editais do PNLD são elaborados com base em lei de 1996 que define a organização da educação brasileira. Para dificultar iniciativas pouco republicanas como as que foram tentadas sob Bolsonaro, os editais estão a cargo de técnicos de carreira do FNDE, a autarquia do MEC. A avaliação dos livros fica com outra equipe, esta interna do MEC e que sofreu mais ingerência de evangélicos e de seguidores do ex-astrólogo Olavo de Carvalho, já falecido. O processo, no entanto, passa por tantas etapas e leituras de avaliadores externos que mesmo um governo mais ideológico tem dificuldade em interferir. Isso ajudou a tornar os livros didáticos mais criteriosos, tanto que títulos do PNLD também são adotados por escolas de primeira linha da rede privada.

Renato Feder nasceu herdeiro da Elgin, tradicional fabricante de máquinas de costura, mas se destacou em outro negócio, como sócio da Multi, empresa herdada por seu amigo de infância Alexandre Ostrowiecki. A parceria começou em 2003, quando a Multi reciclava cartuchos de impressoras e faturava 30 milhões de reais. Em duas décadas sob comando da dupla, expandiu negócios e atingiu uma receita bruta quase duzentas vezes maior, firmando-se como uma das maiores companhias de produtos digitais do país.

A amizade rendeu outros frutos, como o Ranking dos Políticos, um site de viés liberal que avalia os congressistas, e o livro Carregando o elefante: como transformar o Brasil no país mais rico do mundo, de 2007, no qual os dois sócios defendem ideias como a redução do número dos municípios do país para cem, a abolição do Senado e a conscientização de juízes para “decidir com base na lei, e não em questões sociais”. No campo da educação, o livro propõe a substituição das redes públicas por um sistema de vouchers que permitiriam aos alunos carentes se matricularem em escolas particulares. Em 2020, quando seu nome chegou a ser cotado para o MEC de Bolsonaro, Feder renegou as ideias de treze anos antes: “Todos podem e devem evoluir em relação ao que pensavam na juventude”, escreveu no Twitter, na época.

No final de 2022, assim que o governador eleito Tarcísio de Freitas o anunciou para seu secretariado, o site Metrópoles noticiou que a Multi era a principal fornecedora de equipamentos de informática da Educação paulista. Feder então se afastou do conselho da empresa. Dias depois, o site revelou que ele ainda detém 28,16% das ações da Multi por meio de uma offshore. Foi por isso que o secretário passou meses sendo investigado pelo Ministério Público. Em setembro, o caso foi arquivado sob o argumento de que as licitações que originaram os contratos com a Multi haviam sido anteriores ao anúncio.

Aos 45 anos, Feder tem um estilo de jovem talento da Faria Lima, sempre de camisa e calça jeans. Alto, magro, tem um sorriso amplo que ressalta no rosto alongado e costuma ser a primeira característica mencionada quando alguém o descreve. Seus interlocutores, gostem dele ou não, citam tanto sua gentileza no trato quanto sua dificuldade em saber ouvir ou aceitar que suas ideias sejam questionadas. Neste caso, ele emite um ligeiro sinal de contrariedade ou tem um rompante de indignação. Pensa muito em termos de pilares, metas e resultados, sempre com urgência para resolver tudo. É um perfil profissional propício ao cenário no qual se destacou, mas estrangeiro ao universo da educação, um setor que se baseia no estudo de indicadores de longo prazo, na experiência a partir de especificidades locais e em muito, muito diálogo.

“Acho que a visão dele é de ilha, e não de arquipélago. Não adianta ter visão unilateral, porque não existe bala de prata”, diz Mozart Ramos, titular da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira, da USP de Ribeirão Preto. Ex-secretário de Educação em Pernambuco, e tendo atuado em fundações educacionais, ele resume assim uma ideia reafirmada por dezenas de especialistas à piauí: “Sem uma visão mais abrangente, sistêmica, articulada, é muito difícil fazer mudanças estruturais. Pode fazer mudanças pontuais, chegar aos 100 metros, mas não faz a corrida como um todo.”

É uma definição que encontra poucos pontos de contato com os “catorze pilares” do método que Feder apresenta em Educação para o futuro: o passo a passo para construir uma gestão educacional focada em resultados, lançado em junho deste ano. No livro, ele diz que recebeu um “chamado” para a área nos anos 1990, antes de cursar administração pela FGV e fazer mestrado em economia na USP. Lista leituras daqueles anos, de autores americanos e com orientação empresarial, como Aula nota 10, de Doug Lemov, que traz “técnicas efetivas e envolventes para aprimorar a gestão da sala de aula”, e cuja edição brasileira foi financiada pela Fundação Lemann; e Confessions of a bad teacher (Confissões de um mau professor, sem edição no Brasil), memórias em que John Owens conta como deixou um “emprego lucrativo” para lecionar numa escola pública do Bronx, em Nova York. Feder diz que rodou o mundo e ficou admirado ao descobrir que nas escolas de referência não existe um “padrão Nasa”. Ele escreve: “Não havia grandes segredos, era o ‘arroz com feijão’, só que bem-feitos em todas as etapas do processo.”

Ele entendeu que poderia temperar seu arroz com feijão importando, como diz no livro, “instrumentos corporativos”. Para o cientista político Fernando Abrucio, professor e pesquisador da FGV, o que move Feder é “uma crença total na tecnologia”. “É como se acreditasse que a tecnologia sozinha pode revolucionar a educação, quiçá substituir os professores. É uma crença que talvez exista em boa parte do pessoal do Vale do Silício. Um Elon Musk da vida”, ele diz. Abrucio não questiona o uso da tecnologia em si, mas identifica nas iniciativas de Feder um desconhecimento de como adotar esse uso em uma política pública de educação.

O jurista José Renato Nalini, secretário da Educação no último mandato de Geraldo Alckmin, conta uma história pitoresca sobre o primeiro contato de Feder com a rede paulista. Numa noite de 2017, Nalini foi abordado no Theatro Municipal de São Paulo pelo empresário. “Ele falou que era rico e queria ser voluntário. Eu, louco para chamar gente, e me vem um jovem bem-sucedido querendo ajudar. Recebi de braços abertos”, recorda. Na época, Nalini implantava um programa chamado Adoção Afetiva, por meio do qual empresas ofereceriam reformas, palestras ou o que mais quisessem para escolas. Feder aceitou atuar para atrair gente para o projeto, mas tempos depois pediu um cargo – não pelo salário, que lhe seria irrisório, e sim por lhe faltar credencial para falar em nome da secretaria. A versão de Feder no livro é diferente. Diz ter precisado de três reuniões até convencer Nalini de que podia “contribuir com a pasta”. Sua nomeação como assessor técnico saiu no Diário Oficial do estado em 9 de junho (Feder escreve que foi em abril). O salário era de cerca de 8 mil reais (no relato do livro, 3 mil reais).

O empresário estava interessado em ser “uma espécie de trainee” na secretaria. Até levou a sério o conceito de adoção afetiva, mas não para escolas. Afirma que, nos primeiros dias, abordou a coordenadora pedagógica e pediu: “Você me ‘adota’? Eu quero aprender contigo.” E continua: “Passei a circular por todos os departamentos da secretaria, sempre chegando ao coordenador com a mesma humildade: ‘Me adota?’”

Feder afirma ter executado na época um projeto de business intelligence, modelo corporativo para embasar a tomada de decisões. Colocou em prática uma compilação de dados de provas e frequência escolar, elencando indicadores para caminhos pedagógicos e gerenciais. Nalini diz não se lembrar da iniciativa. Passados seis meses, por pressão da equipe, perguntou a Feder o que andava fazendo. “Tem sido uma boa experiência”, teria respondido o empresário. “Estou treinando para ser secretário.” Segundo Nalini, foi a senha para ele pedir o cargo de volta: “Não existe eu ser coach do meu sucessor.”

A exoneração saiu em 22 de dezembro daquele ano, mas a pedido de Feder, conforme o Diário Oficial. Feder confirma no livro que saiu com o sonho de ser “secretário de Educação em algum estado”. Passar pela Seduc-SP era a credencial que lhe faltava.

Os professores do Paraná vinham de anos de confronto com a gestão do tucano Beto Richa quando, em outubro de 2018, Ratinho Júnior foi eleito governador pelo PSD. Embora tivesse ocupado cargos nos dois mandatos do ex-governador, o filho do apresentador de tevê Ratinho se afastara do ex-chefe na reta final das eleições, quando Richa, que concorria ao Senado, foi preso por suspeita de fraude em licitação. Ainda assim, os professores entendiam que o novo governo seria de continuidade. Foi então com cautela que o sindicato dos educadores aceitou o convite para iniciar um diálogo na transição.

O encontro aconteceu na tarde de 6 de novembro. O governador eleito recebeu os docentes na companhia de um homem alto, sorridente, que se identificou como um professor de São Paulo que tinha trabalhado na Secretaria da Educação paulista. Estava ali, disse, para ajudar na transição. Depois de apresentarem a Ratinho Júnior as pautas da categoria, os professores indagaram se ele já escolhera um nome para a pasta. O político perguntou se eles tinham sugestões. Os professores fizeram um pedido: que fosse alguém da rede, que conhecesse os problemas locais.

Na noite seguinte, um link do jornal Estado de Minas circulou no WhatsApp dos professores paranaenses. O governador eleito Romeu Zema, do partido Novo, lamentava ter perdido para o estado do Paraná o secretário que convidara para a Educação mineira – o empresário Renato Feder, que havia se voluntariado para sua equipe. Alguém fez uma busca no nome e reconheceu o homem sorridente da reunião. O novo governador de Minas Gerais tinha acabado de anunciar o novo secretário da Educação do Paraná.

A Ratinho Júnior restou confirmar que a pasta ficaria com o “CEO da empresa Multilaser, [que] tem experiência em gestão e no intercâmbio de estudantes com o exterior”, uma descrição curiosa, dadas as prioridades de uma rede pública. Na campanha, o governador incluíra entre suas propostas um programa de intercâmbio para os melhores alunos do estado e a aposta em “tecnologias inovadoras de ensino”, resultados de conversas que mantinha havia meses com Feder.

Ratinho Júnior e Feder tinham uma meta em comum: colocar o Paraná no topo do ranking do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), que avalia a qualidade da educação no Brasil. Para isso, conversaram com nomes como o empresário Jorge Paulo Lemann, que lhes apresentou as “melhores práticas e materiais pedagógicos utilizados no mundo”, conforme post divulgado por Ratinho Júnior no Facebook antes de sua posse.

Feder fez reuniões com os docentes na transição. “Ele parecia empolgado”, diz a professora Walkiria Mazeto, do sindicato de educadores das redes públicas do Paraná. Ela teve a sensação de que Feder queria “revolucionar o mundo”. “Ele se comportava assim: quero o melhor para a educação, mas o melhor é o que eu penso que é o melhor.”

Nos primeiros seis meses da gestão Feder no Paraná, o diálogo se mostrou difícil, com muitas mudanças repentinas. Entre elas, a implantação do Presente na Escola, aplicativo para controlar a frequência dos alunos, e da Prova Paraná, feita de modo digital a cada três meses para obter um “raio X de aprendizagem na rede”. Pouca gente soube na época, mas o plano de Feder também envolvia abrir mão dos livros do PNLD. Em maio de 2019, alguns editores souberam de sua intenção e conseguiram uma reunião com a equipe de Feder, para tentar demover a secretaria da ideia. Por esse motivo ou outro, a proposta de renunciar aos livros do PNLD não avançou.

Sem diálogo nem aceno sobre recomposição salarial, os educadores resolveram fazer uma paralisação em junho. A greve corria quando o secretário foi a um evento em São Paulo, onde citou a rede em termos que o então presidente do sindicato paranaense, Hermes Leão, achou desrespeitosos. O professor enviou a colegas um áudio criticando o secretário por “falar mal do Paraná” em outro estado. “Como se não tivéssemos compromisso com a qualidade”, diz à piauí. Ele conta que, depois da viagem, Feder o questionou sobre o áudio. A resposta de Leão, ele lembra, foi a seguinte: “Você age como um missionário que chega numa terra nova e encontra a ignorância total, chega com uma luz na mão para iluminar o caminho dos incultos. Desrespeita nossa história como fizeram os jesuítas ao chegar ao Brasil.” Leão teve a impressão de que o argumento impactou o secretário, mas não a ponto de fazê-lo mudar o seu método.

Os tempos eram outros. Ratinho Júnior estava alinhado a Bolsonaro no governo federal, e Feder parecia afinado com eles. Em março de 2019, o secretário anunciou o projeto de pôr policiais militares nas escolas contra “alunos malandros e malfeitores”, em suas palavras. Em 2021, durante uma live para a rede de ensino paranaense, demonstrou irritação com professores ao saber de dificuldades nas aulas remotas. “É obrigatório! Obrigatório a orientação do professor para abrir a janela. Ai, mas o aluno não tem webcam… Ai, mas o aluno não… Se vira!”, disse, no trecho que circulou na internet, e que a secretaria afirmou, na época, ter sido tirado de contexto.

O começo da pandemia, em março de 2020, foi um momento em que Feder nadou de braçada fazendo o que gostava: encontrar caminhos via tecnologia. Ele imaginou um modelo com transmissões de aulas na tevê aberta para contornar a falta de acesso à internet. Não havia regulamentação para isso, e o secretário articulou com Brasília para viabilizar o alcance das teleaulas gravadas por professores. Em menos de um mês, Bolsonaro publicou um decreto permitindo parcerias de entes federativos com emissoras de rádio e tevê para transmitir conteúdo de atividades educativas.

Meses depois, em julho, a imprensa noticiou que Feder estava confirmado por Bolsonaro para o Ministério da Educação, que, em apenas um ano e meio, já tinha hospedado dois ministros, Ricardo Vélez Rodríguez e Abraham Weintraub. Massacrado por evangélicos e olavistas, dois feudos com poder e influência no ministério nos tempos de Bolsonaro, o nome de Feder durou três dias. Em 5 de julho, ele informou no Twitter que tinha recusado o convite. Aliados de Bolsonaro fizeram circular a versão de que o então presidente descartara Feder quando soube que o empresário fora o maior doador da campanha de João Doria para prefeito de São Paulo, em 2016.

Oprédio da Seduc-SP, na Praça da República, é um monumento à história educacional de São Paulo. Foi construído com essa intenção – tanto que, visto de cima, tem o formato da letra E, de educação. Projetado por Antônio Francisco de Paula Souza, que hoje nomeia o centro de ensino técnico paulista, e Ramos de Azevedo, que deixou sua marca em obras como o Theatro Municipal e a Pinacoteca do Estado, o casarão recebeu em 1894 a primeira Escola Normal da capital. Em suas salas estudaram o historiador Sérgio Buarque de Holanda, o governador André Franco Montoro e a escritora Lygia Fagundes Telles.

Dar o devido peso a esse histórico teria ajudado a evitar um dos primeiros embaraços da gestão Feder. Em maio, quando o secretário ainda não frequentava tanto o noticiário, a Folha revelou que ele queria levar a Seduc-SP para a vizinhança do Shopping Eldorado, próximo à Faria Lima, o centro financeiro da capital. Para alguém com ambição de se firmar como revolucionário na educação, a história só reforçou a imagem de “faria limer”. A secretaria, na ocasião, admitiu possível mudança temporária para reformas estruturais, dizendo que havia um laudo que apontava “riscos aos servidores”. Mas o laudo não citava risco algum nem necessidade de desocupar o imóvel.

Na tarde de 18 de setembro, quando a reportagem da piauí chegou ao prédio para conversar com o secretário, o tema estava em segundo plano. A secretaria ainda prevê a reforma, mas sem tirar os servidores dali. Naquele dia, o secretário vinha do Palácio dos Bandeirantes, onde pela manhã anunciara, ao lado do governador, a sanção do Provão Paulista, que reserva para as redes públicas 13 mil vagas das “três grandes damas” do ensino superior paulista – a USP, a Unicamp e a Unesp – e também da Univesp, de ensino a distância, e das Fatecs, as faculdades de tecnologia. Uma agenda positiva, enfim.

Fazia alguns dias que o governo dava sinais de que a crise na Educação parecia controlada. Durante um mês e meio, a secretaria estivera sob fogo cerrado. Os dois principais jornais paulistas fizeram editoriais nada lisonjeiros. “Amadorismo”, disse a Folha; “A incrível educação que dispensa livros”, criticou o Estadão. Até O Globo, do Rio, fez editorial sobre o assunto: “Trapalhada do governo paulista reflete fantasia sobre educação digital”. Na GloboNews, o jornalista César Tralli observou que iniciativas do secretário tinham causado dano à imagem do governador. Declarações de Feder e de Tarcísio – que chegou a destacar a importância da “tarefa de casa eletrônica”, mostrando desconhecer a falta de acesso a equipamentos e à internet de boa parte dos alunos – indicavam que a decisão de abandonar os livros impressos não fora amadurecida.

O recuo em relação ao PNLD, com o anúncio de que São Paulo permaneceria no programa, tinha ocorrido em 16 de agosto, após muita resistência da secretaria. No começo daquele mês, o deputado Carlos Giannazi, seu irmão, o vereador Celso Giannazi, e a deputada federal Luciene Cavalcante, todos do Psol, tinham enviado à Justiça uma ação popular contra a decisão da secretaria. O conteúdo foi remetido ao Ministério Público, que já havia instaurado inquérito para apurar “possível violação ao princípio constitucional da gestão democrática do ensino público e da garantia do padrão de qualidade”.

Por aqueles dias, a historicamente magra oposição ao governo paulista na Assembleia Legislativa, que hoje não chega a um terço dos 94 deputados, recebeu apoio nos bastidores. A deputada Professora Bebel (PT), presidente do sindicato de professores do estado (Apeoesp), chegou a circular uma proposta de CPI sobre um tema relacionado. No meio da crise, tinha vindo à tona a notícia de que a Seduc-SP contratara por 4,51 milhões de reais, e com dispensa de licitação, dezenas de títulos literários digitais para uma plataforma de leitura dos alunos – sendo que o estado já recebia títulos literários digitais via PNLD. “Feder correu as bancadas para explicar o PNLD e os livros digitais sem licitação. Eu precisava de 33 assinaturas, tive 32”, diz Professora Bebel. Na prática, ela teve adesão de pelo menos três deputados da base de Tarcísio.

Em 16 de agosto, mais de duas semanas depois do início da crise, a Apeoesp reuniu professores e alunos em um protesto na porta da Seduc-SP. O recuo da secretaria veio na noite desse mesmo dia. Atendendo à ação popular do Psol, a 4ª Vara de Fazenda Pública emitiu liminar anulando o ato administrativo que retirava São Paulo do PNLD. A Seduc-SP soltou nota informando que partira da pasta a decisão de permanecer no programa, “a partir da escuta e do diálogo com a sociedade”. Houve alguma disputa de narrativa sobre o que veio antes, se os argumentos do Ministério Público que embasaram a liminar ou a decisão da secretaria, mas dois fatos eram inegáveis: a Seduc-SP sabia que chegava o momento da decisão judicial e até a véspera, ao menos conforme consta dos autos, se manteve firme na posição de ficar de fora do PNLD.

“Tivemos mais de uma reunião com a secretaria. A gente sempre atua para esgotar as vias extrajudiciais”, diz o promotor de Justiça João Paulo Faustinoni, que coordena o Grupo de Atuação Especial da Educação (Geduc). “O direito à educação tem pilares como a gestão democrática e o planejamento de longo prazo. A Constituição Federal define que temas cruciais devem ser tratados em planos decenais; a legislação específica diz que é obrigação dos sistemas garantirem a autonomia pedagógica e administrativa das escolas. Eventuais rupturas a princípio violam isso.”

Um dia após recuar na questão do PNLD, a secretaria também voltou atrás na proposta de lançar a plataforma de livros digitais. O plano ainda existe, mas Feder diz que, “para garantir maior transparência”, deve seguir com uma licitação. Poderia ter feito tudo com mais suavidade, se houvesse maior disposição para o diálogo, inclusive com um órgão que existe exatamente para isso: o Conselho Estadual de Educação, composto por 24 membros experientes no assunto. Feder não é obrigado a consultá-los para tomar decisões, nem para iniciativas radicais como a de abandonar o PNLD, mas pavimentaria melhor o seu caminho se o fizesse. Em conversa com a piauí, a conselheira Rose Neubauer defende que, em processos assim, “você pode fazer uma mudança até radical, mas tem de ser feito de forma consensual”, com diferentes interlocutores.

Neubauer foi a secretária de Educação paulista de 1995 a 2002, passando pelo governo Mário Covas e primeiros anos de Geraldo Alckmin. Realizou mudanças como a reorganização das escolas por faixa escolar, a municipalização dos anos iniciais do ensino fundamental e a implantação da progressão continuada. “Só na reorganização a gente levou um ano. O dirigente precisava fazer um estudo, discutir com a comunidade, com coordenadores, com professores”, ela recorda. Houve resistências de todos os lados. “Os sindicatos são fortes. O secretário tem que saber que, para criar e fazer mudanças, vai produzir atritos. Ninguém faz omelete sem quebrar ovos”, diz Neubauer. “Mas tem que tomar cuidado para não estragar tudo e não fazer nem mesmo a omelete.”

A crise deixou uma pergunta no ar: por que, afinal, Tarcísio não demitira Feder? Em vez disso, o governador viera a público defendê-lo, descrevendo-o como “preparadíssimo, estudioso, entusiasmado e idealista”. A portas fechadas, porém, o clima era menos complacente. O governo reuniu uma espécie de conselho alternativo, com nomes relevantes do meio educacional, para ajudar a resolver problemas causados por Feder, que ouviu palavras duras sobre sua gestão. Tarcísio não pretendia repetir o que, diziam, ele considerava um erro de Bolsonaro: ceder a pressões e ficar refém de trocas frequentes no comando da pasta.

No início do ano, Feder tinha mandado aplicar na parede atrás de sua mesa no gabinete uma pergunta: “É bom para a educação em São Paulo?” Abaixo, um adendo, em letras menores: “Essa é a pergunta que deve nortear todas as nossas decisões.” Olhando em retrospecto, talvez tenha lhe faltado refletir sobre a questão. Agora, ele tinha na ponta da língua um posicionamento: “A gente falhou. Entendemos que o Currículo em Ação [cadernos de atividades produzidos desde 2009 pela secretaria] e o material digital, juntos, seriam a solução, e vimos depois que não. Que o PNLD tem um papel a ser cumprido. E, se no próximo ano formos conversar sobre PNLD, vamos mostrar para a rede as vantagens da unificação”, disse à piauí, defendendo que a seleção única de livros é um modelo “mais lógico, robusto”. Para 2024, ficou valendo o que os professores decidiram por voto em julho passado, enquanto Feder tirava São Paulo do PNLD: cada escola escolherá seus livros.

Feder acredita que o erro com relação ao PNLD foi o responsável por tudo o que veio depois. “A partir do momento que tomamos a decisão apressada e ineficaz de não aderir ao PNLD, tudo o que a gente faz a imprensa vai olhar pelo pior ângulo. Se tiver um ângulo que possa ser visto como prejudicial, ele será ofertado ao público.”

Nos primeiros dias de agosto, era difícil encontrar um ângulo que não valesse investigar. Decisões anteriores que não haviam chamado atenção, como a de que diretores deveriam obrigatoriamente observar professores e alunos em duas aulas por semana e enviar relatórios às diretorias de ensino, ganharam os jornais. Ex-diretor, o deputado estadual Carlos Giannazi (Psol-SP) apelidou a portaria de “vigiar e punir” e disse que mostrava desconexão com as atribuladas rotinas escolares. Um dia, professores e alunos acordaram com o aplicativo Minha Escola SP instalado – sem autorização – em seus celulares particulares.

Com poucas diferenças, tudo isso já havia ocorrido no Paraná, inclusive o “equívoco” de invadir celulares, mas a situação agora era outra. “As denúncias têm alcance, a mídia está em cima”, diz Hermes Leão, do sindicato do Paraná. Parlamentares e Ministério Público também estão atentos.

O mês de agosto avançou com outras notícias difíceis para a pasta. Uma delas dizia respeito ao material digital, tema que Maria Cecília Condeixa, presidente da Abrale, a entidade que reúne autores de livros didáticos, não considerou esgotado com o recuo na questão do PNLD. Ela coordenou uma força-tarefa para investigar o conteúdo digital de um bimestre de todas as disciplinas do sexto ano do ensino fundamental. “A gente quis mostrar o predomínio do erro”, diz Condeixa. Um relatório de 117 páginas apontou, além de erros e problemas curriculares, uma didática “enfadonha”, para “simplificar ao máximo”. Um dos pontos era que cada aula tinha em média vinte slides, com sugestão de poucos minutos por slide, sem dar tempo de aprofundar os temas.

“O que o Feder prega é a simplificação radical da escola, porque é a escola dos pobres”, critica Fernando Cássio, professor e pesquisador da Rede Escola Pública e Universidade (Repu), que também soltou nota técnica apontando problemas. Longe de ser inovador como defendia a pasta, o material digitar era composto em grande parte, como identificou a Repu, por grandes blocos de textos com atividades. “O professor recebe a aula prontinha, só pegar e fazer. Mas os slides são lamentáveis. Isso não está no âmbito do erro factual. Isso está no âmbito da imprestabilidade pedagógica.”

Quando os conteúdos dos slides vieram a público, em reportagem do UOL, chamaram a atenção erros grosseiros como a informação de que dom Pedro II, e não a princesa Isabel, teria assinado a Lei Áurea, e a de que, como prefeito de São Paulo em 1961, Jânio Quadros teria proibido o uso de biquínis “nas praias da cidade”, que não é banhada pelo mar (fora isso, naquele ano Jânio era presidente da República). A Justiça suspendeu a distribuição do material, atendendo à ação popular da deputada Professora Bebel, até que passasse por revisão. Dias depois, em resposta ao Ministério Público, a Seduc informou que tinha revisado os 28 mil slides analisados pela Abrale e identificado 0,1% de ajustes a serem feitos. Ficou claro que a revisão limitou-se a verificar erros factuais, e não os problemas metodológicos e estruturais.

Para essa crise em específico, caiu como uma luva o pedido de demissão do coordenador pedagógico Renato Dias, publicado no Diário Oficial em 6 de setembro. Fazia quase um mês que Dias falava a interlocutores sobre sua vontade de deixar a função. A secretaria informou que a demissão foi “a pedido”, mas a saída foi providencial. Deu a impressão de que o órgão agira com rapidez para resolver um problema.

Faltava ainda explicar a origem do conteúdo: como foram feitos 100 mil slides para 5 mil aulas em menos de seis meses? À piauí, a Seduc-SP informou que o pacote foi elaborado por cerca de setenta profissionais internos – professores que já eram responsáveis pelo material do Currículo em Ação –, com etapas de revisão e diagramação pela Fundação Vanzolini, que recebeu 6,8 milhões de reais entre abril e agosto. O material, portanto, fora produzido por especialistas, mas num ritmo inadequado. Uma professora, que preferiu não se identificar por receio de represálias, diz ter encontrado, por exemplo, trechos copiados do conteúdo didático do site de uma prefeitura. “A gente quer apoiar o professor”, afirma Feder. “Infelizmente teve erros. Deveria? Óbvio que não. É grave? É grave. A gente quis lançar, teve pressa. A educação precisa melhorar rápido. A educação não pode esperar.” No fim de setembro, o MP instaurou novo inquérito civil, para apurar os “graves erros” desse conteúdo.

Feder diz ter pesquisas internas que mostram que os slides têm aprovação de 80% dos docentes e defende que, além de editável, não é de uso obrigatório. Professores consultados pela piauí, todos sob condição de anonimato, confirmam que não há orientação formal para que os slides sejam usados, mas todos se sentem pressionados a fazê-lo, seja por diretores, seja pela Prova Paulista – avaliação feita a cada dois meses, por meio digital –, cujo conteúdo é claramente baseado no material digital, em vez de formulado para trabalhar habilidades e competências, conforme as diretrizes da educação. “Se a escola gera índice de tudo e baseia a prova nos slides, não posso não usá-los, porque isso impacta na nota dos meus alunos. É uma cadeia de cobrança que vem de cima, pelo índice. É decoreba, não aprendizado”, diz uma professora. A Seduc diz que a Prova Paulista “não reproduz atividades já vistas no material”, apenas “se baseia nele”.

Foi durante a pandemia, no Paraná, que Feder investigou a fundo aplicativos de educação, como conta no livro Educação para o futuro. Acabou recorrendo a vários – de leitura, inglês, matemática, redação e programação –, para complementar as aulas. “Os professores vibram, os alunos pedem para usar”, diz, soando genuinamente surpreso ao ouvir que docentes criticaram o tempo de uso desse material. “São apenas sugestões, para uso dentro do limite razoável de 20% do tempo do aluno.” Em paralelo ao inquérito civil sobre os slides, o MP abriu em setembro um procedimento administrativo para acompanhar o “manejo de tecnologias e inovações nas aulas”.

Feder conta no livro como ele e Jean Pierre Neto, ex-diretor jurídico da Educação no Paraná e hoje presidente da Fundação para o Desenvolvimento da Educação (FDE) em São Paulo, trabalharam nos termos das licitações: “O segredo é ser republicano, mas estabelecer bons pré-requisitos, para evitar que empresas não tão sérias, que ofereçam produtos não tão bons, possam ganhar.”

Na prática, com ou sem licitação, São Paulo tem contratado as mesmas empresas do Paraná. O Alura, aplicativo de videoaulas contratado por dispensa de licitação em São Paulo, foi o que apareceu sem autorização em celulares de docentes e alunos do Paraná. A plataforma Odilo, da empresa Primasoft, que seria contratada para o programa de livros digitais Leia SP, está no Leia Paraná. Os aplicativos de matemática Khan Academy e Matific também são usados nas redes de ensino dos dois estados. A Matific, por sinal, venceu em São Paulo uma licitação que chegou a ficar um mês suspensa por ação de outra empresa que fez uma oferta mais baixa, mas acabou inabilitada.

Outra licitação recente foi questionada por cinco concorrentes, que apontaram requisitos que poderiam direcionar a contratação. Era um edital para a compra de 15 mil switches, espécies de modems, no âmbito do projeto de ampliação da cobertura de internet na rede – dos menos de 20% que Feder diz ter encontrado ao assumir para 100% até o final deste ano. As impugnações questionaram, entre outras coisas, uma especificação relativa às listas de controle de acesso (ACLs), aplicadas aos roteadores. O edital pedia 2 mil ACLs, quantidade “totalmente desproporcional”, “absurdamente excessiva”, quando o esperado seriam poucas dezenas. “É como se a secretaria precisasse adquirir carros para seu pessoal dentro da cidade de São Paulo e exigisse que o veículo atingisse a velocidade de 300 km/h”, comparou uma empresa. “Quanto maior a capacidade do equipamento, maior também será o seu custo.” As impugnações foram indeferidas, sob o argumento de que era necessário para “suportar a expansão da rede”.

A maior bandeira de Feder no Paraná foi o fato de que em 2021, no terceiro ano de sua gestão, o ensino médio do estado alcançou a primeira posição na avaliação nacional Ideb. O resultado, anunciado em setembro de 2022, ajudou a cacifá-lo aos olhos de Tarcísio, com quem já vinha conversando. Feder chegou com a mesma meta a São Paulo, que já está empatado com Ceará e Goiás na liderança nos anos finais do ensino fundamental, mas no terceiro lugar no ensino médio. Porém, a escalada do Paraná no ranking não está livre de suspeitas. Uma delas é a desconfiança de que tenha eliminado da base os alunos menos preparados, de modo a melhorar o resultado.

Situação semelhante apareceu em São Paulo. No fim de agosto, o portal UOL revelou uma resolução da Seduc-SP: Regra da gestão Tarcísio permite excluir alunos com 15 faltas consecutivas. O texto de Adriana Ferraz informava que as escolas agora deveriam classificar essas faltas como “Não comparecimento” (NCom), o que excluía o aluno do sistema de cadastros do ensino. Caso desejasse retornar, o aluno teria de voltar à fila de inscrição no sistema. Antes, um aluno com mais de cinquenta faltas seria reprovado, mas não retirado do sistema. A nova medida dava margem para uma limpeza da base de alunos, com potencial de melhorar a nota nas provas que avaliam a qualidade do ensino. Afinal, alunos com muitas faltas tendem a ir pior nos exames – mas um aluno que não existe no sistema não tem como baixar o índice. Com a entrada do MP no caso, dias depois a Seduc anunciou novas medidas, como comunicar os responsáveis e pedir autorização do Conselho Tutelar antes da retirada do aluno do sistema.

Feder defende a medida. “Cerca de 20% faltam à escola todos os dias. São 600 mil alunos”, diz ele, ressaltando como sua gestão trabalha para reduzir a evasão com a ajuda do aplicativo Aluno Presente, que permite um acompanhamento imediato. “Um pequeno percentual desses alunos, por mais esforço que faça, a escola não consegue trazer de volta. Dos cem dias letivos que já passaram, ele veio cinco, dez. A medida visa esses casos extremos. O fato de esse aluno estar matriculado é uma hipocrisia. Ele já evadiu.”

A diretora da consultoria Metas Sociais, Fabiana de Felício – que foi diretora do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anisio Teixeira (Inep) na época em que o órgão criou o índice do Ideb –, confirma que muitas redes falham em organizar dados de alunos que nunca vão à escola, apesar de haver um controle maior desde 2007, via Censo Escolar. Uma década antes, São Paulo descobriu ter 300 mil vagas duplicadas, algo que na época creditou-se ao fato de que o número de alunos interfere na verba da escola. Secretária de Educação entre 1995 e 2022 e hoje conselheira do estado e do município, Rose Neubauer conta que, quando leu a notícia das quinze faltas definidas pela secretaria de Feder, interrogou a pasta. “Perguntei se estavam pegando duplicação de novo. Ouvi que não. Então por que tirar o aluno do sistema? O trabalho todo é para atrair o aluno para a escola. Se você tira do cadastro, como traz de volta?”

A avaliação do Ideb de 2021 que colocou o Paraná na liderança nacional ainda nem tinha sido divulgada, quando, em 15 de setembro de 2022, o Todos Pela Educação soltou uma nota técnica sugerindo cautela com os números. O texto destacava dois pontos. Primeiro, que o impacto da pandemia não era homogêneo em todas as localidades do país. Estados com menos participação de alunos nos exames poderiam se beneficiar da “seleção dos estudantes”, ainda que “não intencional”. Segundo, alguns estados tinham decidido aprovar todos os alunos na pandemia, e outros não. Era mudança demais para os números entrarem na série histórica.

Ao divulgar os dados, o próprio Inep destacou o “contexto educacional atípico ocasionado pela pandemia”. Apesar disso, assim que o resultado saiu, Feder postou no Instagram um gráfico com a subida do Paraná: sétimo lugar em 2017, quarto em 2019 e primeiro em 2021. No alto, um texto em verde vibrante informava: “O Paraná tem a melhor educação pública no Brasil.” O dado seria repetido à exaustão nas redes do secretário, do governador Ratinho, então em campanha à reeleição, e dos canais oficiais do Paraná. “Por qualquer ângulo que se analise a educação pública do Paraná nesse período, os resultados foram espetaculares”, disse Feder à piauí. De fato, os pontos do Todos Pela Educação não interfeririam nesses resultados se for considerar que o Paraná teve participação mais alta que a média do país nas provas.

No entanto, há uma interrogação sobre o volume de matrícula no Paraná. A piauí levantou dados de ensino médio dos seis estados mais bem colocados no ranking do Ideb de 2021 – Paraná em primeiro, Goiás em segundo, e em terceiro lugar, empatados, Espírito Santo, Pernambuco, Ceará e São Paulo. Todos, à exceção do Paraná, tiveram variações pequenas nas taxas de matrículas de 2018 a 2021, tendendo a um leve aumento para os três anos do ensino médio. O Paraná tem redução significativa nas matrículas, chegando a uma queda de 20% nas turmas do ano inicial. No total, o ensino médio local caiu de 352 mil alunos em 2018 para 306 mil em 2021, quase 46 mil a menos.

Para o educador José Francisco Soares, que presidiu o Inep de 2014 a 2016, a discrepância entre os números do Paraná e os dos outros estados “leva a uma questão: de modo geral, se um estado tem um decréscimo de matrículas muito maior do que os outros, isso é compatível com a ocorrência de uma seleção de estudantes, o que pode vir a melhorar tanto as notas dos exames quanto as taxas de aprovação”. Indagada pela piauí, a secretaria do Paraná creditou a queda a variações “naturais”, influenciadas por “diminuição da taxa de natalidade” e “mobilidade da população”.

O professor Hermes Leão, do sindicato do Paraná, lembra que algumas das primeiras medidas da gestão Feder impactaram no número de matrículas. “Escolas que todo ano abriam uma turma regular à noite não puderam fazer isso, e os alunos que fossem para a EJA”, diz, referindo-se às escolas de Educação de Jovens e Adultos, que não entram no cálculo do Ideb. O motivo, ele argumenta, é que o desempenho e as taxas de aprovação desses alunos costumam ser piores que os das turmas diurnas. Para educadores, esse tipo de mudança pode afetar resultados do Ideb.

Feder também atribui o resultado obtido pelo Paraná no Ideb de 2019, quando o estado apareceu em quarto lugar, às iniciativas que adotou. Mas todos os especialistas consultados pela piauí dizem que não é crível melhorar os resultados em nove meses. Feder assumiu a pasta de educação no Paraná em janeiro de 2019 e o exame do Ibeb aconteceu em setembro daquele ano.

“É impossível. O desempenho do aluno é decorrente do histórico familiar, social e escolar. O efeito da escola em um ano é muito pequeno”, diz a consultora Fabiana de Felício. “Para entender um aumento na nota do ensino médio em 2019, é preciso olhar para oito anos antes, quando a criança estava no ensino fundamental.”

Na manhã do dia 2 de agosto, Feder tinha apenas uma hora para a reunião com o Conselho Estadual de Educação, na sede da secretaria. A notícia do PNLD estourara menos de 48 horas antes, e dali ele iria prestar contas ao governador no Palácio dos Bandeirantes. O presidente Roque Theophilo Júnior abriu a sessão esclarecendo que a conversa fora combinada semanas antes, pela percepção mútua de que seria bom o secretário estar mais próximo. No primeiro semestre, a postura distante de Feder causara incômodo entre os conselheiros. Afinal, além de normativo e deliberativo, o conselho é também consultivo.

Feder levou slides para falar de sua gestão: o controle de frequência de alunos, a Prova Paulista, o material digital, um programa de formação de professores. Falou também sobre seu modelo de bônus e, ao explicar o sistema de metas – nomeadas de “ouro” e “diamante”, ao estilo de programas de incentivo para revendedoras de cosméticos –, dividiu as escolas entre “raiz”, as que ficam em comunidades, e “nutella”, as localizadas em bairros de classe média como a Vila Madalena. Ao final da exposição, a conselheira Katia Stocco Smole perguntou o que ele quis dizer com raiz e nutella. “Usei o linguajar coloquial, que às vezes facilita a comunicação”, explicou ele, um pouco menos confortável em sua cadeira.

(A história circulou como exemplo da falta de traquejo do secretário, que repetiu a dose duas semanas depois, durante o evento de 60 anos do conselho. Ele subiu ao palco e fez um contraponto entre sua gestão e a maneira como via os conselheiros: “O conselho resguarda a educação, protege a educação, vê o direcionamento. E a gente está deixando a vida de vocês difícil. Porque a gente é a inovação […]. Se a gente quisesse deixar a vida do conselho confortável, era só não inovar, não fazer nada.”)

Na reunião do dia 2, Feder também descreveu aos conselheiros o seu modelo para o Novo Ensino Médio paulista. Em um momento em que a União está revendo definições de carga horária e disciplinas para os alunos a partir de 15 anos, ele resolveu se antecipar. A sua proposta enxuga de onze para três os chamados “itinerários formativos”, conjuntos de disciplinas que os estudantes podem escolher para além das matérias obrigatórias. Embora não exista consenso, o enxugamento foi em geral visto como menos problemático que o proposto na gestão anterior, que se desdobrou numa miríade de disciplinas para as quais não havia professores.

Os conselheiros, entretanto, não viram com bons olhos as definições para um dos itinerários propostos – o da educação profissional. De novo, Feder pareceu colocar a carroça na frente dos bois. No modelo proposto pela Seduc, os alunos poderão escolher entre cursos como administração, agronegócios e vendas. Em geral, educadores apoiam a ampliação de vagas para o ensino técnico – o Brasil tem apenas 11% de alunos nesses cursos, enquanto em países europeus eles passam dos 40%. Mas o conselho destacou em parecer recente que o estado já tem um centro que “desempenha essa função com qualidade, sem a necessidade de criar estrutura adicional”. É o Centro Paula Souza (CPS), autarquia vinculada à Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação, que tem mais de 316 mil alunos.

A Seduc defendeu que o CPS não conseguiria atender, ainda em 2024, as 100 mil matrículas planejadas para o ensino profissional nas escolas regulares, o que é verdade. O conselho, porém, acredita que a Seduc também não poderia fazer essa ampliação sem comprometer a qualidade do ensino, visto que há uma escassez de profissionais aptos a atuar como docentes dessas áreas. Uma expansão adequada precisaria de mais tempo de trabalho com a formação de professores.

O sociólogo Cesar Callegari, que comandou a comissão que elaborou a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), diz que as escolas regulares de São Paulo “não têm condição” de oferecer ensino técnico com a qualidade do CPS. Callegari chama de “miragem” a ideia de que “qualquer coisinha em escolas comuns” vá proporcionar emprego a um número grande de jovens. “O mercado é capacitado a perceber e avaliar as competências que a pessoa tem.”

“Toda a literatura aponta a correlação entre desenvolvimento econômico e qualidade da educação, mas São Paulo está atrás de estados mais pobres”, afirma Anna Helena Altenfelder, presidente do conselho de administração do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec). Ela cita problemas como a descontinuidade de políticas de educação nos governos tucanos. Tereza Perez, diretora da Comunidade Educativa Cedac, diz que São Paulo também nunca foi forte na colaboração com seus municípios – justamente o modelo de estados que se tornaram referência, como o Ceará. “Você precisa de ações coordenadas, de formação de professores, de transporte, de distribuição de recursos.”

Dos 216 mil docentes da rede paulista, quase a metade tem contratos temporários, precarizados. Com 3,3 milhões de alunos em 5,3 mil escolas, São Paulo ficou quase dez anos sem concurso para professores efetivos, o que só aconteceu neste ano, para preencher 15 mil vagas. Embora o estado tenha o mais alto custo de vida do país, paga aos professores o piso nacional de 4 420,55 reais, em alguns casos complementado com abono. É menos do que estados como Ceará e Maranhão.

O portal de dados educacionais QEdu mostra que apenas 38% dos alunos paulistas terminam o ensino médio com aprendizado adequado de língua portuguesa, e 6% em matemática – realidade similar à do restante do país. Grande parte do problema está na ineficiência na formação de professores. Em outubro, o Inep revelou que 93,2% dos alunos de licenciatura – o curso de formação de professores – aprovados nas faculdades privadas em 2022 optaram pelo ensino a distância. É um ensino mais precário porque, em geral, tem muitas aulas gravadas, e com pouca interação entre alunos e professores. “E aí o secretário substitui o professor por plataformas”, diz Francisco Poli, do sindicato de diretores (Udemo), lembrando que Feder tende a culpar a “aula chata” pela evasão de alunos, sem considerar que muitos deixam a escola para trabalhar.

No meio disso tudo, no dia 17 de outubro, Tarcísio enviou à Alesp uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) paulista para remanejar até 5% dos recursos da Educação para a Saúde, o que pode tirar 10 bilhões de reais por ano da rede de ensino. Ele argumenta que o estado reserva 30% do orçamento para a educação, mais do que os 25% previstos pela Constituição Federal. “Os casais têm cada vez menos filhos, e tenho cada vez menos matrículas. Por outro lado, as pessoas estão envelhecendo e demandando mais saúde”, disse o governador ao Tribunal de Contas do Estado, em agosto. Educadores relacionam essa manobra ao fato de que, depois de anos de negociações, termina em 2024 o prazo que São Paulo conseguiu na Justiça para continuar pagando inativos e pensionistas da educação com dinheiro da própria educação – o que gastava recursos que poderiam ser destinados à manutenção de escolas, por exemplo. Em 2024, o pagamento já terá que ser feito pela Seguridade Social, e o valor é próximo do montante a ser subtraído da Educação.

O estilo de gestão de Feder acabou deixando-o isolado. Nas dezenas de conversas da Piauí com educadores e pessoas próximas ao meio em São Paulo foi difícil encontrar quem o defendesse. Entre eles, está Jair Ribeiro, presidente da Casa do Saber, instituição que promove cursos livres, e membro do Conselho Estadual de Educação desde setembro deste ano. “Feder é inteligente, com ótimas intenções e movido por uma missão pessoal de transformar a educação pública”, disse Ribeiro.

A maioria, no entanto, o critica. Diz que falta a Feder a percepção de que não tem conhecimento sobre a área que ocupa. O ex-secretário José Renato Nalini diz que acredita nas boas intenções de Feder, apesar da “visão bem empresarial”, e avalia que o secretário precisa melhorar o diálogo. “Acho que está apanhando”, diz Nalini. De repente, ele se lembra do período em que Feder foi seu trainee na secretaria, sem avisá-lo disso. Dá uma risada e diz: “Se ele treinou, deveria estar preparado.”

Esse conteúdo foi publicado originalmente na piauí_206 com o título “O trainee”.

Da Piauí

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