Sinpro/RS: Retrocessos nas metas do PNE acentuam as desigualdades educacionais

Entramos no último ano do Plano Nacional de Educação (PNE) 2014-2024, Lei 13.005, promulgada em 25 de junho de 2014, com 13 das 20 metas em retrocesso e cerca de 90% não devem serem cumpridas no prazo, impactando principalmente populações negras e pobres, revela relatório publicado em 20 de junho de 2023 pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

Às vésperas do final de vigência do Plano em 2024, o cenário de abandono do plano persiste. Com a baixa taxa de avanço em praticamente todas as metas, apenas 4 dos 38 dispositivos progridem em ritmo suficiente para o seu cumprimento integral no prazo, ou seja, quase 90% dos dispositivos das metas não devem ser atingidos até o final de vigência do PNE.

O mais grave é que 13 metas estão atualmente em retrocesso, conforme monitoramento da Campanha Nacional pelo Direito à educação. Elas se referem justamente a: universalização do atendimento à Educação Infantil (que conforme último censo decaiu), Ensino Fundamental e Ensino Médio; oferta da Educação Integral na educação básica (uma das promessas do novo ensino médio); erradicação do analfabetismo; valorização dos profissionais do magistério das redes públicas da Educação Básica; acesso ao Ensino Superior; e ampliação do investimento público à educação pública com o equivalente a 10% do PIB (Produto Interno Bruto) do Brasil.

Falta de informações sobre metas do PNE

A situação pode ser ainda pior. Há grande falta de informações atualizadas, não permitindo afirmar com certeza a gravidade dos atrasos e retrocessos. O balanço da Campanha Nacional pelo Direito à Educação aponta grave problema na disponibilização dos dados oficiais. Das 20 Metas do PNE, 7 delas não possuem dados abertos suficientes para serem avaliados na sua totalidade. Alguns dados somente forma acessados por meio da Lei de Acesso à Informação e outros sequer foram respondidos. A falta de transparência é sintoma de outros problemas.

A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNED Contínua/IBGE), divulgada em 7 de junho 2023, confirma que os impactos as desigualdades educacionais no Brasil mantem-se e se aprofundam. É o caso do percentual da população com ensino superior completo que saltou de 17,5% em 2019 para 19,2 em 2022. Porém, ao proceder-se o recorte por cor ou raça, enquanto 60,7% dos brancos com pelo menos 25 anos haviam finalizado o ensino médio, entre os pretos e pardos essa taxa foi de 47%.

O cenário por cor ou raça mostra uma desigualdade ainda mais marcante: 36,7% das pessoas brancas com 18 a 24 anos estavam estudando, enquanto entre pretos e pardos a taxa foi de 26,2%. Entre os brancos que frequentavam a escola, 29,2% cursavam uma graduação, enquanto entre pretos e pardos o percentual foi de 15,3%.

Nessa mesma faixa etária, 6,0% dos jovens brancos tinham diploma de graduação e, entre pretos e pardos, apenas 2,9%. Destaca-se, ainda, que 70,9% dos pretos e pardos não estudavam nem tinham concluído o ensino superior, enquanto entre os brancos este percentual foi de 57,3%.

Estes dados revelam que nosso sistema educacional não oferece oportunidade e condições iguais para os jovens no Brasil. O jovem branco e com famílias de renda larga em grande vantagem em relação a jovens pretos, pardos e pobres. Portanto, nosso sistema não é nem equitativo, muito menos justo. O descumprimento das metas do atual PNE e os impactos na desigualdade educacional não são mera coincidência. É opção de políticas educacionais adotada, a partir de 2016, pelos governos da União e muitos Estados e Municípios brasileiros, que, também, descumprem seus planos regionais e locais.

Necessidade de trabalhar é a principal razão para abandono

Indagados sobre a causa do abandono escolar, 40,2% dos jovens apontam a necessidade de trabalhar como fator principal. Dentro os jovens do sexo masculino, esse valor sobre para 51,6%. A falta de interesse em estudar – motivos a serem investigados -, é a segunda maior causa com 26,9%. Já entre as mulheres as principais causas são: necessidade de trabalhar (24%), gravidez (22,4%) e falta de interesse (21,5%). Outros 10,35 indicam afazeres domésticos ou cuidar de pessoas como principal motivo de terem abandona ou mesmo nunca terem frequentado a escola.

Entre os 49 milhões de jovens entre 15 e 29 anos, 20%, um de cada cinco, não estavam ocupados nem estudando, ou seja, sem trabalho e sem escola. Outros 15.7% estavam ocupados e estudando, 25,2% não estavam ocupados, porém estudavam e 39,1% estavam ocupados e não estudavam. Nossos jovens são trabalhadores que estudam quando possível, atrasam sua escolaridade na idade certa, impactando em suas trajetórias de vida e profissionais.

Em relação à cor ou raça, 18,8% das pessoas brancas trabalhavam e estudavam, percentual maior do que entre as pessoas de cor preta ou parda (13,7%). O percentual das pessoas brancas apenas trabalhando (39,3%) e apenas estudando (26,2%) também foi superior ao de pessoas de cor preta ou parda, enquanto o de pessoas pretas ou pardas (22,8%) que não estudavam e não estavam ocupadas superou o de pessoas brancas (15,8%).

Para além das desigualdades de raciais, destacam-se, também, as desigualdades regionais. Mesmo que a taxa de analfabetismo tenha recuado um pouquinho de 6,1% para 5,6% em 2022, o Nordeste apresenta a taxa mais alta (11,7%) enquanto o sudeste a mais baixa (2,9%). No grupo dos idosos (60 anos ou mais) a diferença entre as taxas é ainda maior: 32, 5% para o Nordeste e 8,8% para o Sudeste.

Pela primeira vez na história educacional brasileira, mais da metade (53,2%) da população de 25 anos ou mais havia concluído, pelo menos, a educação básica obrigatória, isto é, possuíam ao menos o ensino médio completo. No entanto, para as pessoas de cor preta ou parta, esse percentual foi de 47% enquanto que entre as brancas a proporção era de 60,7%.

Quanto a escolarização, de 2019 para 2022, a taxa de escolarização das crianças de 4 a 5 anos caiu de 92,7% em 2019 para 91,5% em 2022 por opção dos pais e responsáveis. A taxa de escolarização da população de 6 a 14 anos se mantém elevada em 99,4% e, a escolarização dos jovens de 15 a 17 anos subiu de 89% em 2019 para 92,2% em 2022.

A rede pública teve em 2022 77,2% dos alunos na creche pré-escola, 82,5% dos estudantes do ensino fundamental e 87,1% do ensino médio regular. Já a rede privada atende a 72,6% dos estudantes do ensino superior e 75,8% da pós-graduação, especialmente a pós lato sensu.

Precarização do ensino médio público e elitização do ensino superior

Aqui se manifesta uma das maiores assimetrias e contradições da educação brasileira: enquanto no ensino médio 87,1% das matrículas estão na rede pública – rede precarizada, mal tratada e sem condições de estudo e trabalho -, estes mesmos jovens – pobres, negros, pardos e do campo -, para acessarem o ensino superior necessitam pagar uma faculdade ou universidade privada que concentra mais de 2/3 das matrículas. Por esta e outras razões, menos de 20% dos jovens estão no ensino superior, configurando uma oferta de elite, pois representa apenas 1/5 das juventudes acessando a formação de nível superior.

E a reforma do “Novo” Ensino Médio (NEM), em implementação e muito contestada, segmenta e aprofunda as desigualdades educacionais – e, por extensão, as desigualdades sociais –, ao instituir uma diversificação curricular por meio de itinerários formativos que privam estudantes do acesso a conhecimentos básicos necessários à sua formação, conforme atestam pesquisas comparadas que analisaram sistemas de ensino de vários países.

O NEM induz os jovens de escolas públicas a cursarem itinerários de qualificação profissional de baixa complexidade e ofertados de maneira precária em escolas sem infraestrutura, ampliando e acentuando a desescolarização no país, terceirizando partes da formação escolar para agentes exógenos ao sistema educacional (empresas, institutos empresariais, organizações sociais, associações e indivíduos sem qualificação profissional para atividades letivas). Uma das dimensões desse problema é a possibilidade de ofertar tanto a formação geral quanto a formação profissionalizante do ensino médio a distância (EAD), o que transfere a responsabilidade do Estado de garantir a oferta de educação pública para agentes do mercado, com efeitos potencialmente catastróficos para a oferta educacional num país com desigualdades sociais já tão acentuadas.

O PNE 2014-2024 não está sendo cumprido. No lugar dele, são colocadas uma série de políticas públicas que vão na contramão do que ele preconiza: políticas discriminatórias, excludentes, de censura, e de esvaziamento da escola como lugar vivo, democrático, transformador e livre. Assim, o descumprimento do Plano Nacional de Educação está no centro da barbárie que toma a educação nacional.

O relatório da Unesco de 2022 reafirma que a educação é o principal caminho para enfrentar essas desigualdades enraizadas. Com base no que sabemos, precisamos transformar a educação. As salas de aula e as escolas são essenciais, mas, no futuro, elas precisarão ser construídas e vivenciadas de forma diferente. A educação deve desenvolver as capacidades necessárias nos locais de trabalho do século XXI, levando em consideração a natureza mutável do trabalho e as diferentes formas pelas quais a segurança econômica pode ser suprida. Além disso, o financiamento educacional mundial e nacional deve ser ampliado para garantir que o direito universal à educação seja protegido.

Gabriel Grabowski é professor e pesquisador. Escreve mensalmente para o jornal Extra Classe.

Do jornal Extra Classe, do Sinpro/RS

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