Zuckerberg no Senado: “Isso é uma corrida armamentista” com a Rússia

O fundador e presidente do Facebook, Mark Zuckerberg, prestou depoimento na terça-feira ao Congresso dos Estados Unidos pela primeira vez para dar explicações sobre o enorme vazamento de dados da Cambridge Analytica, um escândalo que se soma à divulgação de propaganda russa nas eleições de 2016. “Nós não fizemos o suficiente”, admitiu, “foi erro meu, e eu sinto muito”. Mas Zuckerberg também lançou uma advertência aos legisladores: “Tem gente na Rússia cujo trabalho é tentar explorar nossos sistemas. Isso é uma corrida armamentista”.

Até agora, o empresário nunca tinha comparecido ao Capitólio. A estrela de Silicon Valley, um bilionário acostumado a usar camisetas de manga curta, sempre delegou aos seus subordinados a tarefa de dar explicações aos legisladores, mas estes dias anda por Washington de terno, gravata e cara de circunstância.

Ele encontrou alguns legisladores duros, republicanos e democratas, que o questionaram sobre tudo o que aconteceu, bem como sobre a confiabilidade de suas explicações. E Zuckerberg deu uma nova dimensão à tarefa enfrentada pelas redes sociais e pela sociedade em geral: “A natureza desses ataques é que tem gente na Rússia cujo trabalho é tentar explorar nossos sistemas e outros sistemas da Internet, então isso é uma corrida armamentista, devemos investir em melhorar nisso”, encorajou.

A imprensa norte-americana reuniu nos últimos dias as muitas desculpas que Zuckerberg deu em 14 anos de carreira, desde que inventou a rede em Harvard. Uma pergunta do republicano John Thune resumiu bem a inquietude geral na Câmara: “Depois de dez anos dizendo que poderiam ter feito melhor, o que há de diferente na desculpa de hoje?”, perguntou. Zuckerberg insistiu no aprendizado com os erros. “Não espero que nada do que diga aqui mude sua visão”, disse o empresário, mas “confio que as mudanças sejam vistas e valorizadas no futuro”.

“Foi erro meu, e eu sinto muito”

O motivo do depoimento desta terça-feira foi o caso da Cambridge Analytica, a empresa de consultoria que teve acesso aos dados de 87 milhões de usuários do Facebook sem que estes tivessem conhecimento. O butim de informações serviu para a equipe de Donald Trump segmentar os eleitores em sua corrida à Casa Branca e também foi explorado pelas plataformas partidárias do Brexit no Reino Unido. Além disso, segundo a própria empresa, os perfis da maioria de sua enorme comunidade de membros – cerca de 2,2 bilhões de pessoas – eram vulneráveis a ataques desse tipo.

“Não fizemos o suficiente”, para evitar um uso nocivo dos dados, admitiu Zuckerberg no início do depoimento, um mea-culpa que se estendeu “às notícias falsas, à interferência estrangeira nas eleições e aos discursos de ódio”. “Foi erro meu, e eu sinto muito”, insistiu.

Porque, embora o escândalo da Cambridge Analytica tenha provocado o depoimento desta terça-feira, o Facebook e outras grandes empresas de tecnologia, como o Twitter e o Google, estão no centro do debate em Washington há mais de um ano. As eleições presidenciais de novembro de 2016 colocaram sobre a mesa o uso perverso das redes sociais para divulgar informações falsas, fomentar a divisão e – no caso da trama russa – tentar favorecer a vitória eleitoral de Trump. Em outubro, o Facebook admitiu que a propaganda russa havia atingido 126 milhões de usuários entre janeiro de 2015 e agosto de 2017. Nesta terça-feira, Zuckerberg confirmou aos legisladores que a empresa está colaborando na investigação sobre a interferência do Kremlin que está sendo realizada pelo promotor especial, Robert S. Mueller.

Ações sobem depois do depoimento

O interrogatório, que começou por volta das 14h30 em Washington (15h30 hora de Brasília), prosseguia depois de 19h. Diante de suas explicações no Congresso dos EUA, que continuarão nesta quarta-feira em outra comissão, Zuckerberg recusou-se a ir ao Parlamento Britânico para dar explicações, algo que incomodou os legisladores do Reino Unido.

A empresa está imersa em uma grande crise de reputação. As ações caíram 14% na Bolsa nas últimas três semanas, a campanha #deletefacebook (em português, #deleteofacebook) tem grande repercussão – para além dos efeitos reais – e alguns analistas acreditam que a rede pode ser objeto de multas milionárias. Nesta terça-feira, no entanto, o depoimento de Zuckerberg convenceu os investidores e as ações do Facebook registraram a maior alta em um dia (4,5%) desde abril de 2016.

O jovem empresário transmitiu tranquilidade ao mercado ao enfatizar que não planeja mudanças em seu modelo de negócios, baseado em publicidade, para o qual a informação dos usuários é fundamental. Ele também enfatizou que a empresa está desenvolvendo novas ferramentas para identificar melhor as contas falsas e automatizadas para deletá-las. “Estamos experimentando uma ampla mudança filosófica na empresa”, disse em outro momento. Os temores de uma regulamentação mais rígida se dissiparam em Wall Street.

Durante todo o depoimento Mark Zuckerberg permaneceu muito sério, mas sereno, evitando responder de forma concreta a muitas perguntas dos legisladores que pediam números ou dados específicos. “Minha equipe responderá”, disse em muitas ocasiões. Quem mais o desconcertou foi o senador Dirk Durbin, democrata de Illinois, que subitamente perguntou: “Senhor Zuckerberg, se sentiria à vontade para nos dizer o nome do hotel onde ficou na noite passada?”. Depois de hesitar alguns segundos, o fundador do Facebook respondeu “aaah, não”. Durbin continuou: “Se o senhor trocou mensagens com alguém nos últimos dias, nos diria seus nomes?”. E Zuckerberg disse: “Não, senador, eu provavelmente preferiria não tornar isso público aqui”. “Provavelmente é disso que se trata hoje, do direito à privacidade, seus limites, e a quanto se renuncia na América moderna em nome de conectar as pessoas pelo mundo”, disse Durbin.

Quando a trama russa começou a ser divulgada, o fundador do Facebook minimizou o papel da rede social e das notícias falsas. “Acreditar que influenciou as eleições de alguma forma é uma ideia muito louca”, chegou a dizer, mas os números o fizeram mudar seu parecer. Os serviços de inteligência publicaram um relatório no qual consideravam como certo que o Kremlin havia tentado interferir nas eleições presidenciais e que a propaganda nas redes sociais era parte desse estratagema.

Além do mea-culpa, o Facebook começou a notificar os usuários afetados sobre o que aconteceu. Também anunciou a criação de uma comissão independente que investigará “os efeitos das redes sociais nas eleições e na democracia”. As medidas para evitar o roubo de dados, por mais complexas que pareçam, representam menos problemas do que aquilo que as redes sociais podem fazer para controlar o fluxo de propaganda ou de informações apócrifas, uma questão que entra em cheio na liberdade de expressão.

El País

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