Contee defende criação do Insaes e denuncia financeirização do ensino superior

A necessidade de intervenção do Estado para garantir a qualidade da educação superior no Brasil – frente a uma realidade em que mais de 40% dos cursos e instituições apresentam nota abaixo de 2 nas avaliações do Ministério da Educação –, somada aos riscos pedagógicos e trabalhistas trazidos pela financeirização do ensino, foi o principal argumento utilizado pela coordenadora-geral da Contee, Madalena Guasco Peixoto, para defender a aprovação do Projeto de Lei 4.372/2012, que cria o Instituto Nacional de Supervisão e Avaliação da Educação Superior (Insaes). A posição da Contee sobre o tema foi enfatizada por Madalena na última terça-feira (11), durante audiência pública da Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados.

“Hoje – e esse é um dado importante – praticamente 42% dos cursos e das instituições de educação superior possuem avaliação menor que 2”, destacou a coordenadora-geral da Contee. Segundo ela, isso exige maior intervenção do Estado para que se faça cumprir o que é lei, garantindo a qualidade do ensino superior.

Como enfatizou a professora, a Contee também é plenamente favorável ao fato de a proposta dar ao MEC a prerrogativa de conceder autorização prévia a aquisições, cisões, fusões e transferência de mantença das instituições, como combate ao processo de financeirização do ensino superior. “Essas instituições já passaram pelo ciclo avaliativo ou pediram credenciamento e já foram credenciadas. Quando o grupo compra, como o interesse dele é melhorar o valor das ações, são demitidos todos os professores doutores e muda-se o projeto pedagógico do curso, o que não poderia, porque aquele curso foi credenciado com o projeto pedagógico que passou pela comissão de avaliação”, citou, frisando a gravidade da mudança de mantença sem que isso seja modificado no E-MEC.

A questão também foi mencionada pelo secretário de Regulação e Supervisão de Educação Superior do MEC, Jorge Rodrigo Araújo Messias (ver apresentação). “Desde 2006, parte importante da educação superior é gerenciada pelo setor empresarial, em sua forma mercantil. Isso demanda também do MEC uma evolução na sua forma de atuação”, afirmou o secretário, enfatizando que estará entre as funções do Insaes “designar, após indicação do Ministério da Educação, Ifes para a guarda do acervo acadêmico de IES descredenciadas” e “aprovar previamente aquisições, fusões, cisões, transferências de mantença, unificação de mantidas ou descredenciamento voluntário.

O presidente do Sindicato dos Professores em Estabelecimentos Particulares de Ensino do Distrito Federal (Sinproep-DF) e coordenador da Secretaria de Juventude da Contee, Rodrigo Pereira de Paula, fez coro às críticas ao atual sistema e frisou também o papel do Insaes para modificar a situação em que se encontra o ensino superior privado no país. Segundo ele, é imprescindível debater a matéria “não sob a ótica do mercado, mas da educação de qualidade”. “Há professores que escondem o título de doutor com medo se serem demitidos. Há algo errado nesse sistema e é nesse sistema que está o filho e a filha do trabalhador”, apontou. “A criação do Insaes representa um grande avanço para a educação privada no país.”

Nesse sentido, outra exigência do projeto considerada básica pela Contee é a garantia de as instituições de educação superior estejam regularizadas frente à Fazenda, ao Fundo de Garantia e não tenham pendências trabalhistas.

Preocupações

Durante a audiência, Madalena ainda enumerou algumas preocupações da Contee quanto ao texto original enviado ao Congresso, como a possível confusão entre avaliação e regulação, a incorporação da Conaes à nova autarquia – o que a transforma de órgão de Estado e, órgão de Governo – e a ameaça às atribuições do Conselho Nacional de Educação (CNE).

“Uma preocupação nossa é que o Sinaes regulariza o que é avaliação da educação superior e deixa claro – pelo menos essa tem sido a filosofia da Conaes – que avaliação não é regulação. A avaliação determina os parâmetros gerais de qualidade, não necessariamente aquilo que está previsto em lei. Ou seja, a avaliação tem que exigir mais do que a lei”, sublinhou a coordenadora-geral da Contee. “Quando coloco a Conaes dentro da autarquia, sendo presidida por ela, corro o risco de estar, em primeiro lugar, confundindo avaliação com regulação, o que para nós é ruim, porque a lei deve ser exigida, é o básico, e a avaliação tem que apontar critérios de qualidade superiores. E, em segundo lugar, colocando a Conaes como órgão de Governo”, acrescentou.

“Por último, há necessidade de diálogo também com o Conselho Nacional. Achamos que o Conselho Nacional tem uma atribuição também no âmbito da regulação, como foi dito aqui pelo secretário Messias. E ela não pode ser diminuída em hipótese nenhuma por existência de uma outra autarquia ou de um outro órgão que venham também contribuir com a regulação.”

O relator do projeto que cria o Insaes na Comissão de Educação e Cultura, deputado Waldenor Pereira (PT-BA), apresentou durante a audiência um relatório preliminar sobre a proposta, com algumas emendas. Uma das mudanças já sugeridas por ele inclui a previsão de recurso da decisão do Insaes ao CNE. Diante das divergências e controvérsias debatidas na sessão, ele se comprometeu a estudar outras possibilidades conciliatórias de alterações.

“Quero exaltar essa audiência e outros encontros que estamos realizando na perspectiva de construir de fato um projeto que atenda aos interesses de todos os envolvidos. É claro e evidente que não serei capaz, na condição de relator, de construir um projeto ideal para esse ou para aquele segmento. Mas me comprometo com esse sentimento e estou trabalhando na perspectiva de fazer a mediação.”

Livre iniciativa X Papel do Estado

A audiência foi marcada pela exposição de duas forças antagônicas. De um lado, os que representam os interesses econômicos e discordam da criação do órgão por temerem que a avaliação e supervisão dos cursos e instituições de ensino privado pelo MEC possam atrapalhar os lucros. De outro aqueles, entre os quais a Contee, que lutam em prol da educação, de seus trabalhadores, e compreendem a necessidade, para a melhoria do ensino superior, de que o MEC fortaleça seu papel de zelar pela qualidade da educação.

Na contramão do que foi defendido pela Contee, o representante da Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (Confenen), Arnaldo Cardoso, alegou que a entidade “tem muita apreensão com o projeto por entender que ele faz direta intervenção na escola particular”, mesmo argumento usado pela presidente da Federação Nacional das Escolas Particulares (Fenep), Amábile Pacios.

A maioria dos deputados que se pronunciaram durante a audiência, incluindo o autor do requerimento para a realização da sessão, deputado Izalci (PSDB-DF), manifestou-se em defesa dos interesses do setor privado. O deputado Paulo Rubens Santiago (PDT-PE), contudo, defendeu o projeto e os argumentos da Contee, observando que, ao final da avaliação das metas do primeiro PNE, 40% das instituições tiveram desempenho considerado reprovável.

“Não tenho nenhum problema em discutir o Insaes, não vejo nenhuma dicotomia entre uma instituição que possa fazer o acompanhamento e a avaliação e ao mesmo tempo garantir a primazia do princípio constitucional da expansão ou da implantação de instituições privadas. Temos que observar que a Constituição, assim como assegura a iniciativa privada, também exige um padrão de qualidade”, ponderou, citando ainda a questão das bibliotecas, dos laboratórios, da proporção docente/discente, da qualificação da jornada de trabalho e da titulação dos trabalhadores. “A preocupação com a qualidade é uma questão constitucional. Seja público ou privado, o ensino tem que estar vinculado a um projeto de desenvolvimento para o país.”

Para o professor do ensino superior privado e deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ), a proposta representa um avanço para se discutir os desafios da crescente privatização do ensino superior brasileiro. O parlamentar relatou sua experiência na sala de aula e denunciou a falta de critério das instituições na admissão de alunos e a pressão enfrentada pelos docentes.

“Não podemos deixar que o ensino superior privado fique sem algum tipo de supervisão, avaliação, fiscalização, monitoramento. Não importa que palavra gente dê. O que a gente não pode permitir é que a qualidade do ensino oferecida à nossa população seja ruim como está atualmente.”

Diálogo

A coordenadora-geral da Contee ressaltou que a entidade está dialogando tanto com o MEC como com o relator do projeto para buscar o entendimento quanto ao texto e a aprovação da criação do Insaes. “Nosso maior interesse é que esse PL seja debatido e passe, porque por um lado temos um grande sistema, um sistema complexo, com vários tipos de instituições, com vários tipos de curso, mas também temos um sistema que ainda não melhorou sua qualidade.”

Ouça na íntegra o pronunciamento da coordenadora-geral da Contee
Assista aos vídeos da audiência

Da redação

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