Defender a educação pública é defender a soberania do Brasil
A Contee manifesta publicamente seu estarrecimento com a discussão levantada ontem (20) na Câmara dos Deputados acerca do financiamento da educação superior e da educação básica, incluído na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 032/1999. A audiência pública foi convocada pelo deputado Jorginho Mello (PR-SC), da comissão especial sobre Bolsa/Crédito Educativo para Aluno Carente, que analisa a proposta de emenda em questão, para discutir a experiência catarinense de distribuição de bolsas estudantis. Isso porque, em Santa Catarina, a Lei estadual 14.876/09 – aprovada quando Mello era o presidente da Assembleia Legislativa – destina 0,3% do Fundo Social do estado para a compra de vagas remanescentes em universidades filiadas.
Pelo noticiado na imprensa, a audiência pública transformou-se num ato contestável de defesa, feita pelas instituições particulares, do repasse indiscriminado de recursos públicos para o setor privado. Para constatar isso, bastaria uma olhada prévia nas entidades convidadas para o debate: Associação Brasileira de Universidades Comunitárias (Abruc), Associação Brasileira de Mantenedoras da Educação Superior (Abmes), Associação Brasileira de Universidades Privadas (Anup), Conselho Deliberativo da Associação Nacional dos Centros Universitários (Anaceu) e Associação Brasileira de Faculdades Isoladas e Integradas (Abrafi). Ou seja, nenhuma entidade representativa dos trabalhadores das instituições privadas de ensino ou de seus estudantes ou dos movimentos sociais em defesa da educação pública, gratuita e de qualidade socialmente referenciada foi chamada para a discussão. Não houve democracia nessa discussão, porque foram ouvidos somente os defensores dos interesses privados. A audiência serviu, na verdade, de palanque contra a universalização da educação pública e em prol da ampliação de verbas públicas para as empresas de educação.
A PEC em tramitação na Câmara, de autoria do deputado Pompeo de Mattos (PDT-RS), determina “a concessão de bolsas de estudos e crédito educativo para o ensino médio e superior aos estudantes carentes em instituições privadas”. Os participantes do debate, representantes do setor privado, defenderam que o financiamento da educação, tanto básica quanto superior, chegando inclusive à pós-graduação, precisa ser “estimulado”. Eles ainda propuseram mudanças nos principais programas federais de financiamento estudantil e acesso ao ensino superior, de modo a aumentar ainda mais o repasse de verba pública para as instituições particulares.
Só para se ter uma ideia, em relação ao Programa Universidade para Todos (ProUni), o representante da Abmes chegou a pedir a eliminação da exigência de que os estudantes, no ensino médio, tenham estudado na escola pública ou em colégios privados como bolsistas integrais. Segundo os convidados, o fato de pouco mais de 150 mil em 1 milhão de inscritos para o ProUni conseguirem uma vaga na universidade é resultado não só da ausência de vagas, mas “da falta de flexibilidade das regras de acesso ao programa”. O que eles querem, na prática, é que as vagas sejam ampliadas – e consequentemente a transferência de verba pública – independentemente de atender ou não àqueles estudantes que realmente necessitam.
Ora, a Contee entende que a justificativa para a criação do ProUni e do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) foi atender a parcela da população que de fato estava excluída, por condições socioeconômicas, do ensino superior. Mas a Confederação também compreende que os dois programas representam medidas emergenciais e transitórias e que o verdadeiro foco de investimentos deve ser na ampliação das vagas e na qualidade da educação pública. Além disso, Contee é defensora veemente de que os programas só sejam desenvolvidos em instituições que assegurem a plena formação dos estudantes, desenvolvam pesquisa e extensão e sejam bem avaliadas pelo MEC.
Também estarrecedor é o argumento usado pelos convidados da audiência para justificar a defesa de que a concessão de bolsas seja estendida também para o ensino médio. O setor privado, interessado nos recursos públicos, alega que não adianta expandir o acesso à universidade sem cuidar da qualidade da formação no ensino médio, dando a entender que as instituições privadas oferecem mais qualidade do que as públicas.
Nesse ponto, há que se frisar que o próprio deputado Jorginho Mello defendeu que o financiamento estudantil não deve ser aplicado no ensino médio. Em contrapartida, porém, representantes do setor privado consideraram, na contramão da luta da Contee, que a proposta discutida pela Câmara “traz um grande avanço ao propor o financiamento público para a educação básica” e uma “melhoria na medida em que coloca na Constituição, como uma política de estado, o financiamento público da educação superior”.
A Contee repudia esse tipo de argumentação. Em primeiro lugar, as avaliações do ensino médio vêm mostrando que é falsa a ideia de que a educação básica pública é a ruim e a educação básica privada é boa. Os dados mostram que o ensino privado carece de qualidade também. Em segundo, pela Constituição da República, a obrigação de oferecer o ensino médio público à população é dos governos estaduais, com a ajuda da União. Melhorar a qualidade do ensino médio é imprescindível, sim, mas com a ampliação de investimentos públicos em educação pública, e não mexendo na estrutura de modo a beneficiar o setor privado.
Por isso mesmo a Contee é uma das entidades defensoras da destinação, no novo Plano Nacional de Educação (PNE), de 10% do PIB para a educação pública, assim como de 100% dos royalties do petróleo para o setor. Na proposta de PNE que está em tramitação, inclusive, o ensino médio público será universalizado. Portanto, a luta é pela melhoria da qualidade e não pela destinação de verbas públicas para o setor privado que só quer defender seus interesses e seus lucros.
A Contee encaminha este manifesto aos deputados da comissão especial que discute a PEC 032/1999 e a todos os parlamentares, de modo a deixar claro que as justificativas e alegações do setor privado não demonstram preocupação com a qualidade do ensino e com a soberania do Brasil. Querem que o Estado assegure a oferta de educação, mas não através do investimento na educação pública, e sim da transferência de recursos públicos para o setor privado, sem regulamentação. A regulamentação da educação privada com exigências legais idênticas às feitas para a educação púbica, contudo, continua sendo uma das principais bandeiras da Contee.
Da redação