No Dia do/a Pedagogo/a, uma reflexão sobre o ataque representado pelo homeschooling
Hoje, 20 de maio, comemora-se o Dia do/a Pedagogo/a, data instituída pela Lei 13.083, de 8 de janeiro de 2015, como uma oportunidade para discutir e valorizar o papel da escola no desenvolvimento dos estudantes. No PL que deu origem à norma e à homenagem, a justificativa apontava que “a interação entre a prática educativa e a sua teorização construiu- se o saber pedagógico” e que o/ pedagogo/a é “investido de uma função reflexiva, investigativa e, portanto, científica do processo educativo”.
“O pedagogo não possui quanto ao seu objeto de estudo um conteúdo intrinsecamente próprio, como os professores de áreas específicas, mas genérico: o processo educativo. Envolve-se em atividades em ambientes escolares e não-escolares que ampliem e fortaleçam atitudes éticas, conhecimentos e competências. Atua em campo como a educação profissional, na área de serviços e de apoio escolar, na educação de jovens e adultos, na participação em atividades da gestão de processos educativos, no planejamento, implementação, coordenação, acompanhamento, avaliação de atividades e projetos educativos, em reuniões de formação pedagógica e outros”, foi um dos argumentos para a instituição da data.
Mais do que a homenagem em si, a própria compreensão desse processo educativo é colocada em risco na atualidade pelos defensores da educação domiciliar. Nesta semana, mais um projeto de lei que busca descriminalizar o “homeschooling” — de autoria das deputadas bolsonaristas Bia Kicis (PSL/DF), Caroline de Toni (PSL/SC) e Chris Tonietto (PSL-RJ) — começou a ser debatido na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC). O texto busca acrescentar um novo parágrafo ao Código Criminal, para que a educação domiciliar não seja classificada como crime de abandono intelectual.
Segundo matéria do G1, raramente as famílias recebem essa acusação, sendo que a maior parte dos processos tem muito mais a ver com o descumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), pela infração de não matricular a criança na escola. No entanto, mesmo que o PL pareça sem propósito, ele se junta a outro projeto de lei relacionado à educação domiciliar, de autoria da deputada Luísa Canziani (PTB-PR), previsto para ser votado até o próximo mês. Ainda que ambas as propostas recebam críticas, inclusive de defensores da prática, há nelas uma das principais pautas do bolsonarismo: o suposto direito de famílias instruírem seus filhos em casa, em vez de matriculá-los na escola.
Entre os bolsonaristas, essa deturpada concepção de educação é encampada por dois grupos: os fundamentalistas religiosos, que defendem que as crianças aprendam conceitos opostos às teorias científicas ensinadas na escola; e a extrema direita do movimento Escola Sem Partido, sob a alegação de que as instituições de ensino têm “ideologias pedagógicas” de esquerda.
Enfrentar esse ataque à educação é tarefa que se impõe. Tanto que o tema está incluído no documento base da Conferência Nacional Popular de Educação (Conape), lançado ontem (19). Segundo o caderno da Conape, “não somente não existe amparo legal para a prática da educação domiciliar no País, como também não há viabilidade de implementação e/ou regulação desta modalidade de forma a assegurar as previsões legais, muito menos nesse momento de pandemia, e tão pouco pode ser confundida com a educação na modalidade a distância, que pressupõe que o estudante esteja matriculado em uma instituição escolar”.
“A educação domiciliar é um modelo educacional que, fundamentalmente, se ancora em uma combinação nociva entre a crítica ao suposto fracasso da escola pública e um desejo de desescolarização por parte de famílias mais abastadas, somada à reivindicação da precedência das convicções morais e religiosas familiares sobre a escolarização, uma vez que tais indivíduos enxergam a escola como uma ameaça a seus valores particulares”, aponta o documento. “Os defensores desta forma de desescolarização querem retirar da escola o papel estratégico na formação e desenvolvimento integral das crianças e adolescentes, flexibilizando um direito público subjetivo que é a garantia de acesso e permanência em instituições próprias, vinculados ao mundo do trabalho e à prática social. Não há dúvida que uma das resultantes dessa visão de educação é a tendência à promoção de posturas cada vez mais individualistas e segregacionistas, com crianças e adolescentes isolados do convívio com outros estudantes de mesma idade, o que representa um profundo prejuízo à socialização e ao contato com diferentes pessoas, culturas e vivências.”
Por Táscia Souza