100 mil ‘margaridas’ florescem Brasília — e um novo Brasil
Um dos mais importantes movimentos de mulheres trabalhadoras do País, 7ª Marcha das Margaridas teve como lema “Pela reconstrução do Brasil e pelo bem viver”
Oficialmente, a primavera só começa em 23 de setembro, mas em Brasília ela foi antecipada em mais de um mês. Não só em Brasília, aliás, mas num novo Brasil. Mais de 100 mil “margaridas” tomaram a capital federal em marcha realizada nesta quarta-feira (16), com demandas fundamentais para a justiça, a democracia participativa e a qualidade de vida das mulheres do campo, das florestas e das águas.
Na 7ª edição (sendo que a última tinha acontecido em 2019), a Marcha das Margaridas, organizada pelas trabalhadoras rurais, mostrou, uma vez mais, porque é um dos eventos mais emblemáticos do movimento feminista no Brasil. E conseguiu promessas importantes neste momento de reconstrução do País. Ao lado de ministros, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) anunciou um conjunto de medidas, entre as quais ações de combate ao feminicídio e à violência no campo, crédito rural e retomada do Programa Nacional de Reforma Agrária.
“Foram prioridades definidas por vocês, demandas que temos o prazer de atender para que as mulheres do campo, das florestas e das águas possam viver com dignidade, tendo assegurado os seus direitos civis, políticos e sociais”, discursou o presidente da República. Lula falou ainda sobre violência política, lembrou o período em que esteve preso, em Curitiba, e citou a morte de Margarida Alves, trabalhadora rural paraibana morta a tiros na porta de casa em 1983. “Os poderosos, os fascistas, os golpistas podem matar uma, duas ou três margaridas, mas jamais resistirão à chegada da primavera.”
Contee presente
A Marcha das Margaridas tem uma importância que ultrapassa a luta das trabalhadoras rurais, agregando outras mulheres e outras categorias. A Contee foi representada na Marcha das Margaridas pela presidenta do Saep-DF (Sindicato dos Auxiliares de Administração Escolar em Estabelecimentos Particulares de Ensino no Distrito Federal), Maria de Jesus da Silva. Dirigentes de outras entidades filiadas à Contee também marcaram presença.
“A importância da Marcha das Margaridas para a Contee e para o Saep é a representação da nossa democracia, vinda de uma categoria na qual a maioria são mulheres, com subempregos, mães solos, negras, pobres e de uma área da educação que não é valorizada. Então, é o momento de fortalecimento dos sindicatos filiados à Contee, para a formação política das nossas mulheres que são lideranças”, expressou Maria de Jesus. “A Marcha das Margaridas reforça a democracia e a luta.”
Foi Maria quem conversou com Giovanna, estudante de jornalismo da UFG (Universidade Federal de Goiás), que, embora não tenha informado o sobrenome, deixou explícita sua identidade: “Sou uma mulher lésbica, então, para mim, é muito importante, muito emocionante estar aqui. É a primeira vez que venho à marcha, mas é muito inspirador ver todas essas mulheres, mulheres de todas as idades, de todas as raças, juntas, unidas por causas tão importantes para todas nós”, declarou Giovanna.
“Acho que as perspectivas agora no governo atual são melhores, porque pelo menos a gente tem esperança de que nossas reivindicações sejam atendidas. Então ,estou muito emocionada e também muito esperançosa.”
Medidas anunciadas
Entre as medidas anunciadas pelo presidente Lula estão:
– criação do Programa Quintais Produtivos, voltado para a promoção da segurança alimentar e nutricional e da autonomia econômica das mulheres rurais. Num primeiro momento, serão criados 10 mil quintais produtivos, beneficiando milhares de mulheres por meio do acesso a insumos, equipamentos e utensílios necessários para estruturação e manejo de quintais. A ação consiste em associar os quintais com fomento, assistência técnica, cisternas e comercialização. Até 2026, serão 90 mil quintais produtivos em todo o Brasil;
– retomada do Programa Nacional de Reforma Agrária, com prioridade para as mulheres e o Plano Emergencial de Reforma Agrária, priorizando as mulheres no processo de seleção. A pontuação para esse público acessar o programa dobrou, de cinco para dez pontos. Ao todo, mais de 45,7 mil famílias serão beneficiadas com a retomada da política pública interrompida nos últimos anos. Serão 5.711 novas famílias assentadas e criados oito assentamentos. Além disso, 40 mil famílias terão a situação regularizada. A política será acompanhada de assistência técnica e extensão rural, com a destinação de R$ 13,5 milhões para atendimento às mulheres rurais e à agroecologia;
– Programa Nacional de Crédito Fundiário, que oferece condições facilitadas para que os agricultores sem acesso à terra ou com pouca terra possam comprar imóvel rural por meio de um financiamento de crédito rural. Segundo o governo, mais de 1,5 mil famílias serão beneficiadas;
– decreto que institui o Pacto Nacional de Prevenção aos Feminicídios, com o objetivo de prevenir todas as formas de discriminações, misoginia e violências de gênero contra as mulheres. Entre as ações previstas está a entrega de 270 unidades móveis para acolhimento e orientação às mulheres, mais 10 carros, em que a metade servirá para locomoção das equipes e a outra parte para transportar equipamentos de atendimento às usuárias. Além disso, serão destinados barcos e lanchas para regiões com necessidade de implementação do serviço fluvial;
– Comissão Nacional de Enfrentamento à Violência no Campo, com a finalidade de atuar na mediação em casos concretos, como instância de deliberação e articulação interministerial e interinstitucional, em conflitos socioambientais, cuja resolução exija a atuação coordenada de vários órgãos;
– decreto de retomada da Bolsa Verde, que prevê um pagamento a famílias inseridas em áreas a serem protegidas ambientalmente e que se enquadrem em situação de baixa renda. O objetivo é incentivar a conservação, promover a cidadania, a melhoria das condições de vida e a elevação da renda. Antes, o pagamento por família era de R$ 300. Agora passa a ser de R$ 600;
– Assistência Técnica e Extensão Rural Agroecológica no Semiárido, tendo as mulheres como protagonistas no processo de produção de alimentos saudáveis e preservação de biomas. Elas serão, obrigatoriamente, 50% do público atendido pelo edital, que prevê R$ 23,5 milhões e mais de 5,5 mil beneficiárias;
– Programa Nacional de Cidadania e Bem Viver para Mulheres Rurais, com objetivo de garantir, por meio do Mutirão de Documentação da Trabalhadora Rural, o acesso à documentação, à titulação conjunta da terra e ao território, para que que as mulheres rurais possam viver com dignidade, tendo assegurados direitos civis, políticos e sociais;
– lançamento de projeto piloto de Lavanderias Coletivas, que serão instaladas em nove assentamentos da região Nordeste (no Piauí, Rio Grande do Norte e Ceará);
– decreto que institui a Comissão Nacional dos Trabalhadores Empregados Rurais, com a intenção de retomar a Política Nacional dos Trabalhadores Rurais Empregados num ambiente de diálogo social, que permite aos trabalhadores ter mais voz na busca por fazer valer seus direitos e influenciar nas decisões;
– decreto que cria grupo de trabalho para construir um plano nacional de juventude e sucessão rural, buscando oferecer acesso a serviços públicos de qualidade, ampliação das oportunidades de trabalho e renda e presença da juventude rural nos espaços de negociação e debate.
Fotos: Fred Vázquez e Saep/DF