2020 escancarou a desigualdade que a educação enfrenta no país
Por José Roberto Covac
Em 2020, a educação brasileira passou por uma série de novos desafios. A declaração da OMS sobre a pandemia teve como consequência o distanciamento social e o anúncio de calamidade pública por parte dos governos federal, estaduais e municipais, que tirou os alunos das aulas presenciais de março a dezembro.
O ano ainda apresentou dificuldades nos processos políticos, que envolveram desde trocas de ministros para as pastas do Ministério da Educação e do Ministério da Saúde até alterações legislativas encaminhadas por intermédio de medidas provisórias e leis estaduais disciplinando descontos obrigatórios de mensalidades escolares que estão sendo questionadas no âmbito do Supremo Tribunal Federal, pela inconstitucionalidade da inciativa legislativa.
O Conselho Nacional de Educação acabou sendo protagonista e editou pareceres e resoluções, que acabaram sendo homologadas pelo ministro da Educação, permitindo, assim, a oferta do ensino remoto em face da realidade imposta pela pandemia, que acabou orientado os sistemas de ensino.
Assim que cidades e estados impuseram medidas de distanciamento social, como o fechamento de instituições de ensino, escolas e órgãos públicos, parecia que o processo de conversão das aulas presenciais para as remotas seria impossível. No primeiro momento, mesmo sem diretrizes públicas específicas ao setor, o distanciamento teve de ser seguido — e com ele a adoção das aulas remotas. O processo demonstrou a desigualdade que a educação enfrenta há anos no país de forma escancarada, visto que uma parcela razoável de alunos sequer obteve acesso aos materiais desenvolvidos via internet, sobretudo e principalmente de alunos que cursam em IES públicas.
Entre as mudanças políticas e estruturais na pasta da educação, está a intensa troca de ministros: no primeiro semestre, Abraham Weintraub ocupava o cargo de ministro da Educação, mas deixou a pasta após pressão por parte dos parlamentares. O ministério ficou por dois meses sem um titular, até a entrada de Carlos Decotelli, exonerado do cargo por supostas acusações de falsidade ideológica e falsificação de documentos, e a posterior substituição por Milton Ribeiro, que atualmente ocupa o posto.
Mais do que a troca de ministros, a educação também sentiu o impacto do adiamento do Enem. Além dos erros na correção da edição de 2019, que afetaram cerca de seis mil candidatos, também foram necessários recursos jurídicos — por parte da Defensoria Pública da União (DPU) — para que o MEC de fato adiasse as provas, que ficaram marcadas para os próximos dias 17 e 24 de janeiro. Vale dizer que o erro na correção da prova resultou na suspensão por pelo menos três meses dos resultados do Sistema de Seleção Unificado (Sisu), que utiliza a nota do Enem para selecionar alunos para universidades públicas.
De maneira a enfrentar a crise educacional causada pelo vírus, o Congresso Nacional aprovou o novo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), que, apesar de ainda não ter regulamentação, garante que o investimento mínimo anual por aluno seja igual em todo o país. A regra foi incluída da Constituição Federal, o que a torna permanente.
Cronologia
1) Janeiro:
— Dia 14: Ministério da Educação (MEC) encaminhou ao Congresso Nacional uma proposta de alteração nas regras do financiamento da educação básica. O ministro da Educação, Abraham Weintraub, tem como objetivo aumentar a contribuição da União para o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb).
2) Fevereiro:
— Dia 7: Publicação da Lei Federal nº 13.979, que dispôs sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional, decorrente do coronavírus, responsável pelo surto de 2019.
3) Março:
— Dia 12: Portaria nº 329, de 11 de março, instituiu o Comitê Operativo de Emergência do Ministério da Educação (COE/MEC), vinculado à Secretaria Executiva do MEC, com 17 participantes.
— Dia 13: Diante do cenário pandêmico e cancelamento das aulas presenciais em toda a federação, o Conselho Nacional de Educação (CNE), como resposta ao ofício da Associação Brasileira de Mantenedoras de ensino superior (ABMES , emitiu posição (Ofício nº 212/2020/SE/CNE/CNE-CNE-MEC) que retomou o Parecer CNE CEB nº 19/2009.
— Dia 17: Ministro Abraham Weintraub anunciou, através da sua conta no Twitter, a tomada de medidas de flexibilização nas regras do ensino superior (público e privado) para EAD. Também postou a disponibilização de recursos tecnológicos para instituições federais para aulas remotas (podendo atender 120 mil estudantes ao mesmo tempo por hora). Para o ensino básico, não há nada definido. Foi publicada também a Portaria 343 de 2020, que possibilitou excepcionalmente a oferta do ensino remoto enquanto durar a pandemia.
— Dia 18: O Conselho Nacional de Educação (CNE) emitiu nota de esclarecimento para elucidar os sistemas e as redes de ensino de todos os níveis, etapas e modalidades sobre a reorganização das atividades acadêmicas, com disposições normativas sobre a utilização de atividade de ensino à distância.
— Dia 18: Através da Portaria nº 343, o MEC dispôs sobre a substituição das aulas presenciais por aulas remotas enquanto durar a situação de pandemia do novo coronavírus para o sistema federal de ensino superior e instituições de graduação e pós-graduação.
— Dia 19: Portaria nº 345, que alterou a nº 343, autorizou em caráter excepcional a substituição das disciplinas presenciais em andamento por aulas que utilizem meios e tecnologias de informação e comunicação, por instituição de educação superior integrante do sistema federal de ensino.
— Dia 22: Foi publicada a Medida Provisória nº 927, que dispõs sobre as medidas trabalhistas para enfrentamento do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, e dá outras providências. Basicamente, a medida provisória tratou sobre: o teletrabalho; a antecipação de férias individuais; a concessão de férias coletivas; o aproveitamento e a antecipação de feriados; e o banco de horas.
— Dia 25: Secretaria Nacional do Consumidor divulgou nota técnica sobre a obrigatoriedade de pagamento de mensalidades durante a pandemia, marcada por atividades não presenciais.
— Dia 30: Ministro Abraham Weintraub anunciou, por meio de um vídeo em sua conta no Twitter, que haveria Enem em 2020. O presidente do Inep, nesse mesmo vídeo, informou que foram publicados dois editais para realização do Enem, sendo um para o Enem digital e outro para o Enem tradicional.
4) Abril:
— Dia 1º: O presidente Jair Bolsonaro enviou a MP nº 934, visando a retirar a obrigatoriedade do mínimo de 200 dias letivos constantes na Lei 9.394/96 (LDBEN). A flexibilização oferecida pela MP não altera as 800 horas-aulas correspondentes aos 200 dias letivos. A diminuição dos dias letivos pode ser prejudicial às escolas particulares, uma vez que pode gerar a interpretação de que o serviço não está sendo prestado em sua totalidade, influenciando no valor de mensalidades.
— Dia 1º/4/2020: A MP 936 instituiu o programa emergencial de manutenção do emprego e da renda, com aplicação durante o estado de calamidade pública a que se refere o artigo 1º e com os seguintes objetivos preservar o emprego e a renda; garantir a continuidade das atividades laborais e empresariais; e reduzir o impacto social decorrente das consequências do estado de calamidade pública e de emergência de saúde pública.
São medidas do programa emergencial de manutenção do emprego e da renda: o pagamento de benefício emergencial de preservação do emprego e da renda; a redução proporcional de jornada de trabalho e de salários; e a suspensão temporária do contrato de trabalho. A MP garantiu que houvesse a redução de salário e de carga horária de 25%, 50% e 70% para todos os funcionários sob o regime CLT. A medida provisória foi convertida na lei. Contudo, não houve redução de hora-aula para os professores.
Quanto à questão salarial, a redução ficou acordada de acordo com os combinados dos sindicatos: de um a três salários mínimos, a instituição de ensino deverá encaminhar o contrato de redução ao sindicato; de R$ 3.150 a R$ 12,2 mil, a instituição deverá encaminhar um ofício ao Sindicato solicitando negociação (obrigatoriamente determinado pela MP 936), atendendo à notificação (inclusive com o número de telefones dos professores).
5) Maio:
— Dia 5: O Procon Brasil publicou Recomendação nº 1/2020 às instituições de ensino particulares. Entre as recomendações, está a de rever cláusulas contratuais de maneira individual.
6) Junho:
— Dia 24: Divulgada a nota técnica GT Covid-19 para a atuação do Ministério Público do Trabalho, que atua na defesa da salubridade e demais direitos fundamentais de professores quanto ao teletrabalho durante o período da pandemia.
7) Julho:
— Dia 7: Parecer CNE/CP nº 11/2020 foi aprovado com orientações educacionais para a realização de aulas e atividades pedagógicas presenciais e não presenciais no contexto da pandemia.
— Dia 8: O MEC anunciou novas datas para a aplicação do Enem. A versão impressa a ser realizada nos dias 17 e 24 de janeiro de 2021, para 5,7 milhões de inscritos. A versão digital, em 31 de janeiro e 7 de fevereiro de 2021, atendendo a 96 mil inscritos. Foi prevista a reaplicação da prova para afetados por eventuais problemas de estrutura, sendo que o dia do exame seria entre 24 e 25 de fevereiro. O resultado foi marcado para 29 de março.
8) Agosto:
— Dia 18: Sancionada a Lei nº 14.040, que estabeleceu normas educacionais excepcionais a serem adotadas durante o estado de calamidade pública.
— Dia 24: Publicado o Decreto nº 10.470, que prorrogou os prazos de acordos de redução de jornada de trabalho e de salário e de suspensão temporária de contrato de trabalho.
— Dia 26: O Senado aprovou a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), encaminhada para a sanção da presidência. O adiamento foi recusado e a LGPD passaria a valer já a partir de 27 de agosto, com ou sem a sanção do presidente.
9) Setembro:
— Dia 19: Procuradoria-Geral da República afirmou que os Estados têm a liberdade de criar leis sobre desconto em mensalidades escolares por suspensão de aulas presenciais. Segundo Augusto Aras, essas normas dizem respeito à defesa do consumidor, cuja competência legislativa é concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal.
10) Outubro:
— Dia 1º: Paulo Guedes anunciou a prorrogação de dois meses à possibilidade de suspensão de contratos ou redução de jornada de trabalho e salários e afirma que medida será apenas para 2020.
11) Novembro:
— Dia 27: Secretários estaduais de educação pediram prorrogação do ensino a distância até 2021. Sem a medida, escolas não poderiam validar atividades remotas como carga horária.
12) Dezembro:
— Dia 7: MEC adiou para março de 2021 a volta das aulas presenciais em universidades.
— Dia 9: Portaria Sepec/ME nº 24.471 autorizou a execução das atividades teóricas e práticas dos programas de aprendizagem profissional à distância até 30 de junho de 2021. E o Conselho Nacional de Educação aprovou o Parecer 19 de 2020, que foi homologado pelo Ministério da Educação, ampliando a possibilidade da oferta do ensino remoto até 21 de dezembro de 2021.
*José Roberto Covac é sócio do escritório Covac Sociedade de Advogados.