8 de março: É hora de flores ser
Por Táscia Souza*
É de Ana Cristina César — uma das homenageadas pela campanha “Lugar de mulher é… MUDANDO O MUNDO!”, relançada no último dia 1° pela Contee — um poema intitulado “Flores do mais”:
“Devagar escreva
uma primeira letra
escreva
nas imediações construídas
pelos furacões;
devagar meça
a primeira pássara
bisonha que
riscar
o pano de boca
aberto
sobre os vendavais;
devagar imponha
o pulso
que melhor
souber sangrar
sobre a faca
das marés;
devagar imprima
o primeiro olhar
sobre o galope molhado
dos animais; devagar
peça mais
e mais e
mais”
Os versos poderiam ser uma justa metáfora para a luta das mulheres, avançando passo a passo, letra a letra, pulso a pulso, em meio à tormenta das adversidades. E mesmo assim vencendo-as no vagar, detidamente, delicadamente. E exigindo mais: direitos, respeito, equidade.
Não há referência a flores a não ser no título, mas elas estão lá, em cada verso. Tanto como estão em cada 8 de março.
Não queremos flores, ao menos não só elas, mas as fazemos nosso símbolo.
Não queremos flores, mas transformamos a rosa em nosso punho.
Não queremos margaridas, mas marchamos incansavelmente para que mal-me-queres se tornem bem-me-queres.
Não queremos flores, mas, como os ipês, nos desfolhamos, largando pelo chão pedaços nossos, experimentando a dor da luta para conseguir florir.
E haja pedaços ao chão. Segundo levantamento do Dieese, citado em matéria da Agência Brasil, o rendimento médio mensal das mulheres no mercado de trabalho brasileiro é 21% menor do que o dos homens. Mesmo nos setores de atividades em que as mulheres são maioria, elas seguem recebendo menos. Nos serviços domésticos, as trabalhadoras ocupam cerca de 91% das vagas, mas o salário é 20% mais baixo que o dos homens. Na educação — categoria representada pela Contee —, na saúde e nos serviços sociais, conforme a reportagem, mulheres representam 75% do total e têm rendimentos médios 32% abaixo dos recebidos pelos homens.
Haja também pulsos para sangrar. Conforme notícia da Folha de S. Paulo dois em cada dez brasileiros afirmam que presenciaram uma cena de assédio sexual contra uma mulher no último ano. Já de acordo com informação do G1, baseada no boletim “Elas Vivem: dados que não se calam”, da Rede de Observatórios da Segurança, dados de sete estados brasileiros aponta que, em 2022, uma mulher foi vítima de violência a cada quatro horas: foram 2.423 casos — e 495 deles terminaram em morte.
Os furacões, os vendavais, as marés da desigualdade e da opressão, portanto, ainda nos assolam. Mas contra eles seguiremos avançando: mais, mais e mais. Flores do mais.
Não queremos flores porque já as somos, como a flor nauseada de Drummond: sofrida, mas flor, furando o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.
*Táscia Souza é jornalista da Contee