Ministro definido; desafios e prioridades na educação seguem postos
Seminário do FNPE ocorrreu em dia de confirmação do nome do senador eleito Camilo Santana (PT-CE) para o comando do MEC. A respeito do relatório da transição, para Madalena Guasco, “cenário é ainda mais grave do que poderíamos supor”; para Heleno Araújo, Brasil tem que “sair das amarras da OCDE”
O FNPE (Fórum Nacional Popular de Educação) realizou, na manhã desta terça-feira (20), o seminário “Educação na gestão Lula da Silva (2023-2026): desafios e prioridades”. O objetivo foi discutir o relatório do grupo de trabalho da equipe de transição da educação e definir e propor ações prioritárias para a educação brasileira na reconstrução do País.
“Precisamos estabelecer com muito cuidado o que estamos chamando de prioridades”, declarou a coordenadora da Secretaria-Geral da Contee, Madalena Guasco Peixoto, que falou como integrante do GT — e também da Executiva do FNPE — na mesa que tratou das questões centrais do relatório.
“O relatório construído pelo grupo de transição foi fruto de amplo debate, com ampla participação. Temos a clareza de que este governo [que assume dia 1° de janeiro] é um governo de frente, característica fundamental para a vitória eleitoral”, ponderou Madalena.
“Teremos que construir uma unidade necessária para mudanças com foco naquilo que é fundamental: o resgate da democracia, o desenvolvimento, a melhoria das condições de vida do povo e dos direitos que foram aviltados, como é o caso da educação pública, universal e amplamente inclusiva.”
Governo em disputa
Como não poderia deixar de ser, num governo de frente ampla, há muitas questões em disputa, a começar pelo próprio comando do MEC (Ministério da Educação), que resultou na rejeição ao nome até então praticamente certo de Izolda Cela e na confirmação, na noite de segunda-feira (19), segundo noticiado pela imprensa, da indicação de Camilo Santana.
“Temos dois macrodesafios. O primeiro é essa reconstrução da educação pública no País, desmontada pelo golpe de 2016, pela Emenda Constitucional 95 [Teto de Gastos] e pelo governo Bolsonaro. O segundo é o Brasil sair das amarras das orientações da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e do Banco Mundial, que são vivenciadas aqui pela Fundação Lemann e cia. Por isso, nossa mobilização, nossa disputa pelo nome que vai ficar no Ministério da Educação”, afirmou o coordenador do FNPE, Heleno Araújo, presidente da CNTE e também integrante do GT da Educação, na equipe de transição.
“Não temos ainda a indicação oficial, mas é importante essa mobilização. Se o futuro governo Lula de fato quer ser diferente, de fato quer enfrentar os desafios da educação brasileira, tem que sair das amarras das fundações privadas, do terceiro setor empresarial”, provocou Heleno.
“Se, no passado, o governo Lula conseguiu sair das orientações do FMI (Fundo Monetário Internacional), por que agora, na educação, tem que ser ministro alguém ligado à economia?”. A crítica persiste mesmo após a definição do ministro, já que Izolda Cela deve assumir a Secretaria de Educação Básica — exatamente a área que mais interessa à Fundação Lemann.
Mais desafiador
Mediada pela professora e doutora em Educação Miriam Fábia Alves, da UFG (Universidade Federal de Goiás), o debate do qual participaram Madalena Guasco e Heleno Araújo foi iniciado com apresentação de Binho Marques, ex-secretário do MEC e responsável pela relatoria do GT de Educação na equipe de transição.
Segundo ele, “o GT da educação foi o mais desafiador dos 32 GT”. “Teve maior número de participantes e foi tão grande quanto diverso, reunindo desde a Campanha [Nacional pelo Direito à Educação] até militantes do Todos Pela Educação”, exemplificou, para mostrar o vasto espectro de concepções políticas e econômicas representado na discussão.
Marques explicou a organização do relatório, que inclui: análise dos programas desmontados pelo governo Bolsonaro; medidas prioritárias para os primeiros 100 dias de governo Lula, sobretudo a instituição do SNE (Sistema Nacional de Educação); recomendação de revisão ampla das políticas de alfabetização e de formação de professores, bem como do novo ensino médio; os contratos para suporte e funcionamento do MEC; e a recomendação para recriação dos colegiados que foram extintos, além da criação de novos, enfatizando forte preocupação com a participação social.
“O relatório é, em síntese, um grande diagnóstico, apontando pontos de crise que podem acontecer nos primeiros 100 dias”, resumiu Marques. “Não podemos, porém, superestimar o relatório. É necessário que o governo tenha robusto planejamento estratégico, porque os problemas de hoje são bem diferentes dos que tivemos nas nossas gestões [de 2003 a 2016].
Pontos prioritários
Desde 2016 que acompanhamos, com luta, denúncia e resistência a implantação do que chamamos de projeto ultraliberal de desmonte do Estado, com retirada de direitos e atuação antidemocrática em todos os sentidos. Mas o diagnóstico que a equipe de transição construiu, por meio de levantamento de dados e das reuniões com as secretarias do MEC, revela cenário ainda mais grave do que poderíamos supor”, enfatizou Madalena Guasco, logo após a introdução de Binho Marques
“Além do desmonte financeiro, tivemos uma ação planejada de desestruturação do ministério, enfraquecimento do caráter federativo e da concepção sistêmica de educação, aniquilamento das estruturas democráticas e de controle.”
A dirigente da Contee participou de cinco subgrupos no GT de Educação: educação superior, pós-graduação e regulação; estrutra do MEC; governança; valorização docente; e educação e trabalho.
Destes, ela destacou no seminário sete pontos prioritários e essenciais:
– fortalecimento do caráter sistêmico da educação, da educação infantil à pós-graduação, e necessária aprovação do SNE;
– revogação de várias portarias dos governos Temer e Bolsonaro;
– redemocratização do FNE (Fórum Nacional de Educação) e reestruturação do CNE (Conselho Nacional de Educação);
– recriação da Secadi (Secretaria Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão);
– fortalecimento das secretarias de Educação Básica, de Educação Superior e, em particular, da Seres (Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior), totalmente enfraquecida e desmontada;
– revogação da Resolução 2/19, que regulamenta a formação inicial dos professores;
– entendimento de que ProUni (Programa Universidade Para Todos) e Fies (Fundo de Financiamento Estudantil) devem, sim, ser fortalecidos, mas como programas de inclusão, e não de financiamento;
Madalena também frisou a importância do FNPE no próximo período. “O fórum vai ser instrumento de organização e de disputa política sobre os rumos da educação brasileira e sua reconstrução democrática.”
Salientou ainda a necessidade de “realização de uma grande Conae (Conferência Nacional de Educação), que faça o diagnóstico da educação nacional e das metas não cumpridas do atual PNE, apontando para a construção de um novo Plano Nacional de Educação”.
O seminário teve sequência com a mesa “Educação brasileira e as prioridades para a reconstrução do País na gestão Lula da Silva (2023-2026)”, coordenada por Márcia Ângela Aguiar, da qual participaram Luiz Cláudio Costa (GT de transição), Carlos Abicalil (Fundação Perseu Abramo) e deputada Rosa Neide (PT-MT).
Táscia Souza