Governo quer entrar na batalha do marco temporal
Segundo Randolfe Rodrigues, substitutivo ao PL 2.903 já está em curso e é uma tentativa de “mediação” entre Legislativo e Judiciário
Embora o STF (Supremo Tribunal Federal) tenha deliberado, por votos 9 votos a 2, que a tese do marco temporal para demarcação de terras indígenas é inconstitucional, a luta contra o retrocesso não cessa nesta quinta-feira (21). O tema continua a tramitar no Congresso Nacional.
De autoria do deputado bolsonarista Homero Pereira (PL-MT), o projeto de lei (PL) que fixa o marco temporal em 5 de outubro de 1988 foi aprovado na Câmara dos Deputados e, agora, está no Senado – que aguardava o resultado do julgamento no STF. A data de referência remete ao dia de promulgação da Constituição Federal de 1988, a primeira Carta Magna no Brasil a reconhecer os direitos originários.
Até o momento, o PL 2.903/2023 saiu da Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) e aguarda votação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), onde o relator, senador Marcos Rogério (PL-RO), também é bolsonarista. A votação foi adiada porque senadores ligados à base do governo pediram vista (mais tempo para análise), o que é regimental. Mas a composição da CCJ é majoritariamente favorável ao marco temporal.
Ao impor uma data-limite para a demarcação de terras indígenas, o projeto legaliza a ação de grileiros que invadiram esses territórios com interesses próprios e, por vezes, espúrios. No Congresso, a orientação do governo Lula é buscar entendimento – algum consenso para inviabilizar uma pauta tão controversa.
“Não me parece de bom tom confrontarmos uma declaração de inconstitucionalidade do Supremo Tribunal Federal com um projeto de lei que flagrantemente será inconstitucional”, declarou o líder do governo no Senado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP). Na quarta (20), o próprio parlamentar antecipou que o governo tem um plano B: apresentar um substitutivo ao PL 2.903. Antes que seja tarde, Lula quer entrar na batalha.
A iniciativa, segundo Randolfe, já está em curso e é uma tentativa de “mediação” entre Legislativo e Judiciário. Seu relator será o senador Alessandro Vieira (MDB-SE), que está construindo o texto com o Ministério dos Povos Indígenas e a Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil). O substitutivo deve ser apresentado à CCJ na próxima semana.
As demarcações que sobrevieram à “Constituição Cidadã” de 1988 transformaram o Brasil em referência internacional. O exemplo brasileiro influenciou até tratados internacionais, como a Convenção Nº 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho) e a Declaração das Nações Unidas (ONU) sobre os Direitos dos Povos Indígenas.
Em 2021, um relatório da ONU, baseado em mais de 300 estudos, atestou um efeito ambiental positivo nas demarcações. Conforme o estudo, “as taxas de desmatamento na América Latina e no Caribe são significativamente mais baixas em áreas indígenas e de comunidades tradicionais onde os governos reconhecem formalmente os direitos territoriais coletivos. Melhorar a segurança da posse desses territórios é uma maneira eficiente e econômica de reduzir as emissões de carbono”.