Mulheres protestam pela volta do aborto legal em hospital de São Paulo
Fechado desde dezembro, Hospital Municipal e Maternidade da Vila Nova Cachoeirinha, na zona norte de São Paulo, era referência na realização da assistolia fetal em casos de aborto legal
Cerca de 50 pessoas, mulheres em sua maioria, realizaram um protesto na manhã desta quarta-feira (3) pela reabertura do serviço de aborto legal no Hospital Municipal e Maternidade da Vila Nova Cachoeirinha, na zona norte de São Paulo.
Por mais de três décadas, a unidade foi referência nesse tipo de procedimento. Porém, a prefeitura de São Paulo decidiu interromper o serviço na unidade, em dezembro do ano passado. A justificativa da Secretaria de Saúde para a suspensão seria a necessidade de ampliar a capacidade para a realização de cirurgias no local.
Além de aborto legal em geral – nos casos de gravidez decorrente de estupro, se a gestação representar risco de vida à mulher ou se for caso de anencefalia fetal – o hospital da Cachoeirinha era o único na capital a realizar a assistolia fetal, procedimento médico recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para a interrupção de gestações que ultrapassam a 22ª semana.
“O hospital Cachoeirinha é um hospital-escola também. Então faz a formação de profissionais para fazer justamente essas interrupções que passaram das 22 semanas. Assim acaba sendo uma referência não só para as mulheres e meninas da região. Faz atendimento, na verdade, de mulheres do Brasil inteiro, porque são só cinco serviços que fazem esse tipo de interrupção no Brasil todo”, afirmou a Laudicéia Reis, dirigente Sindicato dos Servidores Municipais de São Paulo (Sindsep-SP), em entrevista ao repórter Leandro Chaves, para o Seu Jornal, da TVT.
Ataque contra as mulheres
Ao mesmo tempo, uma das justificativas para a suspensão foi a denúncia de que profissionais do hospital realizavam o procedimento ilegalmente. A acusação, no entanto, nunca foi provada. Por conta dessa suspeita, a prefeitura inclusive chegou a levantar dados de prontuários de pacientes.
A dirigente do Sindicato dos Médicos de São Paulo (Simesp) Juliana Salles acusa o prefeito Ricardo Nunes (MDB) pela interrupção. As principais afetadas, segundo ela, são jovens e meninas que engravidaram em decorrência de estupro.
“Ele lançou um ataque contra esse serviço fechando as portas em dezembro, enviando os prontuários das pacientes, de forma ilegal, tanto para a Segurança Pública quanto para o Conselho Regional de Medicina (CRM-SP). A partir daí, abriram processos contra os profissionais, principalmente contra os médicos e médicas que exerciam seu trabalho aqui, ginecologistas e obstetras”.
Em maio desse ano, a Polícia Civil abriu inquérito para investigar a prefeitura pelo acesso ilegal aos prontuários. Assim a polícia investiga se houve violação de sigilo profissional. Em nota, a secretaria municipal nega as irregularidades. E destaca que o serviço de aborto legal está disponível em outros quatro hospitais públicos da capital.
As mulheres também protestaram contra o Projeto de Lei 1904/2024, que equipara o aborto após a 22ª semana de gestação, mesmo nos casos previstos em lei, ao crime de homicídio, atualmente em tramitação na Câmara dos Deputados. A proposta é tão absurda que a pena da vítima que abortar – até 20 anos de prisão – seria maior do que a do próprio estuprador, que tem pena máxima de dez anos.
Explicações ao STF
Do mesmo modo, a Secretaria de Saúde da capital informou hoje ao Supremo Tribunal Federal (STF) que uma mulher que buscou aborto legal em um hospital da capital paulista recebeu uma “negativa momentânea” para realização do procedimento.
As informações foram enviadas ao ministro Alexandre de Moraes, relator do processo que trata da liberação da assistolia. Na semana passada, Moraes pediu que cinco hospitais municipais informassem se negaram pedidos para realização de aborto legal.
Os embates ocorrem em meio à polêmica decisão do Conselho Federal de Medicina (CFM) que, em abril, decidiu proibir a assistolia quando houver possibilidade de sobrevida do feto. Em maio, Moraes determinou a suspensão dessa norma. Como reação, a bancada evangélica na Câmara conseguiu aprovar regime de urgência para o PL 1904, que ficou conhecido como “PL do Estuprador“.