Literatura de cordel: A poesia do povo sertanejo

Ontem (01/08) foi o Dia Nacional do Cordel, patrimônio cultural Imaterial Brasileiro. É um momento oportuno para celebrarmos a riqueza cultural do nosso país e lembrarmos de como os cordelistas transformam a vida cotidiana em versos imortais, entrelaçando sabedoria e imaginação, tecendo o bom combate, os ideais mais genuínos.

A literatura de cordel começou com o Trovadorismo medieval, por volta do século XII e chegou à região Nordeste no século XVIII, por influência dos portugueses. Aqui no Brasil, a tradição do Cordel ganhou a sua identidade própria e canta fatos históricos, lendas, tradições populares, o dia a dia, o cangaço, a política, entre outros temas.

Alguns cordéis são ilustrados com xilogravuras e os livrinhos finalizados são pendurados em barbantes para serem vendidos em feiras, mercados e eventos culturais, daí o nome Cordel. Essa é a maneira mais tradicional e lúdica de propagar os folhetos. Esse gênero literário é considerado fundamental à preservação dos costumes regionais.

Os cordéis ultrapassam o conceito de simples poemas, representam um reflexo profundo da alma sertaneja e nordestina, um grito de resistência e uma forma vibrante de expressão cultural, onde as histórias épicas e os personagens vividos transcendem. Em cada estrofe, em cada rima há uma exaltação da vida e uma crítica social contundente, tudo isso tecido com a habilidade dos artesãos das palavras.

Os cordéis são fios coloridos tecidos pelos dedos ágeis e a oralidade entusiasmada dos poetas. Cada cordel é um bordado cheio de emoções, um fragmento da existência humana, um suspiro de esperança que ao ser declamado se transforma na mais linda sinfonia. Os cordelistas são artesãos e músicos que nos cultivam com o seu cordão poético banhado pela luz e cadência da cultura popular.

Entre os gigantes dessa arte, temos o cearense Patativa do Assaré, o porta-voz do sertão, que com sua voz inconfundível transformou o cordel em um verdadeiro espelho da realidade sertaneja, tocando corações e mentes ao enaltecer a natureza e ao revelar a beleza oculta na dureza da vida.

Outro nome marcante é Zé da Luz, poeta paraibano, que com sua habilidade inigualável nas trovas e na narrativa, trouxe uma nova dimensão ao cordel. Seus versos são lidos e estudados como um legado cultural precioso, oferecendo uma janela para o mundo encantado e por vezes cru do sertão.

Há também o poeta potiguar, João Batista Campos, o criador do neocordel, cuja teoria tem como
principal característica não seguir as normas e regras do cordel convencional. A produção poética é feita com liberdade, combinando humor e crítica social. Ele contribuiu sobremaneira para a evolução e o reconhecimento do cordel no cenário literário nacional e continua inspirando as novas gerações.

Não podemos esquecer do consagrado xilogravurista pernambucano J. Borges, que partiu na semana passada, deixando muita saudade e um formidável acervo. O artista levou o imaginário popular do Brasil para os quatro cantos do continente, ilustrou e poetizou o nordeste como ninguém, sempre primando pela originalidade.

E fechando as menções, o grande e eterno Moraes Moreira. O baiano de Ituaçu, que se despediu de nós em 2020, trazia em suas influências – além do rock, do samba, do frevo, do choro, da música erudita e até do hip-hop – a Literatura de Cordel. Em 2018, Moraes chegou a publicar até um livro escrito todo nessa linguagem intitulado: A História dos Novos Baianos e Outros Versos.

Ao celebrarmos esta arte, reverenciamos os grandes cordelistas, os violeiros e os repentistas do passado e do presente, honramos a nossa brasilidade. O cordel é um patrimônio que nos ensina, nos emociona e, acima de tudo, nos une.

Esse cordão cultural não tem fim… aumenta cada vez mais, ganha novos contornos e matizes. No sertão do Brasil, a terra seca mata a sua sede com versos solares, manifestando os seus múltiplos sentimentos, espalhando a sua mensagem de amor, protesto, otimismo por toda parte… Guimarães Rosa tinha razão: “o sertão é o mundo”. A poesia do povo sertanejo é potente e universal.

Tenham um final de semana poético. Sintam-se abraçados com os versos de Patativa do Assaré:

Amanhã

Amanhã, ilusão doce e fagueira,

Linda rosa molhada pelo orvalho:

Amanhã, findarei o meu trabalho,

Amanhã, muito cedo, irei à feira.

 

Desta forma, na vida passageira,

Como aquele que vive do baralho,

Um espera a melhora no agasalho

E outro, a cura feliz de uma cegueira.

 

Com o belo amanhã que ilude a gente,

Cada qual anda alegre e sorridente,

Como quem vai atrás de um talismã.

 

Com o peito repleto de esperança,

Porém, nunca nós temos a lembrança

De que a morte também chega amanhã.

 

VALE A PENA!

Acesse o acervo de Literatura Popular em Versos da Fundação Casa de Rui Barbosa, o maior da América Latina, reúne cerca de 9.000 folhetos que estão disponíveis para consulta online na base de dados da biblioteca.

Por Romênia Mariani

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