Os sindicatos precisam preservar a sua essência classista e reconquistar as bases

Na segunda edição da série Bate-Papo com as filiadas, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee) teve a satisfação de conversar com o professor Railton Nascimento Souza, presidente da Federação Interestadual dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino do Brasil Central – FITRAE/BC e presidente do Sindicato dos Professores do Estado de Goiás – Sinpro/GO.

A Contee acredita que o diálogo permanente abre caminhos para sedimentar a justiça social, favorecer a dignidade humana e fortalecer os movimentos sindicais, por isso segue comprometida em estreitar cada vez mais os laços com as entidades parceiras, a fim de viabilizar as melhores soluções para promover a educação de qualidade, democrática e inclusiva.

Durante a conversa, o professor Railton relatou sobre as negociações coletivas deste ano, falou a respeito do golpe de 2016, que provocou o impeachment de Dilma Rousseff e gerou uma série de retrocessos à classe trabalhadora, e abordou a necessidade de as entidades sindicais promoverem uma formação política revolucionária, capaz de colaborar com a construção de uma sociedade mais igualitária. O professor se emocionou ao tratar da luta sindical e ao sugerir caminhos para reconquistar as bases. Confira os pontos mais impactantes da entrevista.

Composição da FITRAE-BC

A FITRAE-BC foi criada em 2008 e congrega o Sindicato dos Professores do Estado de Goiás – Sinpro-GO, que representa os professores e as professoras do setor privado de ensino em todo o estado, da Educação Infantil e do Ensino Superior, uma base de mais de 22 mil professores; O Sindicato dos Professores da Rede Privada de Anápolis e Região – Sinpror; o Sindicato dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino de Anápolis e Região – Sinteea, que aglutina os administrativos tanto do setor público quanto do setor privado; o Sindicato dos Trabalhadores em Estabelecimento de Ensino de Rio Verde – Sinteerv, que engloba professores do setor privado e também administrativos do setor privado, desde a Educação Infantil até o Ensino Superior; o Sindicato dos Trabalhadores em Educação no Estado do Tocantins, que abarca os professores do município de Gurupi; e o Sindicato dos Auxiliares de Administração Escolar em Estabelecimentos Particulares de Ensino no Distrito Federal.

Há uma decisão dos Sindicatos de professores do Mato Grosso e do Mato Grosso do Sul ingressarem à FITRAE-BC. Em breve será agendado um Congresso Extraordinário para consolidar a adesão.

Desdobramentos das Negociações Coletivas

Em Goiás, com relação às negociações coletivas, fechamos com o Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino de Goiânia – SEPE, que representa mantenedores da capital da educação básica e com o SINEPE/GO, que representa os mantenedores também da educação básica, mas de todo o estado de Goiás. Este ano tratamos apenas da cláusula econômica, porque no ano passado negociamos a convenção coletiva como um todo. Em 2023, renovamos a convenção coletiva na íntegra, sem perda de direitos, válida até 30 de abril de 2025.

Educação Básica: conquista de reajuste de 6%

Ao 1º de maio, que é a nossa data base, nós garantimos um reajuste para o interior do estado de 6%. A inflação se consolidou até a data base em 3,24%, mais ou menos isso. Então, conseguimos um reajuste que foi quase, em relação ao INPC, 100% de ganho real. Tivemos 6% no interior. Na capital, também tivemos um reajuste de 6%. No entanto, houve um incremento no piso dos professores, das professoras da educação básica de 6,5%.

Consideramos que o processo negocial foi exitoso. O objetivo sindical da negociação foi atingido. Aquilo que nós esperávamos, vamos dizer assim, como parâmetros básicos se consolidou.

O quadro dos trabalhadores administrativos

Os administrativos devem fechar com o Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Educação Superior do Estado de Goiás – SEMESG.  Eles vão garantir a renovação da convenção coletiva, recomposição inflacionária, mas ficará de fora a questão da contribuição assistencial. Vamos discutir depois com o Ministério Público. Essa recusa de entidade patronal de garantir algo que é um direito, inclusive consagrado pelo Supremo Tribunal Federal, não tem cabimento. Nós não entendemos de outra maneira, senão uma forma da entidade patronal impedir que o sindicato se reestruture, tenha força. Repudiamos essa atitude.

A negociação do Ensino Superior travada

Seguimos a luta em relação ao ensino superior. Não vamos admitir fechar uma negociação com redução de direitos, ou seja, desidratando uma convenção coletiva do ensino superior, que já não é uma Brastemp, não é uma convenção coletiva, eu diria, com grandes garantias sociais. Não vamos admitir transformá-la num instrumento contra o trabalhador ao invés de ser um instrumento que proteja o trabalhador.

A força-tarefa patronal para retirar direitos

Ancorados no fim da ultratividade da norma, do negociado sobre o legislado e no fim praticamente do financiamento sindical, os representantes dos empregadores partiram pra cima do Sinpro e apresentaram uma pauta patronal de redução de direitos, ou seja, ou vocês aceitam redução de direitos, ou nós não vamos renovar a convenção coletiva e nem conceder reajuste salarial.

A nossa luta com esse sindicato patronal, ela é travada desde 2019. Primeiro eles vieram com a proposta indecente de redução de bolsa, depois quiseram aumentar a hora-aula aqui em Goiás por meio de jurisprudência de 50 minutos para 60 minutos, sem compensação. Estão querendo limar a carreira docente em instituições de ensino superior, onde ainda há professores em tempo integral, que são os professores com contrato de 40 horas ou mesmo com carreira consolidada.

Eles querem reduzir esses direitos e outros direitos, e nós estamos lutando contra eles de 2019 para cá, acionando o TRT, o Ministério Público do Trabalho, o Ministério do Trabalho, denunciando a prática antissindical, porque vão à mesa, se colocam à disposição para negociar, mas só se a gente aceitar as condições que são inaceitáveis.

No geral, todos os sindicatos vinculados à federação fecharam suas negociações, dentro do possível, de maneira favorável.

O golpe de 2016 e o antissindicalismo

O golpe de 2016 contra a presidenta Dilma, para além de qualquer firula politiqueira ou qualquer discurso que distorça a realidade, nós sabemos muito bem que foi um golpe do capital contra o trabalho, com o propósito de pavimentar a destruição de sindicatos, direitos dos trabalhadores, emplacar no Congresso Nacional retrocessos colossais, como foi a reforma trabalhista, a reforma previdenciária, a terceirização.

A decisão antidemocrática enfraqueceu a força política de representação dos trabalhadores para que acontecesse exatamente o retrocesso que nós vimos no governo Temer e no governo Bolsonaro, de tal maneira que os sindicatos nesse período atravessaram dificuldades horrendas. Foi um período de resistência. As nossas pautas de reivindicação eram basicamente o seguinte: manter os direitos que nós já tínhamos, lutar para não perder o que já havíamos conquistado e pronto. Era basicamente a pauta. A gente vem de um período de muita defensiva.

Agora estamos otimistas com o presidente Lula, mas precisamos trabalhar para o êxito do governo Lula, porque o sucesso da gestão dele, com certeza representa reconstrução, a retomada de direitos perdidos por conta de todo esse processo golpista que nós, classe trabalhadora, sofremos nesses últimos anos.

Perspectivas para 2025

No final do ano iniciaremos às discussões para encaminhar a convenção coletiva de trabalho do ano que vem.  Pretendemos retomar a pauta reivindicatória em relação aos direitos da mulher trabalhadora, da professora, do técnico administrativo; vamos tratar da questão da saúde do professor, do trabalhador administrativo; retomaremos a questão da homologação nos sindicatos, regulamentação da EAD; vamos buscar consolidar o financiamento sindical na convenção coletiva, além de garantir os direitos históricos consolidados. Por enquanto, é seguir matando um leão por dia, sofrendo a agonia do cotidiano.

Consciência de Classe é fundamental

O sindicato não pode ser uma entidade burocrática, em que o dirigente fica trancafiado como um burocrata. E, muitas vezes, reproduzindo inclusive a lógica do próprio capital. Não pode se tornar um dirigente opressor, que oprime até os próprios trabalhadores das entidades.

O sindicalista precisa ir pra rua, tomar banho de povo, ser povo. E, acima de tudo, se possível, eu sei que têm dirigentes que não conseguem mais ter lastro com o seu próprio trabalho profissional, mas o ideal é que, na medida do possível, os dirigentes se mantenham no seu espaço de trabalho.

Confesso pra você que eu, com muita dificuldade, é verdade, mas eu nunca deixei de dar aula. Sou professor, estou lá junto com os professores comemorando as conquistas e, ao mesmo tempo, sofrendo a pressão e a cobrança deles quando a gente não tem conquista. Não podemos perder essa conexão.

É preciso reconquistar as bases

Precisamos resgatar as nossas bases, dialogar com os trabalhadores e com as trabalhadoras. Nós precisamos nos aproximar do povo, sentir o coração do povo, suas demandas, sentir aquilo que o povo sente, o povo sofrido, o povo trabalhador, e aí nós seremos grandes representantes, quando a gente pulsar o nosso coração no mesmo compasso do coração do povo. O dirigente sindical tem que ter essa sensibilidade de sentir o que povo sente e estudar bastante.

Formação Política Revolucionária

É preciso oferecer uma formação política revolucionária para as pessoas. Não revolucionária no sentido do lugar comum, vazio, mas revolucionário no sentido de revolucionar ideias, pensamentos, ações, atitudes, garantir uma sociedade justa, igualitária, onde todos tenham pão, casa, onde todos tenham educação, saúde.  Isso pode ser feito por meio da política e se valendo do sindicato como motor dessa mudança.

“Viver é lutar”

Começo a minha mensagem final com a citação do célebre Gonçalves Dias, que diz assim: não chores, meu filho, não chores, que a vida é luta renhida, viver é lutar. A luta exalta os fortes e, infelizmente, joga abaixo aqueles que se acovardam, de tal forma, que a nossa meta, a nossa bandeira, o nosso olhar é um olhar de luta.

Nada foi entregue de mão beijada para os trabalhadores ao longo da história. Nada. Nós conhecemos bem a nossa história e é uma história marcada pela desigualdade, pela opressão do homem pelo homem, classes que oprimem classes e os trabalhadores só conquistaram os direitos que têm com muita luta. Assim nasceu o movimento operário, depois da Revolução Industrial, nasceu o movimento sindical, e assim nós fomos conquistando direito de redução de jornada de trabalho, direito a férias, descanso remunerado, os direitos das mulheres trabalhadoras, direitos ligados também à própria juventude trabalhadora. Tudo é com muita luta e não podemos jamais esmorecer. O nosso caminho é o caminho da luta.

Edição por Romênia Mariani

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