Luta unitária: “O consenso é o caminho mais responsável e democrático”, afirmou o presidente da Fepesp

Na terceira edição da série Bate-Papo com as filiadas, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee) teve uma conversa enriquecedora com o professor Celso Napolitano, presidente da Federação dos Professores do Estado de São Paulo (FEPESP).

Com o diálogo permanente é possível transformar a educação e construir um Brasil mais justo e igualitário. É com esse olhar plural, buscando a troca de experiências, estreitando os laços com as entidades filiadas, que a Contee vem conduzindo as suas atividades em favor do bem comum e em prol do fortalecimento da classe trabalhadora.

Durante o bate-papo, o professor Celso destacou o trabalho singular realizado pela FEPESP. A entidade define tudo por consenso e consegue unificar as reinvindicações dos 26 sindicatos integrados. Ao final das negociações é consolidada uma pauta única. O sentimento de unidade envolve todas as ações articuladas pela federação.

Napolitano também discorreu sobre as negociações coletivas deste ano e a importância do Conselho das Entidades Sindicais (CONES) durante o processo. O CONES é uma instância consultiva e deliberativa, em que todas as entidades integradas à federação têm assento e podem designar o número de pessoas que quiserem.

O professor falou das conquistas e desafios, evidenciando as dificuldades tidas com o Ensino Superior, segmento comandado pelos grandes grupos mercantis, considerados por ele predatórios, pois só se importam com os dividendos. A dignidade do trabalhador é totalmente negligenciada.

Por fim, o professor Celso pontuou a luta unitária, pautada no consenso, como o caminho mais democrático e responsável. Confira os pontos marcantes da entrevista.

COMPOSIÇÃO FEPESP

A Federação dos Professores do Estado de São Paulo (FEPESP) começa a sua história em 1988, no mesmo período que se iniciou o processo de redemocratização do país.

A federação integra 26 sindicatos do Estado de São Paulo. A maioria representa só professores e uma parte representa professores e técnicos administrativos, que são os auxiliares de administração escolar. Entre os 26, temos nove sindicatos híbridos, que representam professores e auxiliares, um sindicato que representa somente os técnicos administrativos e 16 sindicatos que representam apenas professores.

No Estado de São Paulo há três federações, são mais de 40 sindicatos na ativa. Embora a federação não represente a maior área geográfica, agrega o maior número de docentes do Estado. 85% dos docentes e das docentes estão na base da FEPESP, porque estamos em regiões densas, com um grande número de escolas privadas.

Temos a diretoria executiva, a diretoria plena, a instância do Conselho de Entidades Sindicais (Consind), a instância do congresso, que é a cada quatro anos, mas nós temos uma instância consultiva e deliberativa, que é o conselho das entidades sindicais – CONES. No CONES todas as entidades têm assento e com quantas pessoas quiserem.

DECIDIMOS TUDO POR CONSENSO

A característica principal da federação é que aqui nada vai a voto. Nós não votamos nada, tudo é definido por consenso. Geralmente é uma vez por mês, uma vez a cada 40 dias, mas em época de negociação é toda semana, porque o CONES acompanha o processo de negociação. A federação para cada segmento patronal nomeia uma comissão de negociadores, que também é nomeada e escolhida pelo CONES, uma comissão de negociadores e negociadoras. O nosso cronograma de negociação é de reuniões semanais.

A BANDEIRA DA DEMOCRACIA ERGUIDA 

Optamos pelo processo unificado porque ele é o mais democrático possível, ele é o mais responsável e ele é aquele que as pessoas se responsabilizam por isso. É simples você votar e acabou. O processo politicamente mais responsável é o do consenso e da discussão. É trabalhoso, mas é um processo que tem que ser aprimorado ano a ano, desenvolvido ano a ano, levado a efeito ano a ano.

DINÂMICA DAS NEGOCIAÇÕES

Tivemos negociações intensas. Primeiro resolvemos o SESI e SENAI, depois deliberamos a Educação Básica, SENAC e, por fim, o Ensino Superior. Esses são os quatro segmentos que nós negociamos, que têm representações patronais diferenciadas. O Ensino Superior só fechou a negociação em 25 de junho. Foram feitas as assembleias de aceitação da proposta, da contraproposta de Convenção Coletiva de Trabalho.

Quando fecha a convenção coletiva todos os sindicatos fazem a assembleia. Fechamos o posicionamento no CONES e consolidamos uma convenção coletiva apenas. Um acordo coletivo para SESI, SENAI e SENAC e uma convenção coletiva para superior e básico contemplando todo o Estado.

PANORAMA INICIAL DAS TRATATIVAS

O processo de negociação sempre é facilitado pela unificação. Só que até chegar lá, você tem todo um procedimento de tomada de decisões e unificação. Então, esse ano, o que aconteceu? Em janeiro, convocamos um consind presencial. Foi a primeira atividade presencial pós-pandemia. Nesse consind, com a participação de todas as entidades, com delegações das entidades, foi um consind de um dia só, mas houve uma excelente produtividade. Programamos todo o processo de campanha salarial dos quatro segmentos.

Dos quatro segmentos, nós tínhamos a seguinte divisão: SENAC, por exemplo, tinha uma convenção assinada que vige até fevereiro de 2025, só faltava discutir o índice econômico. Ensino superior, nós também tínhamos uma convenção coletiva já vigente até fevereiro de 2025, com alguns itens econômicos e a questão da regulamentação do EAD, depois a ser discutida. Educação básica, nós tínhamos 60% da convenção fechada, tinha que renovar 40% e introduzir novas questões, e o SESI e SENAI que precisavam renovar a convenção, o acordo coletivo inteiro.

A partir desse cenário programamos toda a negociação, todo o processo de divulgação da campanha salarial. Montamos um cronograma e fomos para as assembleias.

AS ASSEMBLEIAS E OS ANSEIOS DAS ENTIDADES

As assembleias de pautas de reivindicações foram convocadas em fevereiro. Não fizemos aquele processo de definir pauta no ano anterior. Aqui em São Paulo, a gente tem 30 dias de férias coletivas em julho, 30 dias de recesso em janeiro, sem convocação para trabalho. Nós temos 60 dias sem atividade docente, por convenção e acordo coletivo, para o Estado todo. Achamos mais estratégico convocar as assembleias para depois do recesso. Imagina que você tenha 25, naquele momento havia 25 sindicatos, 25 assembleias nas diversas bases, cada sindicato definindo a sua pauta de reivindicações e depois a federação tem a missão de unificar essas pré-pautas. No Consind a gente estabeleceu mais ou menos o esqueleto dessa pauta. A última discussão desse ano, para cada segmento, foi uma discussão de oito horas, mais ou menos, para unificar cada pauta.

MOBILIZAÇÃO É FUNDAMENTAL

O caminho é a mobilização, o conversar, o retornar à categoria constantemente. via rede, via visita à escola, via conversa aqui no sindicato, carro de som girando pelas ruas, convocando novas atividades, novas assembleias.

Neste ano a gente imprimiu alguns folhetos, distribuímos boletins de negociação por segmento para as escolas, organizamos rodas de conversas semanais. Todas as quintas-feiras, às cinco horas da tarde, havia diretores do sindicato disponíveis num endereço da internet para discutir com professores e professoras.

No caso do SESI, nós tínhamos, por acordo com o coletivo de trabalho, a possibilidade de convocar uma assembleia com falta abonada. Fizemos essa Assembleia com Falta Abonada para definir a pauta. E depois, durante a negociação, conseguimos outra Assembleia com Falta Abonada. Então, nós decidimos a assinatura do Acordo Coletivo de Trabalho com falta abonada. Falta abonada significa que a categoria em peso comparece à Assembleia. Tivemos assembleia de 300 pessoas, 400 pessoas, no Estado todo.

MATERIAL DE DIVULGAÇÃO ÚNICO

O setor de comunicação na FEPESP é centralizado e produz material para todas as entidades. Aquelas entidades que têm um departamento de comunicação, que têm mais condições econômicas possuem os mesmos recursos de divulgação, o mesmo material que as entidades de menor condição econômica. A gente tem, por exemplo, o sindicato de Jaú, de um município só, que integra 1.500 docentes na base e nós temos São Paulo com 50 mil docentes na base. Os dois têm acesso ao mesmo material de comunicação e ao mesmo texto de convenção ou de acordo coletivo de trabalho.

CONQUISTAS IMPORTANTES

No SENAC conquistamos um abono de 18% de salário, além do reajuste acima da inflação. A inflação era 3,86%, fechamos por 5% no SENAC. No ensino básico, nós fechamos por 5% também, incluindo 18% de abono, que é pago em outubro. Conseguimos aumentar em 150% o valor da cesta básica na faixa mais baixa de escolas menores, porque agora nós unificamos todas. E, em termos gerais, aumentamos 30% o valor da cesta básica ou do vale-alimentação. Unificamos o piso das escolas de educação infantil, o que deu um ganho de 21% para o piso, e algumas cláusulas de relações de trabalho.

EDUCAÇÃO INCLUSIVA

Uma cláusula importantíssima que está sendo muito bem avaliada pela categoria é o pagamento por atividades adaptadas. As escolas devem incluir pessoas com todo tipo de diversidade. Por exemplo, o professor tem numa turma um grupo de autistas ou um grupo com TDAH. Na hora da avaliação, o educador tem que fazer uma avaliação específica para cada um desses grupos, só que antes não recebia por isso. A escola dizia simplesmente ao professor para preparar as atividades personalizadas. Agora essas provas adaptadas são remuneradas. Isso foi um grande ganho para a categoria.

MAIS RECONHECIMENTO

Temos a questão da hora tecnológica remunerada. Algumas escolas camuflavam a contratação de docentes com outras denominações, porque aqui o sindicato que representa os não-docentes não é da FEPESP, então o acordo coletivo, a convenção coletiva deles é diferente e é menor. Ele contratava uma pessoa com atividade docente, mas chamava de auxiliar de classe para pagar menos. O piso é menor, não tem recesso, não tem férias coletivas, não tem hora-atividade. Nós temos hora-atividade de 5%. E aí a gente também conquistou essa cláusula para que qualquer atividade, desde que seja docente, também esteja vinculada à convenção coletiva dos professores. Isso também representou um grande ganho para essas pessoas, porque tem atividade docente. E essas foram as principais, e mantivemos toda a convenção coletiva sem recuo.

No SESI e SENAI nós conquistamos também algumas cláusulas de relacionamento que as assembleias reputaram muito interessantes, de atuação ou regulamentação das atuações dentro das unidades escolares, o que representa um menor acúmulo de trabalho também para esses professores. Conseguimos 4% também acima da inflação, conseguimos 4,05% de reajuste e um abono também que vai ser pago agora em agosto. No ensino superior, nós fechamos com um reajuste, um aumento real de 0,8%, vai para 4,24%, a partir de janeiro.

A LUTA CONTINUA

É preciso combater o excesso de trabalho sempre, a falta de democracia nas relações de trabalho nas escolas privadas e intensificar as reivindicações em termos de aumento de remuneração, seja por salário, seja por benefícios.

No ensino superior, por exemplo, nós temos plano de saúde pago pelas instituições, mas não temos vale-alimentação nem vale-refeição. A ideia é conseguir um vale-alimentação, discutir um vale-refeição. No ensino superior o vale-refeição é mais difícil, porque não há um trabalho em dois turnos direto.

Na educação básica, nós temos vale alimentação, mas não possuímos o vale refeição e nem plano de saúde. Queremos aumentar também a PLR e aumentar a hora-atividade. Nós temos 5% de hora-atividade no SESI, na Educação Básica e na Educação Superior. No SESI, nós temos 15% de hora-atividade, que é o pagamento pelo trabalho que você faz fora da sala de aula.

REALIDADE DESUMANA E O DIREITO À DESCONEXÃO

Uma regulamentação maior sobre as questões internas nas escolas para diminuir o volume de trabalho é necessária urgentemente, porque com a tecnologia agora o professor, a professora é responsável por uma série de atividades que antes não existia, em função da não adoção da tecnologia. Depois da pandemia, isso virou um carnaval. A escola pede tudo. No SESI e SENAI, por exemplo, a duras penas, conseguimos proibir a comunicação com o professor ou a professora por plataforma, por WhatsApp, por e-mail, fora do horário de trabalho. Estamos batalhando para estender esse direito ao Ensino Básico e Superior.

A PREOCUPAÇÃO COM OS LUCROS

A negociação com o nível superior é a mais difícil por conta das grandes organizações mercantis. A Estácio, a Ânima, a Kroton, elas estão em todas as negociações do Brasil inteiro e vem atravancando todo o processo negocial. São executivos que negociam, burocratas que representam as instituições na mesa de negociações, olhando única e exclusivamente para o tamanho do seu bônus. Eles vivem fazendo conta. Se aumentar a folha de pagamento em tanto, aumenta o custo, diminui o lucro, meu bônus vai embora. Esses negociadores são os mais inflexíveis possíveis. É tudo muito impessoal.

A ATUAÇÃO PREDATÓRIA DOS GRUPOS MERCANTIS

Este ano aqui a gente conseguiu conversar com as outras instituições, que não são de grandes grupos mercantis e que pagam melhor, inclusive mostrando para eles que a atuação dessas organizações mercantis só tem um objetivo, predar os outros, é um objetivo predatório. Eles querem o menor custo possível para poder diminuir o ticket o mais possível para atuar predatoriamente em relação às outras instituições que têm qualidade de ensino, que remuneram melhor, que têm melhores condições de trabalho.

DIREITOS AMEAÇADOS

No ano que vem a situação vai piorar mais ainda. A grande sanha deles: primeiro querem acabar com o plano de saúde, porque é um custo que eles não controlam, depende das operadoras; segundo pretendem reduzir a bolsa de estudo.

Em São Paulo todo professor ou professora tem direito a duas bolsas de estudo para os dependentes, não importa o número de aulas trabalhadas. No ensino superior, por exemplo, que o número de aulas é pulverizado cada vez mais, porque eles estão diminuindo a carga horária por causa dos 40% que pode ser dado à distância, estão juntando turma, estão ensalando. Aqui a palavra da moda é ensalamento. Eles colocam numa mesma sala jacaré, lagartixa, hipopótamo, leão marinho, tudo na mesma sala, do Brasil inteiro, e eu tenho que dar aula para 400 pessoas. E aí eles mandam três, quatro embora. Com essa pulverização, o professor está dando 10 aulas, 12 aulas, porque a maior parte aqui é aulista mesmo, e ele tem direito a duas bolsas de estudo no curso de medicina. É mais vantajoso ele ficar lá pelo plano de saúde e pela bolsa de estudo.

POR UM BRASIL MAIS JUSTO

A minha mensagem é a que a gente coloca sempre para os companheiros dirigentes. Nós escolhemos essa vida, então nós temos que batalhar para que ela flua da melhor maneira. O nosso interesse é sempre melhorar as condições de trabalho, lutar por um país democrático, por um país justo, por um país socialista. Vamos continuar nos unindo, vamos continuar trabalhando.

SENTIMENTO DE UNIDADE

Penso que nos unindo em torno da confederação e a confederação atendendo as nossas reivindicações, colocando em debate questões de âmbito nacional, mas que têm que ser regionalizadas, têm que ser customizadas, para que a gente possa ter um sentido único e um movimento único, uma luta unitária e não unificada. Uma organização unitária e não uma organização unificada, que estabelece obrigações a serem seguidas. Quem sabe a gente atinja um dia uma assembleia ou uma atividade de âmbito nacional. Por que não? Quem sabe? Por exemplo, com relação a essas grandes corporações. Se a Estácio está no Brasil inteiro, por que não, em um determinado momento, a gente consegue emplacar uma atividade que possa ser executada, convocada para o Brasil inteiro? para o pessoal que trabalha na Estácio, para o pessoal que trabalha na Kroton, o pessoal que trabalha na Ânima e assim por diante. Mas eu não acredito em uma ordem que vem de cima para que todos sigam. Eu penso que isso tem que ser construído, assim como eu te disse que é o processo de construção aqui da Federação. A FEPESP está sempre em construção.

Por Romênia Mariani

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