“O movimento sindical é uma ferramenta necessária para a democracia e formação de consciências”, defendeu o presidente da FITRAENE

Na sétima edição do BATE-PAPO COM AS FILIADAS, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (CONTEE) conversou com o presidente da Federação Interestadual dos Trabalhadores e Trabalhadoras dos Estabelecimentos de Ensino Privado do Nordeste (FITRAENE), Wallace Melo Barbosa.

Para a Contee, o diálogo com as entidades filiadas é a maneira mais coerente e efetiva de captar a realidade. A troca de experiências alarga os horizontes, possibilitando a implementação de projetos plurais e agregadores.

Na oportunidade, o presidente da Fitraene falou dos desdobramentos das negociações do corrente ano. Abordou as principais dificuldades encontradas no caminho, destacando a presença massiva dos grandes grupos nacionais e internacionais que vem dominando o setor educacional. Não há um comprometimento com o bem-estar da classe trabalhadora e sim com os lucros exorbitantes.

Wallace pontuou que foram mantidas as conquistas das convenções anteriores e que o reajuste salarial se deu com ganho real. Evidenciou as reivindicações históricas, denunciou o excesso de trabalho e tratou da importância da formação continuada contemplando a igualdade de gênero. Nesse contexto, ressaltou a luta da federação em prol da valorização dos professores e técnicos.

Por fim, o presidente abordou sobre o papel estratégico da federação, reconhecendo o movimento sindical como ferramenta imprescindível à democracia e formação de consciências. Ele disse que a classe trabalhadora produz a riqueza do mundo e precisa ter maior protagonismo nas decisões.

Confira os pontos impactantes da entrevista:

SOBRE A FITRAENE

A Fitraene foi refundada no dia 23 de abril de 2024, após intensa jornada para driblar as burocracias e as dificuldades impostas pelos governos Temer e Bolsonaro. A federação agrega cerca de 20 mil filiados (as) e é composta pelos seguintes sindicatos: o Sindicato dos Professores no Estado de Pernambuco (SINPRO-PE), o Sindicato dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino Privado de Maceió (SINTEP), o Sindicato dos Trabalhadores nos Estabelecimentos de Ensino do Estado de Pernambuco (SINTEEPE-PE), o Sindicato dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino da Rede Particular do Maranhão (SINTERP-MA) e o Sindicato dos Professores e dos Auxiliares de Administração Escolar do Estado do Piauí-PI (SINPRO-PI).

DESDOBRAMENTOS DAS NEGOCIAÇÕES

Na educação básica, posso dizer que todos os sindicatos da base, exceto o do Piauí, concluíram suas negociações. Conseguiram atualizar suas convenções coletivas, atingir o INPC e ter ganho real. O SINPRO-PI enfrenta dissídio coletivo, devido as manobras feitas pelos patrões, representados pelo SINEPE/PI, que optaram por judicializar todo processo negocial, levando as discussões ao Tribunal Superior de Trabalho – TST.

No entanto, na educação privada superior, a grande maioria ainda não terminou as negociações por vários motivos:  em alguns estados a negociação se dá por instituição. O sindicato negocia com o grupo Estácio, depois com o grupo Kroton e assim por diante. Outros estados além de negociarem com as faculdades, negociam com o sindicato do ensino superior do estado.

A DOCÊNCIA E A TECNOLOGIA

Na educação básica, a grande luta, principalmente após a reforma trabalhista e o fim da ultratividade das cláusulas nos acordos e convenções coletivas, é a manutenção da convenção. Isso já é um mantra nos movimentos sindicais. Primeiro garante a atualização da convenção coletiva, depois outras reivindicações são postas na mesa.

Além da questão econômica, lutamos pela regulamentação de alguns aspectos mais específicos envolvendo a docência e a tecnologia. Até onde a gente consegue criar uma equação em relação a isso, ao trabalho extra, a jornada dentro das plataformas de ensino?

Por exemplo, têm escolas que além de a gente registrar nossa aula na caderneta física com frequência, a gente tem que fazer isso na plataforma. Outra situação é a questão do contato entre famílias e professor, principalmente por meios tecnológicos, WhatsApp. Conseguimos viabilizar uma limitação em relação a isso. Hoje as famílias aqui no estado de Pernambuco tratam das questões pedagógicas com a coordenação pedagógica e essa por sua vez repassa para nós professores.

REAJUSTE SALARIAL

Conseguimos no SINPRO-PE, por exemplo, um reajuste em torno de 3,5% a 4,5%. Algumas entidades conseguiram apenas a reposição da inflação, outras conseguiram um pequeno ganho real a mais em relação a essa pauta econômica.

Em Pernambuco fechamos assim: Piso 1, sai de R$11,95 para R$12,50 realizando um reajuste de 4,7%; Piso 2, sai de R$13,50 para R$14,10 realizando um reajuste de 4,4%; já quem recebe acima dos pisos, o reajuste foi de 4%;

Todos os três índices ficaram acima da inflação (INPC 3,5%), referente ao mês de abril. Todos tiveram um ganho de 0,5% até 1,2% de ganho real.

Avaliamos como um acordo exitoso, tendo em vista a realidade que está colocada. Conversando com os demais sindicatos, percebemos que girou em torno disso mesmo, 3,5%, 4,0% e 4,5%.

EDUCAÇÃO INCLUSIVA

Nos últimos três, quatro anos, conseguimos avançar na educação inclusiva. Trata-se de um tema muito caro. A inclusão é importante para se pensar a educação, mas também para se pensar no trabalho. É necessária uma avaliação diferenciada para as pessoas com deficiência, exigindo uma dedicação maior do professor. Nesse sentido, conseguimos, dentro das negociações, garantir o seguinte: tanto o trabalho avaliativo, quanto o trabalho de acompanhamento dos estudantes contará com uma equipe, não ficará só a cargo do professor, vai envolver a coordenação, que inclui o sistema de orientação educacional, a questão da psicomotricidade, enfim, vários setores. Ainda não acontece em 100% das escolas, mas estamos trabalhando para isso. É uma construção permanente.

AS PEDRAS DO CAMINHO

A maior dificuldade, sinceramente, é de fato, primeiro, chegar na inflação, obter o ganho real. Segundo a presença massiva de grupos nacionais e internacionais comprando escolas grandes e tradicionais da região nordeste, tornando as negociações mais complexas e impessoais. O que antes começava num senso comum de estabelecermos o INPC, com a presença desses grupos começamos em zero. Felizmente algumas entidades saíram com esse ganho, outras ganharam a reposição do INPC, depois de muito enfrentamento.

Outra dificuldade é a questão da homologação nos sindicatos, a homologação das demissões, trágica consequência da reforma trabalhista de 2017, que retirou essa obrigatoriedade. Em alguns estados, nós enquanto federação, defendemos que a homologação seja no sindicato.

Além disso, temos a questão do ataque patronal em relação às taxas assistenciais, o incentivo às cartas de oposição para diminuir a receita da entidade. Posso falar a você que são demandas corriqueiras em todos os sindicatos filiados à nossa base.

SINPRO-PI: DISSÍDIO COLETIVO

Conseguimos manter os direitos, não houve perda em relação a garantias, a direitos convencionados, a única situação que nós estamos acompanhando de perto é a situação do Piauí que envolve os docentes e não docentes, na qual já há três, quatro anos um movimento de dissídio coletivo onde é levado para o Poder Judiciário. O processo está no Tribunal Superior do Trabalho. O SINEPE recorreu à Brasília e os professores estão, teoricamente, sem convenção.

A movimentação jurídica do SINPRO-PI para resolver esse quadro delicado tem sido grande. Eles estão fazendo diligência em Brasília, indo para o TST com seu departamento jurídico e já aconteceram algumas manifestações de rua. Os professores passaram a denunciar essa prática de judicialização das negociações coletivas que os patrões vêm adotando.

Estamos acompanhando de perto, porque nós tememos que o Piauí seja um laboratório do patronato para poder tentar inviabilizar negociações, enfraquecer as bilaterais entre os sindicatos e resolver na justiça. E por que a gente tem esse medo? Por conta dessa expansão dos grupos empresariais que vêm crescendo e, às vezes, têm grupos que estão em três, quatro, cinco, seis estados e querem escolher qual é a convenção mais conveniente para eles.

EXCESSO DE TRABALHO

Outro ponto também que a gente levanta como muito pertinente é incorporar dentro das negociações entre os sindicatos patronais e dos trabalhadores, a questão da discussão e a construção do calendário letivo. É uma demanda nossa e, por trás dessa demanda, há um sintoma específico da nossa categoria. Que sintoma é esse? A questão do excesso de trabalho. Só para você ter uma ideia, hoje, se você perguntar a um professor se ele quer trabalhar, fazer uma hora extra e receber o dobro ou ter o dobro de descanso, ele opta por ter o dobro de descanso.

Vale dizer que não é apenas o fato de querer o descanso, mas é o grito de querer realmente descansar pelo excesso de trabalho que a gente vem tendo. Esse contexto, dialoga sobretudo com essa questão das plataformas digitais, em que temos que alimentar essas plataformas com relatórios, com notas, com atividades feitas da própria plataforma e com as avaliações específicas dos estudantes que possuem necessidades educacionais especiais, entre outras atribuições. Tem professor que faz quatro, cinco, seis provas diferentes e onde ele dá conta disso tudo? Ele faz em casa, privando-se do direito à desconexão.

FORMAÇÃO CONTINUADA

Para a categoria docente há uma valorização maior na questão da formação. Este ano conseguimos superar uma dívida histórica que tínhamos. Um professor aqui no estado de Pernambuco, se ele dá aula numa turma de 6º ano ao 3º ano médio, se ele tem o curso de especialização, ele tem um adicional de 10%. Se ele tem mestrado, doutorado, ele tem um adicional de 15%.

Esse adicional não ia para o professor do infantil e do fundamental, séries iniciais. Ou você ganhava a graduação ou só ganhava se tivesse doutorado. Isso desmotivava o professor de estudar. Estamos mudando essa realidade.

IGUALDADE DE GÊNERO E SALARIAL

Isso dialoga muito com a questão de gênero, porque é na educação infantil, nas séries iniciais do ensino fundamental que eu tenho muito mais mulheres. E esse quesito está intimamente ligado ao aspecto da igualdade salarial, que é muito caro para o movimento sindical, a gente enfrenta essa questão diariamente.

Não é justo o professor do terceiro ano médio receber mais do que a professora do terceiro ano do ensino fundamental. Estamos falando de uma categoria só. Este ano garantimos que independente do professor ser do infantil ou ser do médio, se ele estiver especialização ganha 10% a mais, se ele tiver mestrado vai garantir a mais no salário 15%.

FORMAÇÃO CONTINUADA PARA OS TÉCNICOS

Queremos estender esse benefício para os técnicos. Esses profissionais ainda não têm essa valorização. Hoje a gente tem nas categorias não docente, uma pluralidade de profissionais em uma escola. A gente não tem mais aquela escola que é só o professor que está em sala de aula. Eu tenho o psicólogo, que é o profissional formado. Eu tenho o fonoaudiólogo. Hoje eu tenho a necessidade de ter o assistente social. Por que não incentivar também a formação continuada e a valorização desses profissionais?

A FEDERAÇÃO COMO ESPAÇO ESTRATÉGICO

Vale dizer que a federação é um instrumento muito importante para que a gente ajude cada vez mais a fazer uma boa análise dos movimentos econômicos que têm acontecido na educação, sobretudo aqui no Nordeste, principalmente com a chegada dos grandes grupos empresariais que estão dominando o segmento educacional. Tanto é que vamos priorizar a contratação de um economista para poder nos auxiliar nessas discussões, porque tudo indica que as negociações serão ainda mais cansativas e desgastantes. As negociações serão mais pesadas, serão mais rígidas, mais duras, porque estão ficando cada vez mais impessoais. A gente já não fala mais com o dono do colégio X, do colégio Y, a gente fala como representante do grupo tal.

A federação é estratégica nisso, pretende ajudar com a inteligência coletiva, no intuito de compreender melhor esse mundo do trabalho na educação, no setor privado que está se cristalizando no Brasil. Isso vai contribuir até mesmo para unificar bandeiras.

Gosto de pontuar sempre, a maioria dos integrantes dessa federação é do chão de fábrica. É a turma que não está liberada para a luta sindical full time. É o cara que está ali no portão do colégio, o professor em sala de aula, na confusão, aplicando prova, registrando nota e no meio de tudo isso tentando trabalhar para mudar a realidade da categoria.

MENSAGEM FINAL

Quero agradecer o espaço trazido aqui pela Contee para a gente falar um pouco das nossas opiniões. A FITRAENE é uma entidade refundada há pouco tempo, mas sendo construída por pessoas que estão na luta há muito tempo, que estão em sala de aula.

A cada ano que passa, mesmo com vozes dizendo o contrário, estamos cada vez mais convencidos da importância do que é o movimento sindical, do que é o sindicato enquanto instituição, enquanto sujeito histórico para defender os interesses de uma classe trabalhadora que, para nós, em sua grande maioria, produz a riqueza do mundo.

Entendemos que essa categoria precisa ter maior protagonismo nas decisões do mundo. Compreendemos que o movimento sindical é uma ferramenta necessária para a democracia, importante para a formação de consciências, para a elevação do nível de consciência das pessoas, para que as pessoas possam também se ver enquanto classe, se ver enquanto sujeitos que produzem riquezas, que produzem a sociedade do ponto de vista material, relacional e de formação.

Edição: por Romênia Mariani

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