Consciência negra: A valorização da herança africana como ato de justiça social

A lei 10.639/2003, que obriga o ensino da história e cultura afro-brasileira nas escolas, precisa sair do papel e se tornar política de Estado. Apenas 17% das instituições de ensino aplicam a lei.

Estamos no mês da Consciência Negra e o tema da redação do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) deste ano foi: Desafios para a valorização da herança africana no Brasil. O assunto traz à tona a Lei 10.639/2003, que estabelece a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira nas escolas públicas e privadas. A norma já tem 21 anos, mas ainda é pouco aplicada. Segundo a Ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, estudos indicam que apenas 17% das escolas do país aplicam a lei.

A norma foi um marco para a educação brasileira, mas seu impacto tem sido modesto se comparado ao seu potencial transformador. Em pleno século XXI, muitos estudantes no Brasil ainda não têm acesso a uma educação que reflita adequadamente a diversidade cultural do país. O ensino da história e da cultura afro-brasileira não está presente de forma regular e estruturada na maioria das escolas.

A inclusão de conteúdos sobre a história e a cultura dos povos africanos e afro-brasileiros nas instituições educacionais exige não apenas ajustes no conteúdo curricular, mas também mudanças profundas nas metodologias de ensino, na formação dos professores e na disponibilidade de recursos pedagógicos. Muitos educadores, ainda que cientes da importância da lei, enfrentam a dificuldade de implementá-la devido à falta de materiais adequados, formações continuadas e, em alguns casos, apoio das próprias redes de ensino.

Para Juarez Xavier, professor e vice-diretor da Faculdade de Arquitetura, Artes, Comunicação e Design da Unesp – Campos de Bauru-São Paulo, a referida norma deve se tornar uma política de estado.

“A Lei 10639 mudou a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional). Deveria ser uma política de Estado, que deveria criar condições para que isso acontecesse. Por exemplo, formando permanentemente políticas, instruções normativas específicas, de resoluções, portarias que permitissem a materialização da política, formando agentes, pesquisadores, profissionais da educação para lidar com o tema, criando mecanismos tecnológicos, espaços virtuais, espaços de educação permanente para adoção da política”, salientou o professor, em entrevista ao Portal CUT.

Na visão da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee) “É fundamental que, nas próximas décadas, as escolas brasileiras deem o devido valor à Lei 10.639/03 e tornem a cultura negra uma parte integral da educação, não apenas como uma exigência legal, mas como um caminho para a construção de um futuro mais inclusivo e igualitário”.

REDAÇÃO DO ENEM 2024

O Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) é, sem dúvida, um dos maiores termômetros da realidade educacional e social do Brasil. Ao longo dos anos, seus temas de redação têm refletido questões fundamentais para a formação cidadã e o debate público.

Segundo Camilo Santana, ministro da Educação, a escolha do tema revela uma preocupação com a preservação e promoção da cultura afro-brasileira, muitas vezes marginalizada, e com a importância de integrar os legados africanos na construção da identidade nacional.

Na opinião de Thiago Braga, autor e professor do Sistema de Ensino PH, sobre a relevância do tema, a herança africana é um dos pilares que sustentam a cultura brasileira, mas que, frequentemente, é desvalorizada ou negligenciada.

A ministra Anielle Franco afirmou que o governo quer ampliar o ensino de história e cultura afro-brasileira nas escolas, conforme prevê a Lei 10.639/03. Quanto ao tema da redação ela argumentou: “O tema dá uma visibilidade às nossas pautas, à luta do ministério, luta do povo negro, dos movimentos negros também”.

Dados Relevantes – A primeira etapa do exame aconteceu no domingo passado (03). Mais de 3,15 milhões fizeram a prova, aplicada em 1.753 municípios. Dos concluintes do ensino médio da rede pública, 94% se inscreveram. O aumento desse público no Enem foi de 36% em relação à edição de 2023, quando 58% dos concluintes fizeram inscrição. Das 27 unidades da Federação, 14 tiveram 100% de seus concluintes inscritos.

HERANÇA AFRICANA NO BRASIL

Quando pensamos na herança africana no Brasil, é impossível não perceber a multiplicidade de influências que ela exerce sobre diversos aspectos da nossa cultura. Desde a língua portuguesa, que carrega em seu vocabulário milhares de palavras de origem africana, até a música, a dança, a culinária, a religiosidade, as formas de organização social, a presença africana é marcante.

A música brasileira, por exemplo, é fortemente influenciada pelos ritmos africanos, como o samba, o maracatu e o candomblé. A culinária brasileira tem na feijoada, nas receitas de acarajé e nas influências de diversos pratos típicos de origens africanas, um de seus maiores pilares de sabor e identidade. O carnaval, por sua vez, também carrega consigo raízes profundas na cultura afro-brasileira, com suas cores, danças e manifestações de resistência.

O aspecto religioso é outro campo em que a presença africana se reflete de forma evidente. As religiões afro-brasileiras, como o candomblé, a umbanda e o espiritismo de matriz africana, fazem parte da identidade espiritual de milhões de brasileiros.

CAMINHO TRANSFORMADOR

O ensino da cultura afro-brasileira nas escolas precisa ser tratado como uma prioridade, integrando as expressões culturais africanas de forma transversal em diversas disciplinas, como literatura, arte, música e filosofia.

Passados 21 anos da criação da Lei 10.639/2003, é hora de refletirmos sobre os desafios que ainda persistem, mas também sobre as oportunidades que temos para avançar. A implementação efetiva da lei e a criação de um ambiente escolar diverso e antirracista são fundamentais para garantir que o Brasil avance.

A responsabilidade é de todos: do poder público, das redes de ensino, dos educadores e dos próprios alunos. As escolas podem ser espaços de transformação social, onde a valorização da cultura negra é uma ferramenta de construção da cidadania e do respeito mútuo.

Quando todos os cidadãos são valorizados, quando todas as histórias são contadas e reconhecidas, a educação se torna, de fato, um agente de mudança, capaz de edificar um Brasil mais plural e justo, combatendo toda forma de preconceito e discriminação.

⁠”É importante ter em mente que para pensar soluções para uma realidade, devemos tirá-la da invisibilidade. Portanto, frases como “eu não vejo cor” não ajudam. O problema não é a cor, mas seu uso como justificativa para segregar e oprimir”. Que o pensamento da escritora Djamila Ribeiro inspire a luta.

Por Romênia Mariani

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